sexta-feira, 18 de setembro de 2015


Protectorado


Vasco Pulido Valente, Público, 18 de Setembro de 2015

À esquerda e à direita anda por aí muita gente indignada por causa do protectorado de que Portugal sofreu e, segundo alguns patriotas sem mancha nem tumor, continua a sofrer. Isto deixa um indivíduo de boca aberta por duas razões.

Primeiro, porque de maneira geral foram esses mesmos patriotas que levaram Portugal ao protectorado de Bruxelas. Depois, pela total ignorância da história deste pobre país desde pelo menos o fim do século XVIII. Toda a gente se esqueceu que em 1807 a Inglaterra meteu D. João VI num barco e o despachou para o Brasil? Ou que Junot acabou corrido por um corpo expedicionário inglês? Ou que o embaixador de S. M. Britânica tinha assento de jure no Conselho de Regência que ostensivamente governava o Reino?

E ninguém se lembra que na guerra contra os franceses (que durou até 1814) o general Beresford comandava o exército português com a ajuda de umas dezenas de oficiais que trouxera de Inglaterra e que o nosso Tesouro pagava? E também ainda não é claro para a cabecinha nacional que o triunfo do liberalismo em 1834 não passou de uma conveniência da Inglaterra que ela, de resto, financiou e forçou as potências conservadoras, como por exemplo a Áustria, a engolir? E o progressismo indígena também se esqueceu que a guerra da «Patuleia» se resolveu com a intervenção da esquadra inglesa (ao largo do Porto e em Setúbal), por uma invasão de um exército espanhol assalariado por Londres e por um «protocolo» de Palmerston, que determinava quem podia, ou não podia, entrar no governo?

E a seguir desapareceu o protectorado? De maneira nenhuma. A Inglaterra e, com a autorização dela, a França continuaram a sustentar a maravilhosa paz da Regeneração; e a promover ou liquidar ministérios de acordo com o grau da sua subserviência e a mandar nos territórios de África de que Portugal, na sua ingenuidade, se julgava dono. E finalmente, em 1892-1893, não hesitaram em suspender os víveres de que a nossa miséria humildemente se alimentava. Os patriotas que hoje se arrepiam com o protectorado dos credores deviam pensar que o único período em que não houve protectorado algum em Portugal foi durante a Ditadura de Salazar, cujos benefícios não se distinguiram na história da Europa. Mas voltar a 1928 não parece uma política muito inteligente.





terça-feira, 15 de setembro de 2015


Diz-me com quem andas...


Porque será que gostam tanto dele,
desde Portugal às Filipinas, passando por Itália?...

Até poderia não estar filiado... mas o pensamento é igual...






domingo, 13 de setembro de 2015


Debate decisivo:

Passos Coelho é o vencedor!


João Lemos Esteves, Sol, 10 de Setembro de 2015

1. Os jornais de ontem deram, merecidamente, amplo destaque ao debate entre Passos Coelho e António Costa. Merecidamente, porque se tratou de um facto histórico: pela primeira vez, o debate foi conduzido por jornalistas das três estações de televisão generalistas, transmitido em simultâneo nas três estações (será, portanto, um êxito de audiências) e foi o único debate televisivo entre os dois candidatos a primeiro-ministro. A maioria esmagadora dos comentadores afirmava, então, que Pedro Passos Coelho partia em vantagem porque é o primeiro-ministro em exercício de funções: já António Costa partia em desvantagem pelo simples facto de que sobre ele recaía o ónus de mostrar que merece a confiança dos portugueses.

2. Pura mentira. Nada mais errado. O debate seria sempre muito mais fácil para António Costa do que para Pedro Passos Coelho. Porquê? Por uma razão muito simples: ser oposição é muito fácil – ser Governo é muito difícil. Ser oposição e ganhar eleições é fácil – são os Governos que perdem eleições e não as oposições que as ganham. O líder da oposição pode adoptar um discurso de frases cativantes, pomposas, dizer tudo e o seu contrário, criticar o que o Governo fez, branquear as suas responsabilidades na criação das dificuldades da Nação, como um todo, e de cada português individualmente considerado. Ora, um primeiro-ministro que sucedeu ao pior primeiro-ministro da História de Portugal – só comparável a Vasco Gonçalves – e teve de aplicar um programa de grande austeridade teria necessariamente de partir para o debate em desvantagem. Nós percebemos por que razão se deixou passar a ideia de que António Costa partia em desvantagem: descer as expectativas em relação a António Costa para o cenário de o debate lhe correr mal.

3. Dito isto, nós admitimos que ficamos perplexos quando ouvimos e lemos comentadores a declararem que António Costa ganhou claramente o debate. Claramente o debate? Das duas, uma: ou já tinham um guião pré-preparado para debitar, sucedesse o que sucedesse no debate; ou, como estamos fora de Portugal, porventura, a diferença de longitude impediu que o debate chegasse aqui, como chegou às casas dos portugueses. Talvez o debate chegou aqui à Alemanha adulterado pela distância geográfica… É a única explicação.

