sexta-feira, 18 de novembro de 2016


O cardeal Burke adverte

que se Bergoglio não clarifica a confusão

vários cardeais farão «uma declaração formal

de correcção de um erro grave»




Edward Pentin, National Catholic Register, 16 de Novembre de 2016

Cardeal Burke sobre Dubia acerca de Amoris Laetitia: «Tremenda divisão» justifica acção. Numa entrevista exclusiva ao Register, ele discorre sobre porque quatro cardeais foram impelidos a procurar clareza acerca dos elementos controversos da exortação papal.

Quatro cardeais fizeram ao Papa Francisco cinco dubia, ou «dúvidas», quanto à exortação apostólica Amoris Laetitia (A Alegria do Amor), numa tentativa de esclarecer ambiguidades e confusão em torno do texto. Em 14 de Novembro, eles vieram a público com o seu pedido, após tomarem ciência de que o Santo Padre decidiu não responder às suas questões.

Nesta entrevista exclusiva ao Register, o cardeal Raymond Burke, patrono da Soberana Ordem Militar de Matal, explica detalhadamente os objectivos dos cardeais; porque a publicação da sua carta deve ser vista como um acto de caridade, unidade e preocupação pastoral, ao invés de uma acção política; e quais serão os próximos passos se o Santo Padre continuar a negar-se a responder.

Eminência, o que os senhores pretendem com essa iniciativa?

A iniciativa tem um único objectivo, a saber, o bem da Igreja, que, neste exacto momento, passa por uma enorme confusão ao menos quanto a esses cinco pontos. Há, também, diversas outras questões, mas esses cinco pontos críticos estão relacionados com princípios morais irreformáveis. Então, nós, como cardeais, julgamos ser nossa responsabilidade pedir um esclarecimento a respeito dessas questões, com o objectivo de colocar fim à propagação da confusão que, de facto, está a levar o povo ao erro.

O senhor tem ouvido muito essa preocupação com a confusão?

Por toda a parte onde passo. Os padres estão divididos, os padres separados dos bispos, e os próprios bispos entre si. Há uma tremenda divisão que se estabeleceu na Igreja, e essa não é a maneira da Igreja. É por isso que chegámos a um acordo sobre essas questões morais fundamentais que nos une.

Porque é que o capítulo 8 de Amoris Laetitia é de especial preocupação?

Porque tem sido a fonte de todas essas discussões confusas. Mesmo as directrizes diocesanas estão confusas e em erro. Temos uma espécie de directriz numa diocese; por exemplo, afirmando que os padres são livres no confessionário, se julgarem necessário, para permitir a uma pessoa que vive numa união adúltera, e permanece nessa condição, ter acesso aos sacramentos — enquanto noutra diocese, de acordo com o que sempre foi a prática da Igreja, o padre pode conceder tal permissão àqueles que fazem um firme propósito de emenda, para viver castamente dentro do matrimónio, isto é, como irmão e irmã, e para apenas receber os sacramentos num local onde não haja risco de escândalo. Isso realmente tem que ser tratado. Mas, depois, há outras questões no dubia além desse ponto particular dos divorciados recasados, que diz respeito ao termo «intrinsecamente mau», com o estado de pecado e com a correcta noção de consciência.

Sem o esclarecimento que estão a procurar, os senhores estão a dizer, portanto, que um ou outro ensinamento em Amoris Laetitia vai contra o princípio da não-contradição (que afirma que algo não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo quanto se trata do mesmo contexto)?

É claro, porque, por exemplo, se tomarmos a questão do matrimónio, a Igreja ensina que o matrimónio é indissolúvel, segundo a palavra de Cristo, «Aquele que se divorciar da sua mulher e se casar novamente comete adultério». Portanto, se você é divorciado, não pode entrar numa relação marital com outra pessoa a menos que o vínculo indissolúvel ao qual está ligado seja declarado nulo, isto é, não existente. Porém, se você diz, bem, em certos casos, uma pessoa vivendo numa união matrimonial irregular pode receber a Sagrada Comunhão, então, só pode restar das duas uma: ou o matrimónio realmente não é indissolúvel — como, por exemplo, na espécie da «teoria da iluminação» do cardeal [Walter] Kasper, que sustenta que o matrimónio é um ideal ao qual não podemos, realisticamente, manter as pessoas. Nesse caso, perdemos o senso da graça do sacramento, que permite aos casados viverem a verdade da sua aliança matrimonial — ou a Sagrada Comunhão não é a comunhão com o Corpo e Sangue de Cristo. É claro, nenhuma das duas é possível. Elas contradizem o ensino constante da Igreja desde o início e, logo, não podem ser verdadeiras.

Alguns verão essa iniciativa pelas lentes da política e a criticarão como um movimento «conservadores vs. liberais», algo que o senhor e os outros signatários rejeitam. Qual é a sua resposta a esse tipo de acusação?

A nossa resposta é simplesmente esta: não estamos a tomar qualquer espécie de posição dentro da Igreja, como uma decisão política, por exemplo. Os fariseus acusavam Jesus de tomar posição num dos lados do debate entre os especialistas na lei judaica, mas Jesus absolutamente não fez isso. Ele apelou à ordem que Deus colocou na natureza desde o momento da criação. Ele afirmou que Moisés permitiu o divórcio por causa da dureza de coração, mas não era assim desde o início. Então, estamos apenas apresentando o que a Igreja sempre ensinou e praticou ao fazer essas cinco questões, que abordam o ensino e prática constantes da Igreja. As respostas a essas perguntas fornecem uma ferramenta interpretativa essencial à Amoris Laetitia. Elas devem ser expostas publicamente, pois muitas pessoas dizem: «Estamos confusos, e não compreendemos porque os cardeais ou alguém com autoridade não falam e nos ajudam».

