domingo, 13 de dezembro de 2015


A misericórdia segundo Bergoglio


Misericonsideração


Nuno Serras Pereira

Tiveram um namoro sério e demorado, sem nunca se terem antecipado aos actos próprios do casamento. Um amor sereno e profundo pedia a entrega total no matrimónio. Assim acabou por ser. Após a celebração do Sacramento, para o qual se tinham preparado com esmero, e das bodas entregaram-se inteiramente no acto conjugal, que incarnou o que tinha sido celebrado na Igreja. Aquele abraço tão íntimo, tão entusiasmante, como que pedia um terceiro, que o amor é por natureza difusivo. Sentiam-se naquela comunhão de amor envoltos por uma multidão de Anjos e penetrados de uma Paternidade transcendente, infinita e vivificante. Nove meses depois acolheram com uma alegria de êxtase aquele que sendo embora um, em que eles estavam e se reviam, entendendo melhor o significado de serem uma só carne, um que era a união dos dois, era também outro diferente, único e irrepetível. Não estiveram com vagares para baptizá-lo, pois sabiam que este Sacramento não só apagava o pecado herdado, chamado original, mas conferindo a Graça o arrancava às mãos sedutoras e sinistras do Maligno, fazendo-o participante da natureza Divina, Filho de Deus, irmão de Cristo, templo vivo do Espírito Santo.

Nesse mesmo dia, no final da cerimónia, ajoelharam-se diante de Jesus Cristo Ressuscitado, presente no Sacrário, e juraram-Lhe solenemente que nunca se deixariam, pois não só acharam oportuno renovar os votos matrimoniais mas também porque não queriam de modo nenhum que seu filho não fosse acompanhado e educado pelos pais que o geraram. Estavam bem cientes do traumatismo que sofreria seu filho caso se divorciassem.

Deram muitas graças e louvores a Deus quando seis meses depois, tendo ela acolhido aquele presente, aquela marca de amor, que o marido numa entrega da totalidade do seu ser, do seu corpo e alma, correspondido evidentemente por ela, veio a tornar-se grávida em virtude da nova geração de uma pessoa humana. Mais tarde vieram a saber que era uma filha, o que lhes deu também grande regozijo. No entanto, a gravidez foi considerada de risco, uma vez que havia grandes probabilidades de nascimento pré-termo, o que poderia significar um aborto espontâneo. Por isso, o médico ginecologista informou-os, que para garantirem a sobrevivência da bebé, teriam de se abster do acto conjugal, recomendando ainda à mãe repouso e quietação. Esta, não sei ao certo se pela mesma causa começou a sentir enjoos, tédios prolongados, algumas impaciências e acessos de ira desusados, apetites bizarros e outras coisas que deixavam o marido perplexo e abatido. Não só se sentia desamparado por falta daquele apoio que em partilhas íntimas habituais com sua mulher o sossegavam nas suas inquietações, o esclareciam nas confusões e o energizavam nos seus desânimos. Depois, aquele jejum prolongado da entrega corpórea-espiritual no acto conjugal, a que se tinha habituado, provocava-lhe uma aridez, uma secura, um aborrecimento feito rebeldia, embora a procurasse conter.

Ora sucedeu que, em virtude da reorganização laboral da empresa, lhe foi destinada uma colega que, independentemente da sua, dele, vontade o deixou em polvorosa, como que se desencadeou uma híper-produção de hormonas animalescas, instintivas, que o deixou literalmente desvairado. Tudo nela, o mais pequeno gesto, um olhar insignificante, a voz na mais pequena observação o deixava excitado, com um ímpeto, que com enorme esforço refreava, sentia que ela era um imã poderosíssimo que o atraía invencivelmente. Ao sair do trabalho procurava esquecê-la, mas era inútil, pois que ela como que tinha entrado na sua cabeça, na sua imaginação, no seu peito, enfim sentia-se dominado, desejava ser seu escravo.

Um ou outro dia almoçavam juntos com outros colegas, no entanto, sucedeu, que tendo estes de viajar por razões de trabalho, se viram a almoçar só os dois. Ela desabafou mágoas, e como as confidências convidam a confidências também ele acabou por se expandir. Dali brotou uma cumplicidade afectiva que veio a desembocar em fornicações adúlteras. Ele confessava-se, arrependido, ao sacerdote da sua paróquia, tanto mais que continuava a amar perdidamente a mulher e a prole. Este confortava-o, dava-lhe bons conselhos, lembrava-lhe a gravidade do adultério, a ofensa para com Deus, o bem infinito e a alegria total que o esperava no Céu, caso fosse fiel, ou o mal horrendo da condenação eterna no Inferno.

Entretanto sucedeu que a sua concubina engravidou de gémeos. Ela ficou esfuziante, ele assustado, mas passado o impacto conformou-se contente, afinal eram seus filhos, e depois, apesar de em nada, assim o achava, ter diminuído o amor por sua esposa, o afecto que tinha por esta tinha vindo a crescer cada vez mais com o tempo.


Terminada a fase da amamentação da filha de seu casamento, propôs a sua esposa que se divorciassem pelo civil argumentando com as facilidades económicas que lhes trariam vantagens. Tratados os papéis, não passou muito tempo até casar pelo civil com a mãe dos gémeos, entretanto já nascidos. Entendia que tinha deveres imperativos de justiça para com ela e seus filhos, sabendo embora que os tinha também, e em primeiro lugar, para com a esposa e filhos. O sacerdote que antes o admoestava em relação ao adultério passou a sugerir-lhe e a acompanhá-lo nestas decisões. Porque, segundo ele seria uma injúria farisaica considerar que ele vivia, nestas circunstâncias, em adultério. Aliás, aconselhou-o mesmo a viverem todos na mesma casa mantendo a relação carnal com ambas, para não injustiçar nenhuma. A concubina, agora elevada à categoria de esposa, achou muito bem, pois ela sabia que nunca o tinha tido exclusivamente para si. Quanto àquela com quem se matrimoniara, ele não tinha dúvidas de que apesar de ser um choque para ela vir a saber a verdade, amava-o tanto e era tão fiel aos seus juramentos que acabaria por aceitar a solução. O tal padre, confessor dele, que os tinha casado e por quem ela tinha um enorme respeito e amizade fez-lhe uma prédica pessoal sobre a Misericórdia de Deus, aplicando-a ao assunto em questão. Todos ficaram a saber que se poderiam confessar e comungar à vontade, continuando a viver assim e mais ainda vivendo todos numa mesma casa para uma comunhão maior entre toda a família. Entretanto nasceram mais filhos dele e de ambas. Entretanto o Pároco fê-los leitores e ministros da Comunhão e pediu-lhes que fossem padrinhos de baptismo de algumas crianças pobres. Tornou-se, enfim, uma família exemplar que o Papa recebeu no Vaticano, apontando-os como um grande testemunho.




Sem comentários: