sábado, 25 de fevereiro de 2017

Quando a correcção pública é urgente e necessária

 
Roberto De Mattei, IPCO, 25 de Fevereiro de 2017

Pode-se corrigir publicamente um Papa pelo seu comportamento repreensível? Ou a atitude de um fiel deve ser de uma obediência incondicional ao ponto de justificar qualquer palavra ou gesto do Pontífice, mesmo que abertamente escandaloso?

Pode-se corrigir publicamente um Papa pelo seu comportamento repreenssível? Ou a atitude de um fiel deve ser de uma obediência incondicional ao ponto de justificar qualquer palavra ou gesto do Pontífice, mesmo que abertamente escandaloso? Segundo alguns, como o vaticanista Andrea Tornielli, é possível expressar «frente a frente» o seu desacordo com o Papa, mas sem manifestá-lo publicamente. Pelo menos esta tese contém uma admissão importante: o Papa não é infalível, excepto quando fala ex cathedra. Aliás não seria lícito discordar dele, nem sequer em privado, e o caminho a seguir seria somente o do silêncio religioso. Contudo, o Papa, que não é Cristo, mas apenas o seu representante na Terra, pode pecar e errar. Mas – pergunta-se – é verdade que ele só pode ser corrigido de forma privada, e nunca publicamente?

Jesus Cristo entre São Paulo e São Pedro.
Retábulo de Pietro Lorenzetti (1320),
©Ferens Art Gallery
Para responder, é importante lembrar o exemplo histórico por excelência, aquele que nos oferece a regra de ouro do comportamento, o chamado «incidente de Antioquia». São Paulo recorda-o nestes termos na Carta aos Gálatas, escrita provavelmente entre 54 e 57:

«Tendo visto que me tinha sido confiado o Evangelho para os não circuncidados, como a Pedro para os circuncidados, (porque quem fez de Pedro o Apóstolo dos circuncidados, também fez de mim o Apóstolo dos gentios) e tendo reconhecido a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram considerados as colunas (da Igreja), deram as mãos a mim e a Barnabé, em sinal de comunhão, para que fôssemos aos gentios, e ele aos circuncidados, (recomendando) somente que nos lembrássemos dos pobres (da Judeia); o que eu fui solícito em cumprir. Mas, tendo vindo Cefas a Antioquia, eu lhe resisti em face, porque merecia repreensão, pois que antes que chegassem alguns de Tiago, ele comia com os gentios, mas, depois que chegaram, retirava-se e separava-se (dos gentios), com receio dos que eram circuncidados. Os outros judeus imitaram-no na sua dissimulação, de sorte que até Barnabé foi induzido por eles àquela simulação. Porém eu, tendo visto que eles não andavam direitamente, segundo a verdade do Evangelho, disse a Cefas, diante de todos: ‘Se tu, sendo judeu, vives como gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a judaizar?’».

Pedro, por temor de ferir a susceptibilidade dos judeus, favorecia com o seu comportamento a posição dos «judaizantes», que acreditavam que todos os cristãos convertidos deviam cumprir a circuncisão e outras disposições da Lei mosaica. São Paulo disse que São Pedro tinha claramente errado e por isso lhe «resistiu frente a frente», ou seja, publicamente, para que Pedro não desse escândalo na Igreja, sobre a qual exercia a autoridade suprema. Pedro aceitou a correcção de Paulo, reconhecendo o seu erro com humildade.

Santo Tomás de Aquino, por Fra Bartolommeo
Santo Tomás de Aquino trata deste episódio em muitas das suas obras. Em primeiro lugar, observa que «o Apóstolo se opós a Pedro no exercício da autoridade e não à sua autoridade de governo» (Super Epistolam ad Galatas lectura, n. 77, tr. It. ESD, Bologna 2006). Paulo reconhecia em Pedro o Chefe da Igreja, mas julgava legítimo resistir-lhe, dada a gravidade do problema, que tocava a salvação das almas. «O modo como se deu a repreensão foi conveniente, pois foi público e manifesto» (Super Epistolam aos Galatas, n. 84). O incidente, observa ainda o Doutor Angélico, contém lições tanto para os prelados quanto para os seus súbdito: «Aos prelados (foi dado o exemplo) de humildade, para que não se recusem a aceitar repreensões da parte dos seus inferiores e súbditos; e aos súbditos (foi dado) exemplo de zelo e liberdade, para que não receiem corrigir os seus prelados, sobretudo quando o crime for público e redundar em perigo para muitos» (Super Epistulam ad Galatas, n. 77).

Em Antioquia, São Pedro demonstrou profunda humildade, e São Paulo, ardente caridade. O Apóstolo dos gentios mostrou-se não apenas justo, mas misericordioso. Entre as obras de misericórdia espirituais existe a admoestação dos pecadores, chamada pelos moralistas de «correcção fraterna». É privada, se privado for o pecado, e pública se o pecado for público. O próprio Jesus especificou a sua modalidade: «Se teu irmão pecar contra ti, vai, corrige-o só entre ti e ele. Se te ouvir, ganhaste o teu irmão. Se, porém, te não ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que pela palavra de duas ou três testemunhas se decida toda a questão. Se os não ouvir, dize-o à Igreja. Se não ouvir a Igreja, considera-o como um gentio e um publicano. Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes sobre a Terra, será ligado no Céu; e tudo o que desatardes sobre a Terra, será desatado no Céu» (Mt 18, 15-18).

Pode-se imaginar que depois de tentar convencer privadamente São Pedro, Paulo não hesitou em repreendê-lo publicamente, mas – diz Santo Tomás –«porque São Pedro tinha pecado na frente de todos, devia ser repreendido na frente de todos» (In 4 Sententiarum, Dist. 19, q. 2, a. 3, tr. ele., ESD, Bolonha, 1999).

A correcção fraterna, como ensinam os moralistas, é um preceito não opcional, mas obrigatório, sobretudo para aqueles que têm cargos de responsabilidade na Igreja, porque deriva da Lei natural e da Lei divina positiva (Dictionnaire de Théologie Catholique, vol. III, col. 1908). A admonição pode ser dirigida do inferior ao superior, e também dos leigos ao clero. À pergunta de se há obrigação de repreender publicamente o superior, Santo Tomás respondeu de forma afirmativa no Comentário sobre as Sentenças de Pedro Lombardo, observando, no entanto, que devemos sempre agir com o máximo respeito. Portanto, «os prelados não devem ser corrigidos por os seus súbditos na frente de todos, mas humildemente, em particular, a menos que haja um perigo para a fé; em tal caso, na verdade, o prelado tornar-se-ia inferior, por ter incorrido na infidelidade, e o súbdito tornar-se-ia superior» (In Sententiarum 4, Dist. 19, q. 2, a. 2).

Nos mesmos termos o Doutor Angélico se exprime na Suma Teológica: «Havendo perigo próximo para a fé, os prelados devem ser acusados, até mesmo publicamente, pelos súbditos. Assim, São Paulo, que era súbdito de São Pedro, acusou-o publicamente, em razão de um perigo iminente de escândalo em matéria de Fé. E, como diz a Glosa de Santo Ambrósio, ‘o próprio São Pedro deu o exemplo aos que governam, a fim de que estes afastando-se alguma vez do bom caminho, não recusassem como indigna uma correcção vinda mesmo dos seus súbditos’ (ad Gal. 2, 14)” (Suma Teológica, II-IIae, 33, 4, 2).

Cornélio a Lapide [gravura ao lado], resumindo o pensamento dos padres e doutores da Igreja, escreve: «Que os superiores podem ser repreendidos, com humildade e caridade, pelos inferiores, a fim de que a verdade seja defendida, é o que declaram, com base nesta passagem (Gal. 2, 11), Santo Agostinho (Epist. 19), São Cipriano, São Gregório, Santo Tomás e outros acima citados. Eles claramente ensinam que São Pedro, sendo superior, foi repreendido por São Paulo […]. Com razão, pois, disse São Gregório (Homil. 18 in Ezech); ‘Pedro calou-se a fim de que, sendo o primeiro na hierarquia apostólica, fosse também o primeiro em humildade’. E Santo Agostinho escreveu (Epist. 19 ad Hieronymum): ‘Ensinando que os superiores não recusem deixar-se repreender pelos inferiores, São Pedro deu à posteridade um exemplo mais incomum e mais santo do que deu São Paulo ao ensinar que, na defesa da verdade, e com caridade, aos menores é dado ter a audácia de resistir sem temor aos maiores’» (Ad Gal. 2, II, in Commentaria in Scripturam Sacram, Vives, Paris, 1876, tomo XVII).

A correcção fraterna é um acto de caridade. Entre os pecados mais graves contra a caridade, há o cisma, que é a separação da autoridade da Igreja ou das suas leis, usos e costumes. Até mesmo um Papa pode cair em cisma, se ele divide a Igreja, como explica o teólogo Suárez (De schismate in Opera omnia, vol. 12, pp. 733-734 e 736-737), e confirma o cardeal Journet (L´Église du Verbe Incarné, Desclée, Bruges 1962, vol. I, p. 596).

Hoje na Igreja reina a confusão. Alguns corajosos cardeais anunciaram uma eventual correcção pública ao Papa Bergoglio, cujas iniciativas se estão a tornar cada dia mais preocupantes e divisivas. O facto de ele se esquecer em responder às «dubia» dos cardeais sobre o capítulo 8 da Exortação Amoris laetitia, credencia e incentiva interpretações heréticas ou próximas da heresia relativas à comunhão aos divorciados recasados. Assim favorecida, a confusão produz tensões e disputas internas, ou uma situação de conflito religioso que preludia o cisma. O acto de correcção pública é urgente e necessário.


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Fonte: «Corrispondenza romana», 22-2-2017. Matéria traduzida do original italiano por Hélio Dias Viana.




quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O que defendemos no debate sobre a eutanásia


Isabel Galriça Neto, Observador, 22 de Fevereiro de 2017

Na Holanda em 2015 praticou-se uma eutanásia a cada hora e meia. De pessoas com doença mental, pessoas que não pediram para morrer, pessoas sem situações de terminalidade, pessoas cansadas de viver.

Neste debate sobre a legalização da eutanásia defendemos a inviolabilidade da Vida humana, o respeito pela Dignidade e pela Liberdade.

Este não é de todo um debate confessional – como querem fazer crer —, talvez para acentuar um preconceito subtil de que sendo um debate religioso seria uma coisa retrógrada, um preconceito que confunde a sociedade laica em que vivemos com uma sociedade anti-religiosa. O debate, ainda que politizado, é claramente sobre que valores queremos ter na sociedade moderna para dar resposta ao sofrimento dos mais vulneráveis.

Defendemos a protecção da vida e a Dignidade. Entendemos que não é preciso escolher ser morto por outro para ter Dignidade na morte, aliás ser morto por outra pessoa é provavelmente a forma menos digna de se morrer. Defendemos a Dignidade enquanto valor intrínseco e patrimonial inegociável do ser Humano, pelo que para nós, e independentemente das circunstâncias, não há vidas que valem a pena ser vividas e outras não. É a vida que deve ter Dignidade, até ao fim, existindo hoje indicações rigorosas e meios de intervenção claros que não permitem que se prolongue a vida das pessoas com doenças avançadas e em sofrimento à custa de mais sofrimento com tratamentos inúteis.

Numa matéria literalmente de vida ou de morte como esta, com a relevância que a rodeia, não são admissíveis imprecisões e eufemismos que enviesam o debate, acrescem demagogia e pouco esclarecem: por exemplo, não se trata de um direito a morrer nem de uma morte assistida – trata-se sim de criar um pretenso direito a ser morto por outra pessoa; não se trata de morte digna – mal estaríamos se apenas os homicídios a pedido definissem a dignidade na morte; e não se trata de abranger apenas situações de fim de vida, pois no articulado do ante-projecto não são claramente excluídas outras situações de sofrimento, como situações de sofrimento existencial e com muito tempo de vida pela frente. Faz-se crer que serão situações de excepcionalidade, que depois o próprio articulado não permite de todo garantir.

Defende-se uma certa visão distorcida da Autonomia, em nosso entender irrealista e incorrecta: a ideia de que a autonomia é igual a uma autodeterminação absoluta em que o individualismo se estabelece e se ignoram as consequências do exercício das liberdades no Bem Comum. Se a autonomia fosse um valor absoluto, não seriam recusados pedidos nem se reservaria esta opção apenas para situações de fim de vida, e não seriam médicos a aprovar a decisão, esses sim os verdadeiros decisores que vêem o seu poder reforçado. A eventual legitimação e aplicação das propostas defendidas levaria a uma aparente «normalização» do matar a pedido e a uma banalização daquilo que consideramos um retrocesso na nossa sociedade. O que se iria impor seria uma visão apoucada do ser humano, que teria consequências perigosas no Bem comum, pois é isso que acontece quando se fazem leis deste tipo nos poucos países europeus que as têm, e se permite que sejam mortas milhares de pessoas por ano – uma eutanásia a cada hora e meia na Holanda em 2015 –, pessoas com doença mental, pessoas que não pediram para morrer, pessoas sem situações de terminalidade, pessoas cansadas de viver.

Defendemos uma sociedade moderna, que tem na protecção da vida o alicerce dos Direitos Humanos, uma sociedade que não descarta os mais vulneráveis e lhes amplia horizontes. Para nós, o problema do sofrimento em fim de vida trata-se cuidando e não eliminando aquele que sofre.





Maçonaria francesa proíbe sites «enganosos» pró-vida



«Liberdade — Igualdade — Fraternidade»

ou as «amplas liberdades» maçónicas...


Chiara Bertoglio, Mercatornet, 21 de Fevereiro de 2017

Uma das citações mais mal atribuídas credibiliza a Voltaire com uma frase bem formada – que ele nunca escreveu. De qualquer forma, o pai do Iluminismo francês e dos seus valores, alegadamente proclamou: «Eu desaprovo o que diz, mas vou defender até à morte o seu direito de dizê-lo.» (Na verdade, a frase vem da pena de Evelyn Beatrice Hall).

Parece, no entanto, que os netos de Voltaire estão a desviar-se cada vez mais dos valores fundadores da sua República e da sua democracia, que são parcialmente resumidos na citação falsa. Na sua versão actualizada deve ler: «Eu desaprovo o que diz, mas vou defender até à morte o seu direito de concordar comigo.» Ou então, cala a boca.

De qualquer forma, é a mensagem que o Parlamento francês enviou para aqueles que discordam do aborto e que estão a usar a internet para informar às mulheres que não é o único, e muito menos a melhor resposta para uma gravidez indesejada. Na última quinta-feira, a Assembléia Nacional aprovou uma lei contra a «difusão de informações enganosas» sobre o aborto, um crime punível com pena máxima de dois anos de prisão e multa de US $ 30.000.

A medida expande o crime existente de «obstáculo ao aborto» – com o objectivo de impedir que activistas pró-vida falem às mulheres que entram em clínicas de aborto, ou organizem manifestações perto de clínicas e hospitais públicos – para incluir sites e «obstáculos digitais».

Num artigo precedente escrevi sobre o bagarre que (o combate que) cerca alguns Web site franceses da pró-vida. Ocasionalmente semelhantes em aparência aos sites oficiais do governo que fornecem informações sobre serviços de aborto, estes sites (muito bem sucedidos) têm o objectivo de ajudar as mulheres que estão a enfrentar uma gravidez difícil ou inesperada, encorajando-as a escolher a vida para seu bebé.

No último caso, nenhum mal está a ser feito a ninguém, especialmente porque as pessoas são perfeitamente livres para silenciar informações indesejáveis ​​com um clique numa janela do navegador. Nenhum pro-lifer francês aparece sob o seu laptop enquanto está a navegar na internet para «dificultar» a sua ida para uma clínica de aborto.

Sim, às vezes é muito difícil encontrar apoio legal para suprimir a liberdade de expressão em França, uma vez que a famosa liberté ainda está no lema da República. Neste caso, é preciso encontrar uma maneira oblíqua de obter o mesmo resultado.

Assim, os sites pró-vida devem ser encerrados não porque os seus conteúdos diferem da linha oficial sobre o aborto, mas porque parecem muito semelhantes aos sites oficiais pró-escolha e, portanto – é mantida – enganam as mulheres e fortalecem-nas a continuar a gravidez.

A ministra dos Direitos da Mulher, Laurence Rossignol, declarou:

«Os adversários do controle da natalidade estão a avançar disfarçados, ocultos atrás de plataformas [web-] que imitam sites institucionais ou linhas directas aparentemente oficiais. Os militantes pró-vida, entretanto, permanecerão livres para expressar a sua hostilidade contra o aborto. Desde que afirmem sinceramente quem são, o que fazem e o que querem.»

Mas o que isto significa na prática? De acordo com este relatório, a redacção da lei não é restritiva:

«Tal como está, pode ser usado para processar aqueles com qualquer «informação» que apresenta o aborto numa luz desfavorável e empurra as mulheres a não escolher o aborto. A lei não define quem tem autoridade para julgar se a informação é oficialmente «enganosa». Isso dependerá dos juízes em princípio e especificamente para a saúde e funcionários do governo.»