É um dever pastoral?

É isso, e posso assegurar que conheço todos os cardeais envolvidos, e trata-se de algo que empreendemos com o maior sentido de resposabilidade enquanto bispos e cardeais. Porém, empreendemos também com o maior respeito pelo Múnus Petrino, porque se ele não defende esses princípios fundamentais da doutrina e disciplina, então, praticamente falando, a divisão entrou na Igreja, o que é contrário à sua própria natureza.

E também o Múnus Petrino, cujo propósito primeiro é a unidade?

Sim, como diz o Concílio Vaticano II, o Papa é o fundamento da unidade dos bispos e de todos os fiéis. Essa ideia, por exemplo, de que o Papa deva ser algum tipo de inovador, que está conduzindo uma revolução na Igreja ou algo do tipo, é completamente alheia ao Múnus Petrino. O Papa é um grande servo das Verdades da Fé, como elas foram transmitidas de modo ininterrupto desde o tempo dos apóstolos.

É por isso que o senhor enfatiza que se trata de um acto de caridade e justiça?

Absolutamente. Temos essa responsabilidade perante o povo para quem somos bispos, e uma responsabilidade ainda maior como cardeais, que são os principais conselheiros do Papa. Para nós, permanecer em silêncio sobre essas dúvidas fundamentais, que surgiram como resultado do texto de Amoris Laetitia, seria, da nossa parte, uma grave falta de caridade para com o Papa e uma grande falta no cumprimento dos nossos deveres do nosso próprio ofício na Igreja.

Alguns podem argumentar que os senhores são apenas 4 cardeais, dentre os quais o senhor é o único que não está aposentado, e que isso não é muito representativo em relação a toda a Igreja. Neste caso, poderiam perguntar: porque é que o Papa deveria ouvir e responder aos senhores?

Bem, a questão não são os números. A questão é a Verdade. No julgamento de Santo Tomás More, alguém lhe disse que a maioria dos bispos da Inglaterra aceitaram a ordem do rei, mas ele disse que isso poderia ser verdade, mas que os santos no céu não a aceitaram. Esse é o ponto. Creio que, mesmo que outros cardeais não tenham assinado, eles compartilham a mesma preocupação. Mas isso não me incomoda. Mesmo que fôssemos apenas um, dois ou três, se se trata de algo que é verdadeiro e é essencial à salvação das almas, então, deve ser abordado.

O que acontecerá se o Santo Padre não responder ao seu acto de justiça e caridade e deixar de dar o esclarecimento quanto ao ensinamento da Igreja que os senhores esperam?

Então, teríamos que tratar dessa situação. Há, na Tradição da Igreja, a prática da correcção ao Sumo Pontífice. Obviamente, é algo muito raro. Porém, se não houver resposta a essas questões, então, diria que seria o caso de realizar um acto formal de correcção de um grave erro.

Num conflito entre a autoridade eclesial e a Sagrada Tradição da Igreja, qual delas é vinculante ao fiel e quem tem autoridade para determinar a respeito?

O que é vinculante é a Tradição. A autoridade eclesial existe apenas a serviço da Tradição. Penso na passagem de São Paulo na carta aos Gálatas (1:8): «Mesmo se um anjo vos pregar qualquer Evangelho diferente do qual eu vos preguei, seja ele anátema».

Se o Papa ensinar um grave erro ou uma heresia, qual é a autoridade legítima que pode declará-lo e quais seriam as consequências?

É dever, em tais casos, e historicamente já aconteceu, que cardeais e bispos deixem claro que o Papa está ensinando o erro e peçam a ele que o corrija.


Tradução: FratresInUnum.com





quinta-feira, 17 de novembro de 2016


Issam, o acólito muçulmano

que ajuda à missa de Bergoglio


Francesca de Villasmundo, Religion Catholique, 16 de Novembro de 2016

Après l’embrassade à Luther dans les Palais apostoliques, voici le croissant au Vatican. Non pas la délicieuse viennoiserie réalisée pour commémorer la victoire autrichienne de 1683 sur les Turcs musulmans qui assiégeaient Vienne mais celui, symbole de l’islam, que les mahométans portent dans leur cœur.

Lors du Jubilé des prisonniers de dimanche 6 novembre dernier, le pape François a promu au rang d’enfant de chœur lors de sa messe dans la basilique Saint-Pierre, un détenu musulman de 34 ans condamné entre autres délits pour agression sexuelle. Après les filles autour de l’autel pour favoriser cette notion féministe de «parité entre les sexes» (mais pas cette fois-ci, présence musulmane oblige), c’est la nouvelle lubie liturgique conciliaire pour seconder le dialogue inter-religieux. Avec François le syncrétisme religieux avance à pas de géant!

Le quotidien italien La Repubblica, tendance gauche-caviar et bobo radical-chic, affichant dédain et mépris pour tout ce qui est traditionnel, grand fan du pape François et de sa révolution progressiste, rapporte ainsi cet énième scandale bergoglien:

«Il n’a pas peur que son geste soit mal interprété. «Non, qu’y a-t-il de difficile à comprendre?» Issam a été le premier musulman à revêtir l’aube des ministres à côté du pape lors d’une fonction solennelle dans la basilique Saint-Pierre. Et il l’a fait avec beaucoup de naturel: «Si les pontifes viennent prier dans les mosquées pourquoi je ne devrais pas le faire au Vatican? Je reste musulman mais ensemble nous pouvons prier les uns pour les autres, pour la paix, pour le monde. Dimanche c’est ce que j’ai fait.»

