terça-feira, 10 de fevereiro de 2015


Sua Vaidade, o possível Paulo VII.

A campanha eleitoral de Ravasi.


Sei apenas que o Papa que virá não deverá ser este homem que dança em torno do bezerro de ouro, ou seja, isto que é o cardeal Ravasi. Rezem, portanto;

rezem não só para que o Espírito Santo destrua as lógicas mundanas à qual alguns obscuros cardeais são devotados há anos, sob a direcção do Camerlengo.

Francesco Colafemmina em Fratres in Unum.com

«O progresso técnico é rápido, mas é inútil sem um idêntico progresso na caridade. Antes, é mais que inútil, porque nos disponibiliza uns meios mais eficazes para retroceder». Não, não são palavras do Papa, nem muito menos de qualquer ilustre moralista católico. São do grande intelectual inglês Aldous Huxley, autor, dentre outros livros, do romance «Admirável mundo novo», que ilustra uma sociedade materialista, onde a concepção, a morte e o matrimónio são barreiras naturais a serem infringidas, românticas recordações do passado. Hoje a Igreja está num impasse: escolher o progresso da caridade? Ou o progresso tout court? O Cardeal Ravasi é uma expressão desta segunda estrada, que está em condições de pacificar a Igreja com o mundo, fechando-a para a sua autêntica missão.

Cardeal Gianfranco Ravasi.

Talvez, para os mais ingénuos, seja conveniente recuperar um pouco a história do personagem. Terminados os tempos da convention de Publitalia ou do Banco Popular de Sondrio, Monsenhor Ravasi mofava nas salas da biblioteca ambrosiana, onde, entre um programa televisivo dominical e um artigo matinal em Avvenire[1], escrevia dezenas e dezenas de livros inúteis, com os quais inchava o próprio narcisismo de papel. Deprimido em 2005 pela malícia do cardeal Re, o qual, para refutar a sua nomeação para bispo de Assis tinha tirado de fora do seu barrete um artigo do Sole24Ore de 2002 com o título chocante de «Não ressuscitou, se elevou», Ravasi reegueu-se apenas em 2007, graças ao inculpável Monsenhor Piacenza. Sim, porque se Piacenza não tivesse sido nomeado secretário da Congregação para o Clero, dificilmente Ravasi teria entrado novamente pela porta de serviço do Vaticano.

Instalou-se, assim, na Pontifícia Comissão para os Bens Culturais, que, para ele, sempre foi menos importante do que o seu verdadeiro trampolim de lançamento: o Pontifício Conselho para a Cultura. Lançamento que se consolidou, no entanto, somente graças ao cardeal Bertone, seu autêntico sponsor, do qual, então, se tornou confidente. Bertone queria que ele fosse, nada mais nada menos que, arcebispo de Milão. Mas o Papa queria Scola. A condição acertada foi conceder-lhe acesso ao cardinalato. Aconteceu em Novembro de 2010 e, nessa ocasião, o grande narcisista conseguiu receber os cumprimentos e saudações na Sala Regia, a poucos passos do trono do Papa, prontamente removido. Ali, o possível Paulo VII teria exibido a sua nova púrpura sem, entretanto, ruborizar-se por a sua excelsa vaidade. Bertone insistiu por Milão, mas o Papa designou-o em Junho de 2011. O neo-cardeal Ravasi ficou ainda muito feliz. Já tinha inventado o seu «Átrio dos Gentios», plataforma astuta donde podia programar o seu próprio e utopístico pontificado.

Não me prolongarei comentando a experiência intercultural e filo-gnóstica de Ravasi. Para desmontar as suas complexas articulações basta estarmos conscientes da sua natureza instrumental. Graças ao barracão do «Átrio dos Gentios», o Cardeal pôde tornar-se conhecido fora de Itália, suprir o seu desfalque pastoral através de um tipo de pastoral ad usum agnosticorum bem mais eficaz para os media e aos opinion makers. Além disso, pôde recolher numerosos fundos, certamente não numa conta junto ao IOR e sob o título de uma associação de direito pontifício, mas numa das suas contas no Banco Popular de Sondrio (sede de Lodi), coisa da qual é possível certificar-se consultando o site do Átrio (www.cortiledeigentili.com).

Ravasi voou logo para o Twitter (tem também uma conta em inglês e em espanhol), para a blogosfera (hospedado no site do Sole24Ore), utilizou todos os canais possíveis para lançar a própria imagem dialogante, neo-hierofante do vazio que, no diálogo privado de metas, aquisições ou verdade, retarda a própria fé. Três são os vértices desta clamorosa campanha em estilo americano: o encontro Parisiense em 2011 na sede da Unesco com intelectuais agnósticos gritantes, o encontro em Assis com Napolitano[2] em Outubro passado, e o último show de rock para a Plenária do Pontifício Conselho para a Cultura, há duas semanas.

Agnosticismo maçonizante, atlantismo ecuménico decadente e piedoso juvenilismo comercial. Estas são as três dobradiças da plataforma eleitoral ravasiana (e, naturalmente, Bertoniana). O indispensável terceiro-mundismo foi cultivado mediante encontros com conciliáveis diplomatas e artistas.

O que falta a este quadro? É evidente! As virtudes teologais e, destas, particularmente, a caridade. Não se trata de querer cardeais e, sobretudo, papas com o avental, prontos para servir os mais necessitados, a abraçar os doentes, a confortar os desesperados. Não se trata de querer uma Igreja transformada numa opaca ONG, mas de contemplar testemunhas concretas e sinceras de caridade. Caridade não pensada ou dita (intelectual), mas realizada através de acções tangíveis (prática). Inserida, sobretudo, nas estáveis certezas da fé em Cristo. É a «renúncia ao eu», que, por outro lado, é o elemento essencial. Um narcisista não pode ser papa, e isto parece óbvio. Mas, pelo contrário, para muitos comentadores, isto não é evidente. Todos estão ineptos pela magia do progresso, do pó levantado por ele, que é capaz de cegar o coração dos cristãos.

Neste instante, vem-me à mente a imagem de um Papa mudo, porque incapaz de falar, sofredor, mas tenaz, sustentado pela incansável energia da fé. Quanto aquele seu silêncio foi rico de fé, enormemente mais rico do que a vácua redundância de palavras que o cardeal Ravasi está agora[3] despejando sobre o Papa abscondens Bento, no curso das suas meditações quaresmais. Pensem nisto: Bento, também, reconhecendo ter perdido o «vigor do corpo e do ânimo» procura o silêncio da clausura para evitar o quase desaparecimento da sua própria fé. É um sinal para os nossos tempos revolucionários. O (falso) progresso, a confusão das palavras, emoções, imagens e sentimentos, não é aproveitável a ninguém, não serve, sobretudo, em nada para a salvação das almas. É este o centro do ministério sacerdotal. E o futuro Papa deverá ser firme na sua fé, antitético ao (falso) progresso deste mundo, renunciar ao Twitter e ao Facebook, escalar menos os picos da teologia para descer a meio aos seus e confirmar a fé esvaziada dos individualismos, da bricolagem teológica e litúrgica que ameaça não apenas a catolicidade, mas também a romanidade da nossa Igreja. Um Papa «devocional», que adore Deus mediante sinais universais. Um Papa humilde, cuja humildade consista também em levar o peso do próprio múnus até o fim, em ensinar que a Igreja não se inova e moderniza dialogando, confirmando a ambiguidade de uma época dialéctica que evita as certezas e as verdades, mas afirmando. É necessário afirmar o que é a Igreja, quem é a sua cabeça, quem são os seus sacerdotes e quem são os seus leigos. Não é possível vestir uma elitista veste renascimental adornando-se de todos os preciosos acessórios dos nossos tempos, nem tampouco transigir ainda para com o desmazelo litúrgico, ao pauperismo secularizante, à renúncia moral percebida por alguns como o verdadeiro horizonte de uma Igreja «aggiornata».

Mesmo assim, é eficaz no nosso caso a magia de Ravasi, que, mediante fabulações, consegue reunir os extremos, conciliar os opostos, mostrar, através de palavras, hologramas virtuosos, aos quais alguns são induzidos a crer. Por isso, Ravasi é o verdadeiro perigo do futuro conclave. Um perigo crescente, porque aparentemente sem oposição. Do outro lado, não sei se o auspício papal que acabo de descrever acima esteja plasmado apenas no meu coração, ou seja encarnado em qualquer cardeal que, sob o cetim purpúreo e a camisa com abotoaduras de ouro, leve o hábito ou um áspero cilício. Sei apenas que o Papa que virá não deverá ser este homem que dança em torno do bezerro de ouro, ou seja, isto que é o cardeal Ravasi. Rezem, portanto; rezem não só para que o Espírito Santo destrua as lógicas mundanas à qual alguns obscuros cardeais são devotados há anos – sob a direcção do Camerlengo –, mas para que seja eleito verdadeiramente aquele sacerdote ao qual, com palavras admiráveis, se refere o Introito da Missa pro eligendo Summo Pontifice: «Suscitabo mihi sacerdotem fidelem, qui iuxta cor meum et animam meam faciet: et ædificabo ei domum fidelem et ambulabit coram Cristo meo cunctis diebus»[4].


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[1]  Jornal da CEI – Conferência Episcopal Italiana (NdT).

[2] Presidente da República da Itália, do Partido Comunista Italiano (NdT).

[3] O artigo foi escrito durante o retiro quaresmal do Papa e da Cúria Romana, cujo pregador foi o Card. Ravasi (NdT).

[4] «Suscitarei para mim um sacerdote fiel, que agirá conforme o meu coração e a minha alma; e edificarei para ele uma morada definitiva, e andará diante de mim todos os dias» (1Sm 2,35, Missa pro eligendo Summo Pontifice,  Antiphona ad Introitum» (NdT).






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