terça-feira, 5 de julho de 2016


Reparação histórica e omissão histórica



Suzana Toscano 4R — Quarta República, 2 de Julho de 2016

Basta uma simples consulta à Wikipédia ou às inúmeras notícias biográficas de Salgueiro Maia para saber que recebeu, em 1983, a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, e, a título póstumo, o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, em 1992.

A Ordem da Liberdade é uma Ordem honorífica portuguesa, que se destina a distinguir serviços relevantes prestados em defesa dos valores da Civilização, em prol da dignificação do Homem e à causa da Liberdade.

A Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito é a mais elevada ordem honorífica de Portugal. Foi-lhe agora conferida nova distinção, desta vez a Grã Cruz da Ordem do Infante, a qual visa reconhecer a prestação de serviços relevantes a Portugal, no País ou no estrangeiro, ou serviços na expansão da cultura portuguesa, da sua História e dos seus valores.

Entre as muitas e certamente atendíveis razões que podiam justificar este novo agraciamento foi, no entanto, destacada a da necessidade de «reparação histórica» sem qualquer referência às condecorações anteriores, — incluindo na comunicação social — como se cada gesto de renovação de reconhecimento só tivesse brilho se ofuscasse os critérios e homenagens até agora decididas.

A omissão histórica a exigir reparação, a bem da verdade histórica.

Manuel Gomes da Costa
José Mendes Cabeçadas
António Óscar Carmona

















segunda-feira, 4 de julho de 2016


Mistérios das primeiras cartas náuticas

revelados em Lisboa


«Carta Pisana» (século XIII),o mais antigo portulano conhecido, feito num pergaminho.
Os portulanos eram cartas náuticas baseadas nas direcções dadas pelas bússolas
e nas distâncias estimadas pelos pilotos no mar
.

Biblioteca Nacional de França

Maiores especialistas mundiais divulgam descobertas sobre os primeiros mapas de navegação desenhados na Idade Média com base em observações dos homens do mar.


Virgílio Azevedo, Expresso, 2 de Julho de 2016
Jornalista da secção de Sociedade desde 2007. Licenciado em Economia pelo ISEG (Universidade de Lisboa), iniciou a carreira no Expresso em 1982, tendo sido editor das secções de Economia (durante 14 anos) e Europa (durante 4 anos). Coautor do livro «Nuclear: o debate sobre o novo modelo energético em Portugal» (2006, Centro Atlântico).

Emergiram de repente no final do século XIII na região do Mediterrâneo e mostram uma precisão sem precedentes, quando comparados com os mapas actuais. Chamam-se portulanos, termo que tem origem no adjectivo italiano portolano, que significa «relativo a portos» ou «colecção de direcções de navegação». São as primeiras cartas náuticas objectivas, baseadas nas direcções dadas pelas bússolas e nas distâncias estimadas observadas pelos pilotos e marinheiros, e não na imaginação e no simbolismo dos eruditos medievais.

Mas há um mistério que continua por resolver: a sua origem. Foi este o tema que juntou recentemente no Museu da Marinha, em Lisboa, pela primeira vez no mundo, quase todos os maiores especialistas internacionais em cartografia medieval. Joaquim Alves Gaspar, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e um dos organizadores do encontro, sublinha que «o advento dos portulanos tem sido considerado um ponto de viragem maior, não só na História da Cartografia mas também na História da Civilização em geral». Contudo, «pouco se sabe sobre a génese destes espantosos documentos, que têm sido objecto de centenas de estudos desde o século XIX».

No encontro em Lisboa, Ramon Pujades, director de investigação do Museu de História de Barcelona, defendeu que a cartografia náutica medieval nasceu na cidade de Génova (Itália). E que foi a partir deste porto mediterrânico «que se difundiram os padrões cartográficos dos portulanos e a técnica de reprodução destas cartas náuticas, desenvolvida por artesãos profissionais em ateliês especializados não apenas na sua reprodução como no seu marketing». Foi por isso «que os portulanos se tornaram relativamente baratos, muito difundidos por várias camadas sociais e tecnicamente homogéneos no século XIV». E surgiram certamente para apoiar o comércio marítimo.