Dimanche c’était le jour du Jubilé des prisonniers. Et Issam est détenu dans la maison pénale de Busto Arsizio. Huit d’entre eux ont été choisis pour remplir la fonction de servants de messe. (…) «Quand du Vatican il m’ont demandé de choisir des détenus pour ce service, raconte don Silvano, le chapelain de Busto Arsizio, j’ai signalé qu’il y avait un garçon musulman qui s’était proposé et ils m’ont répondu qu’ils lui confieraient un geste important.» Il a donc été chargé de laver les mains de Bergoglio à la sacristie et il a été le seul à rester avec lui avant la messe. «Pourquoi j’ai voulu le faire? Pour faire comprendre que nous, musulmans, sommes différents de ce que certains voudraient faire croire: nous sommes pour la paix.»

La seule chose que Issam a demandé a été de pouvoir porter avec lui, au cours du voyage, son propre tapis pour la prière. Il l’a utilisé avant de rejoindre Saint-Pierre et de nouveau l’après-midi: «Je reste musulman, revendique-t-il, mais je crois dans le dialogue et le respect.» Quand il l’a dit au pape, ce dernier l’a embrassé et lui a donné un baiser. «Je lui ai demandé de prier pour moi, pour ma famille, pour nous les détenus. François m’a dit d’en faire autant pour lui.»

Comme cadeau, au nom des prisonniers de Busto Arsizio, il a porté la clé de Saint Pierre en chocolat réalisée par la boulangerie de la prison. Il aurait voulu lui raconter son histoire mais il n’y avait pas assez de temps. (…)

L’enfant, arrivé du Maroc pour rejoindre ses frères qui s’étaient diplômés et qui en Italie avaient trouvé du travail, s’est perdu dans la drogue, dans l’alcool. «C’est étrange à dire mais la prison m’a sauvé la vie, raconte-t-il. J’ai été arrêté il y a 6 ans pour plusieurs délits et il m’en reste 4 à purger. Derrière les barreaux, j’ai renforcé la foi musulmane que j’avais quand j’étais petit et cela m’a changé: maintenant j’étudie, je ne me drogue plus, je ne bois pas et j’ai trouvé la paix intérieure.»

Et penser qu’il avait été catalogué comme un terroriste: «C’est arrivé il y a deux ans: ma mère était morte et en prison ils m’ont demandé de réciter une prière durant la cérémonie pour la fin du Ramadan. Quand j’ai eu fini, ils ont tous levé les mains au ciel. Qui nous observait a pensé que je voulais retourner les gens. Bien sûr ce n’était pas ça.» Si bien que dimanche Issam était à côté du pape: «Ses paroles m’ont coupé le souffle. Il a prié pour nous les détenus. Nous avons ressenti que nous n’étions plus les derniers, les exclus.»

Indépendamment du caractère politique, à la portée médiatique considérable, de cette présence musulmane dans la basilique Saint-Pierre pour convaincre le monde entier de pratiquer le Pas d’Amalgame, mais préfiguration peut-être de la victoire du croissant sur la Croix en nos pays européens déchristianisés et de la transformation en future mosquée de l’église la plus symbolique de la chrétienté, le rôle d’enfant de chœur confié à ce mahométan délinquant, venu en Europe semé désordre et vilénie, est un scandale religieux aussi énorme que la réunion œcuménique d’Assise!

La vraie doctrine catholique, bafouée et méprisée par ces ecclésiastiques progressistes en recherche d’innovations permanentes pour complaire au monde, est pourtant ferme sur l’impossibilité d’une quelconque participation de non-catholiques aux offices catholiques. Il suffit de se reporter aux études de canonistes réputés du XXe siècle parues dans l'article de MPI ci-dessous.

Malheureusement avec François, dans la droite ligne de ces prédécesseurs, les dernières digues du catholicisme au sein de l’Église officielle, existantes et résistantes, encore, malgré 50 ans d’anéantissement sous le rouleau-compresseur conciliaire, sont en train de sauter les unes après les autres. Bientôt plus rien, au sein de cette nouvelle Église conciliaire, secte qui a pris en main la destinée des catholiques, ne s’opposera plus à la concrétisation du rêve messianique des officines maçonniques, une religion mondiale, mixture de toutes les religions, avec à sa tête, pourquoi pas, un homme en blanc…





quarta-feira, 16 de novembro de 2016


Amoris laetitia, demasiada confusão.

Quatro cardeais escrevem ao papa

pedindo clarificação




Walter Brandmuller, Raymond Burke, Carlo Caffarra, Joachim Meisner

1. Uma premissa necessária

O envio desta carta ao Papa Francisco por parte de quatro cardeais nasce de uma profunda preocupação pastoral.

Temos observado a desorientação de muitos fiéis, e a confusão em que se encontram, relativamente a questões de grande importância para a vida da Igreja. Temos notado também que inclusive no seio do colégio episcopal se fazem interpretações contrastantes do capítulo oitavo de «Amoris laetitia».

A grande Tradição da Igreja ensina-nos que o caminho para sair de situações como esta passa pelo recurso ao Santo Padre, pedindo à Sé Apostólica que resolva as dúvidas que são causa de desorientação e de confusão.

O nosso é, pois, um acto de justiça e de caridade.