Quem está a enganar as pessoas neste debate é, pelo menos, aberto a questionar. O site oficial do aborto fala, por exemplo, sobre o aborto cirúrgico como uma «aspiração do ovo» e afirma que «o aborto não é a remoção de uma vida», como disse Rossignol na Assembléia Nacional. O site oficial diz que «todos os estudos sérios» mostram que não há efeitos psicológicos adversos a longo prazo do aborto, enquanto que o site IVG.NET pró-vida fornece evidências muito credíveis contra. Isto poderia, sob a lei, levar a queixas e acusações.

A Alliance Vita, uma rede pró-vida, denuncia a lei como um perigo para a «liberdade de expressão e de informação. [...] Não só a objectividade da informação é ameaçada, mas também qualquer prevenção das pressões que encorajam o aborto, que actualmente são negadas e ignoradas».

IVG.NET por sua vez não está pronto a recuar. O seu director M. Phillippe declara que não mudará «o conteúdo dos nossos sites ou a ajuda que fornecemos às mulheres por telefone, incluindo o convite para refletir».

Torna saliente que a tentativa de esmagar sites pró-vida estende-se aos meios de comunicação: nos oito anos que foram atacados, receberam apenas quatro minutos para colocar o seu ponto de vista – no canal da TV do Senado Público. Acrescenta:

«Nós, naturalmente, não exercemos» pressões morais e psicológicas ‘ou’ ameaças ou actos de intimidação». Mas o propósito desta lei (e a sua consequência) será permitir que o Planeamento Familiar nos assedie judicialmente sem que possamos retribuir condignamente por causa da sua impunidade de facto».

O Partido Republicano (centro-direita), que votou contra, concorda. Pretendem submeter o texto ao Conselho Constitucional, na esperança de o declararem contrário à Constituição francesa.

O golpe para a liberdade francesa é sério. De facto, o alvo maior do crime de «impedimento ao aborto» é susceptível de limitar dramaticamente os esforços das pessoas cujo único objectivo é ajudar as mulheres a escolher a vida.

Para citar Voltaire novamente, «Nós somos pró-escolha, desde que você escolha o que queremos.» (Podemos fazer mais uma citação falsa Voltaire, não podemos?).


Ver mais emhttps://www.mercatornet.com/features/view/i-disapprove-of-what-you-say-and-will-make-darned-sure-you-cant-say-it/19386





segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Parlamento europeu: «direitos» para robôs, mordaça para defensores da família



Alejandro Ezcurra, IPCO, 28 de Janeiro de 2017

Entre a loucura e a perseguição

Os povos da Europa estão a mostrar uma recusa cada vez maior a este mastodonte burocrático, totalitário e asfixiante chamado União Europeia (UE). O voto popular a favor do «Brexit» foi apenas uma amostra do crescente fosso que separa a UE das reais aspirações dos cidadãos dos seus países-membros.

Um dos organismos da UE mais contestados é o Parlamento Europeu, incumbido de legislar sobre normas comuns dos países da União Europeia. A principal causa de tal recusa são as imposições ideológicas deste organismo contra a família e contra a própria natureza humana.

Da alucinação à realidade

Não creia o leitor que exageramos: a Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu acaba de aprovar um rascunho do relatório que propõe conceder personalidade jurídica aos robôs autónomos «mais sofisticados», atribuindo-lhes «o status de pessoas electrónicas (sic!) com direitos e obrigações específicos, inclusive de reparar qualquer dano que possam causar».

Segundo a autora do relatório, a deputada luxemburguesa Mady Delvaux, a humanidade está a entrar no umbral de uma «nova revolução industrial», na qual os robôs também poderiam ficar sujeitos a certas «obrigações», inspiradas aparentemente nas chamadas «Três Leis da Robótica», enunciadas pelo publicitado autor de ciência-ficção Isaac Asimov no seu conto Runaround (Círculo vicioso), de 1941.

Ora, esta ficção visionária parece estar a caminho de se tornar uma absurda realidade legal.

Mas, o que sucederia se um robô «saísse do manual» e gerasse situações de perigo? A relatora já tem a resposta: inserir previamente em todos os robôs um «interruptor mortal» através do qual possam ser desactivados caso funcionem «fora das leis estabelecidas».


Dependendo do seu nível de sofisticação, estabelecer-se-iam diversos «níveis de imputabilidade» para os robôs infractores: a «responsabilidade pessoal» (sic) de cada um aumentaria proporcionalmente à sua maior autonomia.

