segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Aquilo que fez e que quer fazer o «Papa Jesus II», o Demolidor



Antonio Socci, Libero24 de Setembro de 2017

Nenhum papa até agora tinha ousado atribuir-se o nome de São Francisco de Assis, o «outro Cristo». Bergoglio fê-lo. Mas ele –no livro entrevista que acaba de ser publicado, com Dominique Wolton, «Politique et societé» – como uma «excusatio non petita» (porque ninguém lhe havia pedido) diz em tom de brincadeira que não foi um acto de soberba, mas, ao contrário, de humildade, porque teria podido chamar-se «Jesus II». Obviamente, sublinha que está brincando (também Arlecchino se confessou que estava brincando…) [ndt.: em italiano, Socci faz referência ao Arlequim, personagem teatral que usava máscaras para dizer, em forma de piada, as verdades que não podiam ser ditas doutro modo. Em português soa como «toda a brincadeira tem um fundo de verdade»].

Mas descortina piadas sobre a presunção dos argentinos («Sabe qual é o melhor negócio? Comprar um argentino pelo seu valor e vendê-lo pelo valor que ele pensa ter»). Acrescenta que um argentino se suicida jogando-se do alto do seu Ego…

Em suma, exibe muita auto-ironia sobre o Ego dos argentinos, e assim tenta dar a entender que ali existe um problema. Talvez um problemão, aquele que há muitos anos tentou – inutilmente – resolver com a psicanalista.

Talvez seja este o seu modo, inclusive, de pedir ajuda. Mas, a essa altura, o homem parece ser um prisioneiro da máquina de guerra que se chama Egolatria na forma de uma papolatria planetária.

O característico deste pontificado é, de facto, a enormidade das ambições.

Bergoglio parece querer «refundar» a Igreja e quase propor-se, de verdade, como um «papa Jesus II», coisa que significa, porém, dispensar o próprio verdadeiro Fundador, Cristo, o qual – conhecendo os seus – percebeu que as suas palavras e os seus mandamentos permanecem para sempre e não mudam com o tempo (Mt 24,35).

Jesus chegou a fulminar o primeiro papa chamando-o de «Satanás», quando Pedro se pôs a raciocinar «segundo os homens e não segundo Deus» (Mc 8, 33). O risco sempre existe. Assistimos hoje à refundação bergogliana que «corrige» o próprio Jesus, adequando-o aos tempos e aos homens.

Em Amoris Laetitia, pretende, de facto, ser mais misericordioso que Cristo (que era um rigorista, ao contrário dos fariseus, que eram «bergoglianos») [ndt.: aqui, Socci refere-se ao facto, já comentado anteriormente, que os fariseus defendiam o segundo casamento, aferrados à casuística, enquanto Cristo aboliu o divórcio em todos os casos].

A ambição do papa argentino foi, inclusive, declarada por um dos seus mais estreitos colaboradores, numa entrevista ao «Corriere della sera», em 10 de Maio de 2015.

IRREVERSÍVEIS

O seu braço direito, Dom Victor Manuel Fernández, disse textualmente: «É necessário saber que ele (Bergoglio) pretende reformas irreversíveis».

Uma frase que pode ter uma interpretação muito revolucionária e heterodoxa para a Igreja.

De facto, a Igreja pertence a Jesus Cristo, não ao papa. Os papas são apenas os seus custódios temporários, não os proprietários: não têm um poder que se estende pelos séculos dos séculos, como Cristo.

Por definição, «irreversível» é apenas a Lei de Deus, que está nas Sagradas Escrituras e no magistério constante da Igreja.

Os papas estão submetidos a esta lei, não são os donos dela. Estes devem ser como os motoristas do carro que leva a Esposa (a Igreja, a propósito) ao encontro do Esposo (o próprio Cristo).

Se um motorista se apropriasse da Esposa mudando o seu destino e o fizesse de modo irreversível, quer dizer que se colocaria como substituto do verdadeiro Esposo. Como se fosse um «Jesus II».

Mas isso não é permitido ao motorista da Esposa. «Jesus é um esposo ciumento», dizia o Cardeal Biffi.

De facto, o mandato que Jesus deu a Pedro e a todos os seus sucessores não é efectivamente o de «mudar» a Igreja (e muito menos de modo «irreversível»), mas – pelo contrário – de «guardá-la» (guardar o «depositum fidei» confirmando os irmãos na fé).

O papa – por definição – pode ser apenas «conservador», de outra forma não é mais papa. O seu ministério é guardar íntegra a fé da Igreja. Não fazer dela uma prostituta ao serviço do mundo.