De justiça: ao tomar esta iniciativa estamos a professar que o ministério petrino é o ministério da unidade, e que a Pedro, ao Papa, cabe o serviço de confirmar na fé.

De caridade: é nossa intenção ajudar o Papa a prevenir divisões e contraposições na Igreja, pedindo-lhe que dissipe todas as ambiguidades.

Fazendo-o, cumprimos também um estrito dever que nos incumbe. Segundo o Código de Direito Canónico (câns. 349, 358 e 360), aos cardeais está confiada a missão de ajudar o Papa na solicitude pela Igreja universal.

O Santo Padre decidiu não responder. Interpretamos esta sua soberana decisão como um convite para continuar a reflexão e a discussão, de modo sereno e respeitoso.

Por essa razão, damos agora a conhecer a nossa iniciativa a todo o povo de Deus, fornecendo para isso toda a documentação pertinente.

Esperamos que ninguém interprete este facto nos termos do esquema «progressistas-conservadores»; seria um engano. Estamos profundamente preocupados com o verdadeiro bem das almas, que é a suprema lei da Igreja, e não em fazer avançar dentro da Igreja um qualquer tipo de política.

Esperamos também que ninguém, julgando injustamente, nos tenha na conta de adversários do Santo Padre e de pessoas privadas de misericórdia. O que fizemos e o que estamos a fazer nasce do profundo afecto colegial que nos une ao Papa, e da preocupação apaixonada pelo bem dos fiéis.

Card. Walter Brandmüller
Card. Raymond L. Burke
Card. Carlo Caffarra
Card. Joachim Meisner 

*

2. A carta dos quatro cardeais ao Papa

Ao Santo Padre Francisco

e com conhecimento a Sua Em. Rev. Senhor Cardeal Gerhard L. Müller

Beatíssimo Padre,

No seguimento da publicação da Vossa Exortação Apostólica «Amoris laetitia», foram propostas, por parte de teólogos e estudiosos, interpretações não só divergentes, mas também contrastantes, sobretudo no que respeita ao cap. VIII. Além do mais, os meios de comunicação têm vindo a pôr em realce esta diatribe, provocando, desse modo, incerteza, confusão e desorientação por entre muitos dos fiéis.

Por essa razão, chegaram-nos, a nós que nos subscrevemos, como também a muitos bispos e presbíteros, numerosos pedidos da parte de fiés pertencentes a diversas condições sociais, a respeito da correcta interpretação a dar ao cap. VIII da exortação.

Assim, movidos em consciência pela nossa responsabilidade pastoral, e desejando praticar sempre melhor aquela mesma sinoladidade a que Vossa Santidade nos exorta, permitimo-nos, com profundo respeito, vir pedir-Vos, Santo Padre, que, como Mestre supremo da fé, chamado pelo Ressuscitado a confirmar os irmãos na fé, dirimais as incertezas e crieis clareza, dando benevolamente resposta aos «dubia» que nos consentimos juntar à presente.

Apraza a Vossa Santidade abençoar-nos, deixando-Vos a nossa promessa de uma constante presença na nossa oração.

Card. Walter Brandmüller
Card. Raymond L. Burke
Card. Carlo Caffarra
Card. Joachim Meisner

Roma, 19 de Setembro de 2016.

*

3. Os «dubia»

1. Pergunta-se se, de acordo com quanto se afirma em «Amoris laetitia», n.º 300-305, se tornou agora possível conceder a absolvição no sacramento da Penitência, e, portanto, admitir à Sagrada Eucaristia, uma pessoa que, estando ligada por vínculo matrimonial válido, convive «more uxorio» com outra, sem que estejam cumpridas as condições previstas por «Familiaris consortio», n.º 84, e entretanto confirmadas por Reconciliatio et paenitentia, n.º 34, e por «Sacramentum caritatis», n.º 29. Pode a expressão «[e]m certos casos», da nota 351 (n.º 305) da exortação «Amoris laetitia», ser aplicada a divorciados com uma nova união que continuem a viver «more uxorio»?

2. Continua a ser válido, após a exortação pós-sinodal «Amoris laetitia» (cf. n.º 304), o ensinamento da encíclica de São João Paulo II «Veritatis splendor», n.º 79, assente na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja, acerca da existência de normas morais absolutas, válidas sem qualquer excepção, que proíbem actos intrinsecamente maus?

3. Depois de «Amoris laetitia» n.º 301, pode ainda afirmar-se que uma pessoa que viva habitualmente em contradição com um mandamento da lei de Deus, como, por exemplo, aquele que proíbe o adultério (cf. Mt 19, 3-9), se encontra em situação objectiva de pecado grave habitual (cf. Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Declaração de 24 de Junho de 2000)?

4. Após as afirmações de «Amoris laetitia», n.º 302, relativas às «circunstâncias atenuantes da responsabilidade moral», ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de São João Paulo II «Veritatis splendor», n.º 81, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, segundo o qual: «as circunstâncias ou as intenções nunca poderão transformar um acto intrinsecamente desonesto pelo seu objecto, num acto 'subjectivamente' honesto ou defensível como opção»?

5. Depois de «Amoris laetitia», n.º 303, ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de São João Paulo II «Veritatis splendor», n.º 56, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, que exclui uma interpretação criativa do papel da consciência, e afirma que a consciência jamais está autorizada a legitimar excepções às normas morais absolutas que proíbem acções intrinsecamente más pelo próprio objecto?