Ou seja, teríamos uma espécie de «código penal» alternado para robôs, com diferentes sanções que vão da «pena de morte» a castigos menores.

Felizmente, para alívio da nossa atormentada espécie humana, no meio de tanta loucura Delvaux faz uma ressalva: «Um robô não é um ser humano e nunca será humano. […] Pode mostrar empatia, mas não pode sentir empatia» (pelo menos não se deu conta…). Prescreve, ademais, que nenhum robô deverá parecer «emocionalmente dependente», nem manifestamente humano, nem aparentar «que ama ou que está triste»[1].

Para a deputada Delvaux, a interacção diária de homens com o que ela chama de «entes inteligentes não humanos» ou Inteligência Artificial, suscita problemas derivados da complexidade destes últimos, inclusive a «clara possibilidade» de que, apesar de serem produtos da nossa própria criação, nos superem «tanto mentalmente (sic) quanto fisicamente»; por outras palavras, que o feitiço robótico se volte contra o feiticeiro humano…[2].

Perseguição à vista?

Este não é o único disparate que se cozinha no Parlamento Europeu. A eurodeputada ecologista Heidi Hautala encomendou no ano passado à lobista pró-aborto polonesa Elena Zacharenkel um relatório contra as instituições e personalidades que se opõem aos supostos «direitos sexuais e reprodutivos» e à «igualdade de género», bandeiras da actual revolução cultural. O texto foi apresentado no dia 12 do corrente mês de Janeiro.

Manifestação da Federação Pró-Europa Cristã
diante do Parlamento do Luxemburgo, no dia em que se votou
a legalização do aborto neste país.
Segundo o portal espanhol Actual, «na lista negra desta peculiar caça às bruxas está em primeiro lugar o Vaticano (?), e depois 500 movimentos pró-vida e pró-família de 30 países da Europa» — entre os quais as agrupações Mum, Dad and KidsOne of usCitizenGo, etc. –, ou personalidades como Sophia Kuby, Gregor Puppinck, os espanhóis Jaime Mayor Oreja e Ignacio Arsuaga, entre outros.


E, evidentemente, neste libelo acusatório não poderia faltar a TFP: a relação destaca a Federação Pró-Europa Cristã (FPEC) [foto acima], com sede em Bruxelas, que aglutina TFPs e associações afins de 17 países europeus para acções conjuntas em defesa dos valores familiares. Menciona também que a FPEC é dirigida pelo Duque Paul von Oldenburg [Foto abaixo] e surgiu do «movimento ultraconservador […] Tradição, Família, Propriedade». E acusa os membros das TFPs de promoverem «uma cruzada no século XXI para levar a cabo uma revolução cristã»[3], quando deveria dizer uma Contra-Revolução.

Estas menções à FPEC e às TFPs, vindo de onde vieram — dos antros da Ideologia de Género — são sumamente honrosas para nós e para as demais entidades da lista, pois o seu reconhecimento da eficácia da nossa luta em defesa da civilização cristã equivale a uma condecoração implícita.

Duque Paul von Oldenburg, director da Federação pró-Europa Cristã
e da TFP alemã, é um dos «inimigos» da revolução cultural denunciados
numa acusação do Parlamento Europeu.
O libelo reconhece, por exemplo, que em certas ocasiões as entidades visadas pelo seu alarme «são capazes de activar dezenas de milhares de aderentes» em mobilizações que «conseguiram influenciar o desenvolvimento de políticas da UE».

Por isso, convoca a «opor-se à proliferação dos movimentos anti-choice», assinalando que para isso «é crucial que os progressistas [leia-se: as esquerdas alinhadas com a revolução sexual] apresentem soluções concretas para estes desafios […] a fim de rebaterem eficazmente a visão promovida pelas forças conservadoras».[4]

Quais seriam estas soluções concretas? Anteriormente, a este tipo de denúncias seguia-se um estrondo publicitário e uma encarniçada perseguição contra os denunciados. Mas, hoje, o Parlamento Europeu, a própria UE e as esquerdas em geral estão de tal modo desacreditadas perante o público, que provavelmente o libelo ficará apenas como mais um estalido de ódio contra a Igreja católica e a civilização cristã, sonoro, mas impotente.

E, enquanto isto, dentro e fora da Europa, um número cada vez maior de pessoas perguntam: «Para que serve o Parlamento Europeu?».

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Notas:






(*) Matéria traduzida do original em castelhano por Hélio Dias Viana.