4. Mais perplexos ficamos ainda quando começamos a consultar os tópicos de discussão, nos programas televisivos, e constatamos que o grande tema é discutir…as falhas de Pedro Passos Coelho! Não se discute o debate: discute-se somente as falhas de Pedro Passos Coelho! E então as falhas de António Costa? E as gafes de António Costa? E a relação entre António Costa e José Sócrates? A falta de coragem de António Costa em se demarcar do legado de José Sócrates? E o facto de António Costa não saber um número de cor daqueles que apresenta no cenário macroeconómico? E o facto de António Costa não explicar nada sobre o que propõe para o futuro de Portugal, remetendo todas as respostas para o cenário macroeconómico cujo autor foi Mário Centeno – nem foi António Costa? Parece que António Costa vai ter de se reunir muitas vezes com Mário Centeno nos próximos dias para aprender a lição: é que Costa ainda não estudou o que Mário Centeno (o candidato oficioso do PS a Primeiro-Ministro) lhe preparou.

5. E quais as gafes que António Costa cometeu? Uma flagrante, logo no início do debate: Costa apresentou um gráfico em que alegava que todos os Governos, excepto o de Passos Coelho, tinham alcançado um crescimento económico positivo. E destacou um: o Governo de José Sócrates que deixara um crescimento económico de 1,9%. Como? A primeira declaração de António Costa foi para defender o legado de José Sócrates. Ridículo. Ainda para mais, defender um Governo que deixou um crescimento económico de 1,9% – mas que levou Portugal à bancarrota. É normal que ninguém, de todas as ilustres figuras que já analisaram o debate, se tenha referido a esta gafe flagrante e ridícula? Elogiar o legado de José Sócrates porque Portugal cresceu 1,9%, mas com uma divida pública asfixiante, a caminho da bancarrota, é normal? É preciso seriedade na política. E há muita gente que não está a ser séria.

6. Mais: começar o debate elogiando o legado de José Sócrates mostra uma faceta de António Costa gravíssima – mostra que António Costa, como José António Saraiva já escreveu diversas vezes aqui no SOL, prefere agradar ao partido do que conquistar os portugueses. Entre o país e o partido, António Costa preferiu o partido. Entre os portugueses e os socialistas, António Costa prefere os socialistas. É incrível como nenhum comentador dedicou uma palavra a mais uma revelação desta faceta de António Costa. Quem prefere os seus camaradas – e o seu camarada Sócrates, que lançou o sofrimento em muitas famílias portuguesas e levou Portugal a uma situação de vexame, praticamente sem dinheiro para pagar aos funcionários públicos como afirmou Teixeira dos Santos, na altura criticado por António Costa, comentador da «Quadratura do Círculo» – aos portugueses, não merece ser primeiro-ministro. Não pode ser primeiro-ministro.

7. Segundo erro colossal de António Costa: a impreparação de António Costa quanto à matéria da segurança social – e quanto ao «seu» (leia-se de Mário Centeno) programa. Aliás, a irritação e o desconforto revelado na expressão de Costa mostram à exaustão o desconhecimento gritante que tem sobre esta matéria fundamental para o nosso futuro colectivo. Por exemplo: António Costa, confrontado com o argumento de Passos Coelho de que a sua proposta é um plafonamento vertical, refere que a redução da TSU é uma medida conjuntural que não pode ser confundida com uma reforma estrutural. Mas, no seu programa, esta medida é qualificada e inserida na parte dedicada à reforma da Segurança Social! O que leva a duas conclusões:

            1. António Costa quer seguir a velha fórmula socialista de aumentar impostos para manter um Estado clientelar, enorme, sempre à «caça» dos rendimentos honestos dos trabalhadores que fazem muito para merecer cada cêntimo do seu salário;

            2. António Costa tem escondida na manga, para apresentar uma vez eleito, uma reforma da Segurança Social que vai desagradar muito aos portugueses. António Costa está a esconder muita coisa…

8. Mas a frase foi dita por António Costa. Meu caro leitor, ouviu alguém, nos vários debates ao debate, a referi-la? Não: só se aludiu aos erros de Passos Coelho e à…sua falta de empatia! Veja-se ao que chegámos…

9. Terceiro erro colossal de António Costa: o Novo Banco. Confrontado com esta questão, Costa refere que o Governo prejudicou os portugueses e que os contribuintes vão pagar a resolução do Banco. Mas, habilidosamente, Costa desviou de imediato o assunto. Porquê? Porque não sabe o que dizer – e muito menos saberia o que fazer. Até porque António Costa foi um defensor fanático da nacionalização do BPN que é uma das causas do desequilíbrio das finanças públicas portuguesas. Um verdadeiro sorvedouro do dinheiro dos trabalhadores portugueses e das empresas portuguesas. Mesmo Clara de Sousa, em pleno debate, chamou a atenção para o facto de Costa não responder – este ainda tentou balbuciar uma resposta, mas calou-se de imediato.

10. Mas nem com o reparo de Clara de Sousa, os nossos doutos comentadores e brilhantes intelectuais da nossa praça acharam este momento infeliz de António Costa um facto relevante do debate. Ui, se fosse com Passos Coelho, imaginamos o que teria sido… Estes preferem alegremente proclamar que António Costa falou do futuro. De propostas concretas. Quais? Não dizem.

11. E qual foi o melhor momento de António Costa para estes ilustres comentadores? Pois bem, caríssimo leitor, foi…prepare-se…a farpa ao programa de incentivo de jovens emigrantes! Ui, que grande medida de futuro! Já podemos estar descansados: com esta medida, o nosso futuro é brilhante! Nota: futuro, em português, significa o que está para vir, o que virá. Não o que já aconteceu, como foi o caso do dito programa. Para isso, em português, temos uma palavra: passado ou, se preferirmos, um palavra mais erudita – pretérito.

12. Tudo isto dito e ponderado, façamos uma análise fria e racional. Quem ganhou o debate? Passos Coelho esteve muito bem na primeira parte, com António Costa francamente mal. António Costa equilibrou após o intervalo, com Passos Coelho ainda a liderar. No final, António Costa conseguiu um ligeiríssimo ascendente sobre Passos Coelho.

13. Ou seja: Passos Coelho venceu dois terços do debate – António Costa apenas um. Vitória de Pedro Passos Coelho, portanto. Os portugueses, como pessoas invulgarmente inteligentes e sensatas que são, saberão tirar as suas próprias conclusões, independentemente do politicamente correcto.







Ainda o debate


João Marques de Almeida, Observador, 11 de Setembro de 2015

Costa fez um debate cheio de truques e de piadas, daqueles que marcam pontos entre os seus militantes (e bem precisava disso para evitar a apatia do PS). Mas os indecisos são o oposto dos militantes.

Há dois objectivos óbvios num debate entre dois candidatos a primeiro-ministro: não perder votos e conquistar votos dos indecisos (ou convencer abstencionistas a votar no seu partido/coligação). No primeiro confronto, Costa ganhou, mas Passos não perdeu. Comportando-se de acordo com o habitual, o PM fez o necessário para conservar os eleitores da coligação. Não brilhou, mas não terá perdido um único voto. Com o PS em perda nas sondagens, era fundamental para Costa travar essa tendência e mobilizar o partido e o seu eleitorado. Costa conseguiu-o e esta foi a sua grande vitória. Os socialistas estão muito mais animados depois do debate, sobretudo depois de uma manhã em que acordaram com uma sondagem com o seu partido cinco pontos atrás da coligação. Costa animou as hostes com uma estratégia ofensiva, atacando o PM durante todo o debate. Foi eficaz e sobretudo fez o tipo de ataques e de comentários que entusiasmam os militantes. O primeiro objectivo de Costa foi claramente atingido: mobilizou o partido para a campanha.

Foi este sucesso que levou muitos comentadores a referirem-se imediatamente a uma «vitória de Costa», começando com o comentador mais popular da TVI, Marcelo Rebelo de Sousa. Embora o diagnóstico de Rebelo de Sousa não seja inteiramente objectivo, porque Costa é o seu candidato a PM; tal como Marcelo é o verdadeiro candidato presidencial do líder do PS. Conhecem-se bem, foram educados na mesma escola (Faculdade de Direito de Lisboa) e partilham alguns valores sociais-democratas. Acima de tudo, fazem parte da oligarquia política de Lisboa, para quem Passos Coelho é um «outsider» (não frequentou as escolas certas nem tem as amizades políticas adequadas). Embora o debate não tenha tratado do tema, já se percebeu que a estratégia preferida de Marcelo e de Costa seria a construção de um bloco central entre os dois, um em Belém e outro em São Bento.

O segundo objectivo de Costa foi separar-se claramente de Sócrates e as várias referências do PM ao antigo líder socialista serviram a sua estratégia. Mas aqui alcançou apenas uma vitória parcial. No lado positivo, deve salientar-se o modo determinado como Costa está a cortar com o legado de Sócrates no PS. Uma tarefa muito difícil, mas mais uma vez Costa está a ser eficaz. Mas o corte com Sócrates não é completo. Situa-se mais ao nível das pessoas e da ética política (fundamental) do que das políticas económicas. Foi isso, de resto, que permitiu que Costa estivesse o debate todo a fugir de Sócrates e Passos todo o tempo a encosta-lo ao antigo PM socialista. E é engraçado assistir ao modo como Sócrates não deixa Costa fugir. As imagens do grupo de Sócrates e dos seus amigos a assistirem ao debate valem mais do que mil palavras.

Mas o modo como Costa não se descolou da política económica do último governo socialista (e afirmar que não vai construir TGVs e pontes é insuficiente) foi a sua derrota e foi a vitória de Passos. E aqui chegamos ao segundo objectivo do debate: convencer os indecisos e os abstencionistas. Há duas razões que explicam as indecisões: zanga com Passos e falta de confiança no PS. Para ganhar as eleições, Passos deve convencer todos aqueles que se enfureceram e cortaram com a coligação a regressarem. Para isso conta com duas coisas: a melhoria da economia e uma imagem de determinação, de confiança e de seriedade como PM. Por isso, Costa negou a recuperação económica e atacou a credibilidade e seriedade de Passos. Mas aqui Costa falhou por uma simples razão: tem a realidade contra ele. Insistiu assim no passado da troika, ignorando o presente do pós-troika. Ao fazê-lo, implicitamente reconheceu o sucesso do governo e a melhoria da economia. Costa está a fazer campanha como se a troika ainda estivesse em Portugal e como se estivéssemos em Abril de 2014. Mas estamos em Setembro de 2015.

Terão sido eficazes os ataques de Costa ao que o governo fez durante a troika, como baixa de salários, cortes de pensões e aumento de impostos? Duvido. Qual é o português que não sabe que isso aconteceu e que não o sentiu? Ninguém precisa que Costa nos recorde o passado. Os indecisos sabem isso tudo, sofreram com as medidas do governo, mas continuam indecisos. Há mais duas coisas que todos os indecisos sabem. Um governo do PS trouxe a troika para o nosso país. A coligação enviou-os de volta para Bruxelas e Washington. Julgo que a grande questão para os indecisos será: qual dos dois candidatos a PM continuará o caminho da recuperação e impede um novo desastre como o de 2011? Terá Costa conseguido a confiança dos indecisos, sobretudo daqueles que perderam a confiança do PS em 2011? Não me parece.

Primeiro, a forma. Costa fez um debate cheio de truques e de piadas, daqueles que marcam pontos entre os seus militantes (e já vimos que precisava disso para evitar a apatia do PS). Mas os indecisos são o oposto dos militantes. Não olham para um debate como um combate de boxe. São pragmáticos (por isso tanto votam no PSD como no PS), e querem um PM que inspire confiança; nesta altura, um líder partidário com bons truques de debate não chega.

Depois as contradições e as mentiras de Costa. Desvalorizou o actual crescimento económico, «porque é baseado no consumo»; mas afinal o seu programa de estímulo à economia é assente em mais consumo. Atacou a «precaridade», mas parece que a maioria dos empregos que quer criar para os jovens são precários. Criticou as privatizações, mas foi a privatização da ANA que permite sublinhar a sua credibilidade em termos de redução de despesa na Câmara de Lisboa. Pior do que estas contradições, mentiu aos portugueses quando disse, mais do que uma vez, que tinha sido o PSD a trazer a troika para Portugal (até os entrevistadores se viram obrigados a lembrar Costa que tinha sido o PS). Ainda se auto-elogiou de uma forma patética dizendo que ganhou três eleições autárquicas em Lisboa, «aumentando sempre os votos.» Se essa é uma boa qualificação para PM, então Alberto João Jardim seria o melhor candidato.

Costa cometeu ainda mais dois erros. Resistiu a qualquer tipo de entendimento com a coligação, o que mostra uma arrogância e um sectarismo que os indecisos pragmáticos não apreciam. Finalmente, foi incapaz de reconhecer um único mérito na governação dos últimos quatro anos. Julgo que teria marcado pontos entre os indecisos se dissesse, «é verdade os senhores estiverem bem aqui e ali e um governo por mim chefiado irá procurar melhorar a situação.» Ou se tivesse garantido, «o meu governo não repetirá certos erros do último governo socialista». Se o tivesse feito, teria conquistado alguns dos votos dos indecisos.

Quanto a Passos, julgo que cometeu dois erros. Não foi convincente a recusar a acusação de que a austeridade correspondeu a escolhas ideológicas e não a uma absoluta necessidade. Gostaria que alguém me conseguisse explicar qual é a ideologia que defende redução da despesa pública e simultaneamente um aumento de impostos. O segundo erro – talvez porque quis ser demasiado PM – foi não ter dito claramente que a aplicação do programa de Costa acabará com a troika de regresso a Portugal. Mas conseguiu uma vitória: com a sua estratégia de colar Costa a Sócrates, terá impedido que os indecisos voltassem a sentir confiança num líder socialista. E sem esses votos Costa não ganha. Mesmo que Sócrates diga que venceu o debate «por 8 a 2».