A famosa «Carta Pisana» do Mediterrâneo (na foto) é considerada o portulano conhecido mais antigo, mas não se sabe ao certo a data em que foi desenhada nem o seu autor. Encontrada na cidade de Pisa (Itália), está guardada na Biblioteca Nacional de França, em Paris, e foi recentemente analisada por uma equipa liderada por Catherine Hofmann, investigadora do departamento de mapas da biblioteca, que também esteve no Museu da Marinha em Lisboa.

Datação por Carbono-14

Pela primeira vez foi feita a datação por Carbono-14 da carta náutica, porque está desenhada num pergaminho, material orgânico feito de pele de ovino (cabra, carneiro ou ovelha). A datação por Carbono-14 é um método radiométrico de determinação da idade de objectos que contenham carbono, como o pergaminho. Por outro lado, as tintas de cor verde e vermelha da «Carta Pisana» foram estudadas por microscópio electrónico de varrimento e por raios-X fluorescentes. As conclusões destas análises são paradoxais. O ovino de onde foi extraída a pele terá morrido por volta de 1245, «mas por razões historiográficas não pode ser este ano, porque há uma cidade assinalada na carta, Palamós (Espanha), que não existia nessa altura», argumenta Joaquim Alves Gaspar. E existem outras contradições na toponímia, tanto em Espanha como nas repúblicas italianas, que não batem certo com a datação por Carbono-14. Ramon Pujades admite, por isso, que a «Carta Pisana» tenha sido desenhada sobre um velho pergaminho já usado, o que quer dizer «que as datações do pergaminho e do mapa não podem ser identificadas».

Dois estudos dominam o debate. O primeiro foi feito em 1987 pelo historiador inglês Tony Campbell, investigador e director do Imago Mundi — Jornal Internacional de História da Cartografia. O segundo foi realizado em 2007 por Ramon Pujades. «Há diferenças de opinião entre os cientistas que usam a análise matemática para tentarem identificar a metodologia que está na base da construção destas cartas», explica Tony Campbell.

«E entre os historiadores há igualmente diferentes teorias», acrescenta Campbell. A sua teoria «é baseada na análise comparativa pormenorizada das cartas mais antigas, combinada com a lógica e a analogia». Por exemplo, «comparando um possível mapa mental do Mediterrâneo com o que hoje sabem de cor os taxistas de Londres» sobre o mapa desta grande metrópole. Os portulanos eram, assim, cartas primitivas «que certamente introduziram inovações na cartografia, mas não são matematicamente precisas ou desenhadas com base em princípios científicos». Enfim, são antepassados longínquos da cartografia moderna.

Luís Teixeira: A descoberta do magnetismo da Terra

Cerca de 300 anos depois, com a descoberta do magnetismo terrestre pelos portugueses, tudo mudou na navegação no Mediterrâneo e nos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico. Poucos dias antes do encontro do Museu da Marinha, Joaquim Gaspar e Henrique Leitão revelavam num simpósio internacional na Biblioteca Nacional que a carta náutica mais antiga conhecida com linhas isogónicas — formadas por pontos na superfície da Terra com a mesma declinação magnética (diferença em graus entre o norte magnético e o norte geográfico) — teria sido feita pelo cartógrafo português Luís Teixeira, entre 1572 e 1594.

A carta, guardada no Museu da Marinha, representa a margem oriental do Pacífico (Filipinas, Nova Guiné, Ilhas Salomão) e segundo os dois historiadores de ciência da FCUL, «a comparação com os modelos geomagnéticos modernos revela uma significativa aproximação à distribuição espacial da declinação magnética naquela região nas últimas décadas do século XVI», o que significa que «os valores observados pelos pilotos no mar eram usados para calcular as linhas isogónicas». No simpósio, defenderam que este tipo de representação cartográfica «era um sinal da sistemática acumulação de dados feita pelos pilotos portugueses no século XVI, com o objectivo de melhorar a eficácia das técnicas de navegação», ou seja, «de encontrar um método alternativo para determinar a posição de um navio no mar».