*

4. Nota explicativa dos quatro cardeais

O CONTEXTO

Os «dubia» (do latim, «dúvidas») são questões formais dirigidas ao Papa e à Congregação para a Doutrina da Fé, pedindo uma clarificação acerca de temas particulares relativos à doutrina ou à prática.

O que estes pedidos têm de particular é o facto de serem formulados de modo a pedirem como resposta um «sim» ou um «não», sem argumentações teológicas. Não fomos nós a inventar esta modalidade da forma de se dirigir à Sé Apostólica; é uma prática secular.

Tratemos agora do que está em jogo.

Depois da publicação da exortação apostólica pós-sinodal «Amoris laetitia», sobre o amor na família, levantou-se um amplo debate, em especial a respeito do capítulo oitavo. Mais especificamente ainda, os parágrafos 300-305 têm sido objecto de interpretações divergentes.

Para muitos – bispos, párocos, fiéis –, estes parágrafos fazem alusão, ou ensinam explicitamente, uma mudança da disciplina da Igreja a respeito dos divorciados que vivem numa nova união, ao passo que outros, admitindo embora a falta de clareza, ou mesmo a ambiguidade das passagens em questão, argumentam que estas mesmas páginas podem ser lidas em continuidade com o magistério precedente e não contêm uma modificação quanto à prática e aos ensinamentos da Igreja.

Animados por uma preocupação pastoral para com os fiéis, quatro cardeais enviaram uma carta ao Santo Padre sob a forma de «dubia», esperando assim obter clareza, dado que a dúvida e a incerteza são sempre em grandíssimo detrimento do cuidado pastoral.

O facto de que os intérpretes cheguem a diferentes conclusões deve-se também à existência de vias divergentes a propósito da compreensão da vida cristã. Nesse sentido, o que está em jogo em «Amoris laetitia» não é somente a questão de se saber se os divorciados que iniciaram uma nova união – sob certas circunstâncias – podem ser readmitidos ou não aos sacramentos.

É mais do que isso, já que a interpretação do documento implica maneiras diferentes e contrastantes de encarar o estilo de vida cristão.

Assim, enquanto a primeira questão dos «dubia» diz respeito a um tema prático relativo aos divorciados recasados civilmente, as restantes quatro questões são relativas a temas fundamentais da vida cristã.

AS PERGUNTAS

Dúvida número 1:

Pergunta-se se, de acordo com quanto se afirma em «Amoris laetitia», n.º 300-305, se tornou agora possível conceder a absolvição no sacramento da Penitência, e, portanto, admitir à Sagrada Eucaristia, uma pessoa que, estando ligada por vínculo matrimonial válido, convive «more uxorio» com outra, sem que estejam cumpridas as condições previstas por «Familiaris consortio», n.º 84, e entretanto confirmadas por Reconciliatio et paenitentia, n.º 34, e por «Sacramentum caritatis», n.º 29. Pode a expressão «[e]m certos casos», da nota 351 (n.º 305) da exortação «Amoris laetitia», ser aplicada a divorciados com uma nova união que continuem a viver «more uxorio»?

A primeira pergunta refere-se, em particular, ao n.º 305 de «Amoris laetitia» e à nota de pé de página 351. A nota 351, pese embora falar especificamente dos sacramentos da penitência e da comunhão, não menciona, nesse contexto, os divorciados recasados civilmente, como também não o faz o texto principal.

O n.º 84 da exortação apostólica «Familiaris consortio», do Papa João Paulo II, já contemplava a possibilidade de admitir os divorciados recasados civilmente aos sacramentos. Mencionavam-se aí três condições:

– as pessoas interessadas não podem separar-se sem cometer uma nova injustiça (poderia acontecer, por exemplo, que fossem responsáveis pela educação dos próprios filhos);

– os interessados assumem o compromisso de viver de acordo com a verdade da própria situação, cessando de viver juntos como se fossem marido e mulher («more uxorio»), e abstendo-se dos actos próprios dos esposos;

– os interessados evitam dar escândalo (isto é, evitam a aparência do pecado para evitar o risco de levar os outros a pecar).

As condições indicadas em «Familiaris consortio», n.º 84, e nos sucessivos documentos acima mencionados mostram-se imediatamente razoáveis, assim que se recorda que a união conjugal não se baseia apenas na mútua afeição, e que os actos sexuais não são apenas uma actividade mais entre outras que o casal possa praticar.

As relações sexuais são para o amor conjugal. São algo de tão importante, de tão grande bondade e de tão precioso, que requerem um contexto particular: o contexto do amor conjugal. Por conseguinte, não só os divorciados que vivem numa nova união se devem abster, mas também qualquer pessoa que não esteja casada. Para a Igreja, o sexto mandamento, «não cometer adultério», sempre abrangeu qualquer exercício da sexualidade que não fosse conjugal, ou seja, qualquer tipo de acto sexual além do que se tem com o próprio esposo.

Parece que, se fossem admitidos à comunhão os fiéis que iniciaram uma nova união no âmbito da qual vivem como se fossem marido e mulher, a Igreja estaria a ensinar, através de tal prática de admissão, uma das seguintes afirmações a propósito do matrimónio, da sexualidade humana e da natureza dos sacramentos:

– O divórcio não dissolve o vínculo matrimonial, e os parceiros da nova união não estão casados. Apesar disso, as pessoas que não estão casadas podem, em certas condições, realizar legitimamente actos de intimidade sexual.

– O divórcio dissolve o vínculo matrimonial. As pessoas que não estão casadas não podem realizar legitimamente actos sexuais. Os divorciados recasados são esposos legitimamente, e os seus actos sexuais são actos conjugais licitamente.

– O divórcio não dissolve o vínculo matrimonial, e os parceiros da nova união não estão casados. As pessoas que não estão casadas não podem praticar actos sexuais. Por isso, os divorciados recasados civilmente vivem numa situação de pecado habitual, público, objectivo e grave. Todavia, admitir uma pessoa à Eucaristia não significa para a Igreja aprovar o seu estado de vida público; o fiel pode abeirar-se da mesa eucarística, mesmo com a consciência de pecado grave. Para se receber a absolvição no sacramento da penitência não é sempre necessário o propósito de mudar a própria vida. Por conseguinte, os sacramentos estão desligados da vida: os ritos cristãos e o culto estão numa esfera diferente relativamente à da vida moral cristã.

*

Dúvida número 2:

Continua a ser válido, após a exortação pós-sinodal «Amoris laetitia» (cf. n.º 304), o ensinamento da encíclica de São João Paulo II «Veritatis splendor», n.º 79, assente na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja, acerca da existência de normas morais absolutas, válidas sem qualquer excepção, que proíbem actos intrinsecamente maus?

A segunda pergunta diz respeito à existência dos assim chamados actos intrinsecamente maus. O n.º 79 da encíclica «Veritatis splendor», de João Paulo II, assevera que é possível «qualificar como moralmente má segundo a sua espécie […] a escolha deliberada de alguns comportamentos ou actos determinados, prescindindo da intenção com que a escolha é feita ou da totalidade das consequências previsíveis daquele acto para todas as pessoas interessadas».

Ensina, pois, a encíclica que há actos que são sempre maus, proibidos por aquelas normas morais que obrigam sem admitir qualquer excepção («absolutos morais»). Estes absolutos morais são sempre negativos, isto é, dizem-nos o que não deveríamos fazer. «Não matar». «Não cometer adultério». Somente as normas negativas podem obrigar sem qualquer excepção.

De acordo com «Veritatis splendor», no caso dos actos intrinsecamente maus, não é necessário qualquer discernimento das circunstâncias ou das intenções. Ainda que um agente secreto pudesse arrancar informações valiosas à mulher de um terrorista cometendo adultério com ela, tanto que pudesse até salvar a própria Pátria (isto, que soará a um exemplo saído de um filme de James Bond, fora já contemplado por São Tomás de Aquino em De Malo, q. 15, a. 1). João Paulo II afirma que a intenção (neste caso, «salvar a Pátria») não muda a espécie do acto («cometer adultério»), e que é suficiente saber a espécie do acto («adultério») para se saber que não se deve praticá-lo.

*

Dúvida número 3:

Depois de «Amoris laetitia» n.º 301, pode ainda afirmar-se que uma pessoa que viva habitualmente em contradição com um mandamento da lei de Deus, como, por exemplo, aquele que proíbe o adultério (cf. Mt 19, 3-9), se encontra em situação objectiva de pecado grave habitual (cf. Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Declaração de 24 de Junho de 2000)?

No parágrafo 301, «Amoris laetitia» recorda que a «Igreja possui uma sólida reflexão sobre os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes», e conclui que «por isso, já não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada ‘irregular’ vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante».

Com a Declaração de 24 de Junho de 2000, o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos pretendeu clarificar o cânone 915 do Código de Direito Canónico, que determina que «não sejam admitidos à Sagrada Comunhão» aqueles que «obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto». A Declaração do Pontifício Conselho afirma que este cânone é aplicável também aos fiéis divorciados e recasados civilmente. Esclarece ainda que o «pecado grave» deve ser entendido objectivamente, dado que o ministro da Eucaristia não tem meios para julgar da imputabilidade subjectiva da pessoa.

Vemos assim que, para a Declaração, a questão da admissão aos sacramentos tem que ver com o juízo da situação de vida objectiva da pessoa, e não com o juízo de que tal pessoa se encontra em estado de pecado mortal. De facto, subjectivamente poderia não ser plenamente imputável, ou até nem sê-lo de todo.

Na mesma linha, na sua encíclica «Ecclesia de Eucharistia», n.º 37, São João Paulo II recorda que, «[t]ratando-se de uma avaliação de consciência, obviamente o juízo sobre o estado de graça compete apenas ao interessado». Por conseguinte, a distinção mencionada em «Amoris laetitia», entre a situação subjectiva de pecado mortal e a situação objectiva de pecado grave, já se encontrava bem estabelecida no ensinamento da Igreja.

Contudo, João Paulo II continuava, insistindo em que, «em casos de comportamento externo de forma grave, ostensiva e duradoura contrário à norma moral, a Igreja, na sua solicitude pastoral pela boa ordem comunitária e pelo respeito do sacramento, não pode deixar de sentir-se chamada em causa». Fazendo-o, reafirmava ainda o ensinamento colhido no cânone 915, já mencionado.

Vê-se assim que a questão 3 dos «dubia» pretende que se esclareça se, mesmo depois de «Amoris laetitia», é ainda possível dizer que as pessoas que habitualmente vivem em contradição com o mandamento da lei de Deus, vivem em situação objectiva de grave pecado habitual, mesmo quando, por qualquer razão, não for certo que elas sejam subjectivamente imputáveis quanto à sua transgressão habitual.

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Dúvida número 4:

Após as afirmações de «Amoris laetitia», n.º 302, relativas às «circunstâncias atenuantes da responsabilidade moral», ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de São João Paulo II «Veritatis splendor», n.º 81, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, segundo o qual: «as circunstâncias ou as intenções nunca poderão transformar um acto intrinsecamente desonesto pelo seu objecto, num acto 'subjectivamente' honesto ou defensível como opção»?