COMO UMA ONG DE GEORGE SOROS

Por fim, vamos às mudanças «irreversíveis» do bergoglianismo. A mais vistosa é a transformação da Igreja – aos olhos do povo –, de uma realidade sobrenatural que conduz à salvação eterna, a uma agência humanitária que professa uma religião totalmente social e política, centrada nas migrações de massa como se fossem o Sumo Bem, no ecologismo catastrofista e no abraço acrítico com o Islão. A Igreja bergogliana, centrada sobre estes «direitos humanos», notava há alguns dias Ernesto Galli della Loggia no «Corriere della sera», «sobrepõe-se a outras presenças organizativas, ideológicas e políticas, que não têm nada a ver com a tradição. A começar, obviamente, pelas grandes organizações internacionais como a ONU ou a FAO».

Galli afirma ainda que «uma análoga e ampla sobreposição existe, ademais, em relação aos componentes, por assim dizer, laico-progressistas, próprios do universo ideológico dos Países ocidentais, componentes que, também estes, nada têm a ver com a tradição católica» e que têm programas, especialmente em matéria de costumes, «que decerto são estranhos» à «Igreja de Roma».

Galli della Loggia prossegue advertindo que os temas da Igreja bergogliana se sobrepõem também àquela ideologia humanitária «que hoje anima a transbordante presença pública de algumas riquíssimas e influentíssimas figuras de «filantropos mundialistas» – não teria outro modo de chamá-los: como Soros, Zuckerberg ou Bezos – já erigidos a nível de verdadeiros profetas mediáticos: também estes não apenas estranhos, mas ostensivamente hostis ao cristianismo católico».

Uma tal transformação da Igreja era auspiciada há tempos por todos os seus inimigos. Como Ludwig Feuerbach, que escreveu que para «matar o cristianismo» não serviria recorrer à «perseguição», a qual «ainda mais o alimenta e reforça». A sua destruição pode acontecer apenas de outro modo: «Será através da irreversível transformação interna do Cristianismo em humanismo ateu com a ajuda dos próprios cristãos, guiados por um conceito de caridade que nada terá a ver com o Evangelho».

DEMOLIÇÃO

Então, aqui estamos. Mas, antes é preciso acabar de abater a catedral bimilenar da Igreja católica.

Depois de Amoris Laetitia que – segundo cardeais e bispos católicos – mina três sacramentos fundamentais (a confissão, a eucaristia e o matrimónio), uma outra matança se deu com o recente Motu proprio sobre as traduções dos livros litúrgicos, feito à revelia do Cardeal Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino.

Segundo muitos, abre-se o caminho para legitimar um ataque final à Eucaristia e ao sacerdócio. Corremos o risco de caminhar rumo a uma progressiva fusão com os ritos protestantes, que seria «a abolição do sacrifício» e o fim da própria Igreja católica (a propósito, entre os bergoglianos, já se tornou normal definir «a Reforma protestante como uma bênção para a Igreja»).

Mas em Santa Marta circulam também outras ideias «revolucionárias» (o adjectivo que Scalfari aplica sempre a Bergoglio). Uma das quais é, inclusive, a abolição do próprio Estado do Vaticano, que permitiria ao papa argentino passar para a História como aquele que definitivamente varreu com um só toque a Cúria vaticana e o «poder temporal» da Igreja (argumento a que o próprio Scalfari sempre retorna nos seus colóquios com Bergoglio).

É um objectivo muito difícil. Mas, como toda esta revolução está tumultuando e pondo em guerra boa parte do mundo católico e é previsível que leve a uma sublevação no colégio cardinalício, Bergoglio está fazendo estudar, nas lacunas do Direito Canónico, a excepcionalidade de situações que permitiriam que ele mesmo nomeasse o seu sucessor, desautorizando os cardeais e tornando verdadeiramente «irreversível» a sua revolução.

No fundo, Dom Fernandez já prefigurava algo do género na sua entrevista ao Corriere: «os próprios cardeais podem desaparecer, no sentido em que não são essenciais. Essenciais são o Papa e os bispos».

E ainda: «A Cúria vaticana não é uma estrutura essencial. O Papa poderia, inclusive, ir morar fora de Roma, ter um dicastério em Roma e outro em Bogotá, e talvez conectar-se por videoconferência com os especialistas em liturgia, que morariam na Alemanha» (ndt.: essa mesma ideia já havia sido cogitada por, nada mais, nada menos que, Leonardo Boff, num seu artigo de 2013).

Será assim a Igreja do Papa Jesus II?