No parágrafo 302, «Amoris laetitia» sublinha que «um juízo negativo sobre uma situação objectiva não implica um juízo sobre a imputabilidade ou a culpabilidade da pessoa envolvida». Os «dubia» fazem menção do ensinamento – tal como foi expresso por João Paulo II em «Veritatis splendor» –, segundo o qual as circunstâncias e as boas intenções jamais podem fazer com que um acto intrinsecamente mau passe a ser um acto bom ou sequer desculpável.

A questão está em saber se «Amoris laetitia» concorda em dizer que qualquer acto que transgrida os mandamentos de Deus, como o adultério, o furto, o perjúrio, consideradas as circunstâncias que mitigam a responsabilidade pessoal, jamais se pode tornar num acto bom ou sequer desculpável.

Continuam estes actos, a que a Tradição da Igreja chamou de pecados graves e maus em si, a ser destrutivos e danosos para quem quer que os cometa, qualquer que seja o estado de responsabilidade moral em que se encontre?

Ou podem estes actos, dependendo do estado subjectivo da pessoa, das circunstâncias e das intenções, deixar de ser danosos e tornar-se louváveis ou, pelo menos, desculpáveis?

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Dúvida número 5:

Depois de «Amoris laetitia», n.º 303, ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de São João Paulo II «Veritatis splendor», n.º 56, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, que exclui uma interpretação criativa do papel da consciência, e afirma que a consciência jamais está autorizada a legitimar excepções às normas morais absolutas que proíbem acções intrinsecamente más pelo próprio objecto?

Em «Amoris laetitia», n.º 303, afirma-se que a «consciência pode reconhecer não só que uma situação não corresponde objectivamente à proposta geral do Evangelho, mas reconhecer também, com sinceridade e honestidade, aquilo que, por agora, é a resposta generosa que se pode oferecer a Deus». Os «dubia» pedem uma clarificação destas afirmações, por isso que as mesmas são susceptíveis de interpretações divergentes.

Para os que propõem a ideia de uma consciência criativa, os preceitos da lei de Deus e a norma da consciência individual podem estar em tensão, ou até em oposição, ao mesmo tempo que a palavra final sempre deveria caber à consciência, que decide em última instância acerca do bem e do mal. De acordo com «Veritatis splendor», n.º 56, «sobre esta base, pretende-se estabelecer a legitimidade de soluções chamadas ‘pastorais’, contrárias aos ensinamentos do Magistério, e justificar uma hermenêutica ‘criadora’, segundo a qual a consciência moral não estaria de modo algum obrigada, em todos os casos, por um preceito negativo particular».

Segundo esta perspectiva, para a consciência moral, jamais será suficiente saber que «isto é adultério», «isto é homicídio», para saber se se trata de algo que não pode e não deve fazer-se.

Em lugar disso, dever-se-ia ainda olhar para as circunstâncias e para as intenções, a fim de se saber se um tal acto poderia, apesar de tudo, ser desculpável ou mesmo obrigatório (cf. pergunta 4 dos «dubia»). Para estas teorias, de facto, a consciência poderia decidir legitimamente que, num certo caso, a vontade de Deus para mim consiste num acto mediante o qual eu transgrido um dos seus mandamentos. «Não cometer adultério» passaria a ser visto como uma norma geral, quando muito. Aqui e agora, vistas as minhas boas intenções, cometer adultério seria, afinal, o que Deus realmente me está a pedir. Nesses termos, seria possível pôr-se a hipótese – no mínimo – de casos de adultério virtuoso, de homicídio legal e de perjúrio obrigatório.

Isto significaria conceber a consciência como uma faculdade para decidir autonomamente acerca do bem e do mal, e a lei de Deus como um fardo que é arbitrariamente imposto e que, a dada altura, poderia opor-se à nossa felicidade.

Sucede, porém, que a consciência não decide do bem e do mal. A ideia de «decisão em consciência» é enganadora. O acto próprio da consciência é o de julgar e não o de decidir. Ela diz tão-só «isto é bom», «isto é mau». Essa bondade ou maldade não dependem dela. O que ela faz é aceitar e reconhecer a bondade ou a maldade de uma acção, e para isso, ou seja, para julgar, a consciência necessita de critérios; ela é inteiramente dependente da verdade.

Os mandamentos de Deus são uma ajuda bem-vinda oferecida à consciência para que colha a verdade e para que, assim, possa julgar segundo a verdade. Os mandamentos de Deus são uma expressão da verdade sobre o bem, sobre o nosso ser mais profundo, mostrando algo de crucial acerca de como viver bem.

Também o Papa Francisco se exprime nestes mesmos termos em «Amoris laetitia», n.º 295: «também a lei é dom de Deus, que indica o caminho; um dom para todos sem excepção».





terça-feira, 15 de novembro de 2016


Rapaz ou rapariga: uma escolha?




Cláudia Sebastião

«Já sabem se é menino ou menina?», é a pergunta mais ouvida por casais à espera de bebé. O enxoval, o nome e o quarto do bebé são preparados a partir daí. Mais tarde, começarão as perguntas sobre as diferenças entre meninas e meninos. Agora imagine que não respondia ou que dizia: «Teres pipi não significa que sejas menina. Podes decidir mais tarde.»

Diogo Costa Gonçalves é professor auxiliar da Faculdade de Direito de Lisboa. Em 2003, foi consultor da Conferência Episcopal para uma carta pastoral sobre a ideologia de género. À FAMÍLIA CRISTÃ faz questão de dizer que o termo não significa igualdade de direitos entre homens e mulheres. Então o que é?

Diogo Costa Gonçalves explica tratar-se de uma estrutura de pensamento antropológica cuja característica fundamental é «entender a masculinidade e a feminilidade como produtos puramente culturais, sendo absolutamente indiferente a realidade genital ou cromossomática com que as pessoas nascem; defende que a identidade sexual é produzida por um contexto cultural patriarcal e machista que visa subjugar a mulher». Ou seja, ninguém nasce homem ou mulher, torna-se homem ou mulher pela educação e pela cultura. Assim, o objectivo da ideologia de género é ter uma sociedade sem sexos.

Para isso, desde os primeiros anos é preciso promover a troca de papéis e eliminar as diferenças de comportamento entre meninas e meninos. Maria José Vilaça é psicóloga e afirma que nesta ideologia «tudo aquilo que eu sou passa a ser determinado pela minha preferência sexual e não pelo meu corpo. Há uma espécie de divisão entre aquilo que eu sou e aquilo que o meu corpo é.»

Em Portugal, Diogo Costa Gonçalves explica que o primeiro passo da ideologia de género foi dado na lei do divórcio sem culpa. Ou melhor, numa das epígrafes do registo civil. «O que era ‘poder paternal’ passou a chamar-se ‘poder parental’. Foi uma manipulação de linguagem importante porque o termo ‘paternidade’ está muito relacionado com a geração biológica. Era preciso desconstruir socialmente a figura do pai e da mãe.»

«Ideologia de género já está nas escolas»

A Comunidade de Madrid aprovou a Lei contra a LBGT fobia que obriga a integrar a realidade homossexual, bissexual, transexual, transgénero e intersexual nos conteúdos escolares transversais de todas as escolas madrilenas, públicas e privadas.

Diogo Costa Gonçalves tem sete filhos e diz que isso já está a acontecer em Portugal. «A ideologia de género está cá. Os programas de educação sexual são em bom rigor de ideologia de género em todos os graus de ensino. Promove-se a confusão da identidade sexual. Isto é, tenho de descobrir se sou mesmo heterossexual ou não e diz-se que a família é uma construção cultural tão válida como qualquer outra relação.»

Maria José Vilaça concorda e fala da sua experiência: «Hoje, nas escolas, falo com miúdos de 16 ou 17 anos que não tiveram uma namorada e a primeira ideia que têm é: ‘Será que eu sou homossexual ou bissexual?’ Já não lhes passa pela cabeça serem heterossexuais.»

Escolas de Madrid ensinam ideologia de género

Manuel Martínez-Sellés é médico cardiologista em Madrid. Vê a aprovação da lei LGBT «com enorme preocupação». Como investigador, afirma que «a ideologia de género está em total contradição com o conhecimento da ciência sobre a biologia e a realidade física. Infelizmente, esta ideologia já está a transformar escolas em fábricas de crianças sem sexo.»

Arantzazu Perez Grande é professora primária: ensina língua e matemática a crianças de seis anos. Católica, não se pode recusar a aplicar a lei, porque «podemos ser vítimas de sanções económicas ou até, no meu caso, perder o emprego, porque sou funcionária pública». Esta professora é mãe de três crianças. «Claro que me preocupa, porque quero poder dar aos meus filhos a educação e as crenças que eu tenho. Não quero que o Estado lhes diga o que têm de pensar ou no que têm de acreditar.»

Manuel Martínez-Sellés e Maria José Vilaça acrescentam que nos Estados Unidos da América o Colégio de Pediatria publicou um documento intitulado A ideologia de género prejudica as crianças. Nesse documento, os pediatras norte-americanos defendem que «a sexualidade humana é uma característica biológica binária objectiva» e que «ninguém nasce com um género, todos nascemos com um sexo.

Mulheres e homens são diferentes?

Há investigações que comprovam isto mesmo. Independentemente das diferenças culturais, sociais e económicas, homens e mulheres são diferentes. Richard A. Lippa, da Universidade da Califórnia, fez uma investigação sobre preferências profissionais, com 200 mil entrevistas a pessoas de 53 países da Europa, América, África e Ásia. O investigador concluiu que os homens tendem para trabalhos mais técnicos, enquanto as mulheres preferem as ocupações sociais. Acontece em todos os países e continentes. Também o professor Simon Baron-Cohen, do Trinity College da Universidade de Cambridge, autor de Sex differences in human neonatal social perception, constatou que os bebés meninos, com apenas horas de vida, se fixam mais em objectos mecânicos e as bebés meninas dão mais atenção a rostos humanos.

Dicas para os pais

Que podem os pais fazer? Diogo Costa Gonçalves diz que «é preciso criar espírito crítico nos educadores. Nenhum dos nossos pais se sentou connosco a explicar porque é que o casamento é entre um homem e uma mulher. Era dado mais do que adquirido. Neste momento, vou ter de fazer isso com os meus filhos.»

Além disso, socialmente Maria José Vilaça defende que é preciso «tentar não ser influenciado do ponto de vista sentimental, moral e ideológico». Mas, ao mesmo tempo, como acolher os homossexuais? A psicóloga acompanha famílias e pais e salienta que para aceitar o filho não é preciso aceitar a homossexualidade. «Eu aceito o meu filho, amo-o se calhar até mais, porque sei que ele vive de uma forma que eu sei que não é natural e que o faz sofrer.» É como ter um filho toxicodependente, não vou dizer que é bom.»