sábado, 6 de dezembro de 2014


O Papa-Sol


Fonte: http://blogonicus.blogspot.com.br/2014/11/o-papa-sol-igreja-sou-eu.html

Há neste pontificado de Francisco muitas características interessantes, ainda que tristes, que nos remetem ao jogo político bolivariano apresentado pelas lideranças seculares na América Latina.

Este pontificado apresentou-se como a grande reinvenção da misericórdia, como se a Igreja não fosse misericordiosa nos dois mil anos precedentes, do amor aos pobres e da simplicidade absoluta. Toda essa imagem foi construída de forma propagandística, também através da pena de jornalistas de esquerda e do martelo ideológico de alguns padrecos e bispos saudosistas da Teologia da Libertação, mas sobretudo através do engenho pessoal de Bergoglio. Como não pensar na imagem de Chavez, Mujica ou Lula, é claro, igualmente manipuladas pelos media que fez de cada mandatário um novo «pai dos pobres», um messias político que promete o paraíso na Terra.

Mas da mesma forma como sabemos que Mujica, Kirschner, Morales, Maduro, Lula ou Dilma não estão ou mesmo nunca estiveram preocupados com o bem estar da sociedade ou dos mais pobres, mas apenas desejam transformar a sociedade para instalar por essas terras um projecto hegemónico de poder, unipartidário e inquestionável, Francisco está francamente comprometido com a transformação da Igreja.

Os media de nariz sujo da América Latina ainda bajulam o pontífice, pintando o Papa argentino como um construtor de pontes (daí vem a palavra «pontífice») não mais entre o céu e a Terra, mas entre os desejos sociais e a estrutura da Igreja; o Corpo Místico de Cristo se foi restando apenas a «estrutura» e esta pode e deve ser modificada. Mas há outros media, mais comprometidos com a verdade dos factos e que se localiza habitualmente nos países desenvolvidos, que vem torcendo o nariz para Bergoglio. Nos periódicos italianos já há uma unanimidade entre os vaticanistas contra Bergoglio. Não se trata de uma oposição pela oposição, como diria Marina Silva, mas de uma resistência aos métodos nada santos empregados pelo Papa para mudar aquilo que não pode ser mudado – a doutrina da Igreja.

Blogs que antes tentavam construir um caminho de unidade entre Bergoglio e os papas anteriores desistiram da empreitada. O mais famoso deles, o blog do Pe. Z., até cunhou uma frase de impacto: «lendo Francisco através de Bento (XVI)». Já faz algum tempo que o Pe. Z. removeu o banner com a frase.

Acostumámo-nos com o conceito de «hermenêutica da continuidade» apresentado por Bento XVI e esperávamos que Bergoglio, por mais diferente que pudesse ser de Ratzinger, seguisse por essa via. Não seguiu. Pelo contrário, Francisco torna-se cada dia mais um exemplo vivo daquela descontinuidade, da desconstrução das certezas dogmáticas e da «bagunça», uma verdadeira ruptura agressiva.

O Papa-Sol

Francisco é, de longe, o pontífice mais absolutista da história. Os seus discursos iniciais estavam marcados por um forte apelo à colegialidade, ao modo sinodal de governar a Igreja. Eram discursos verdadeiramente revolucionários, mas que tinham uma base elementar no Vaticano II. Contudo, Francisco tem uma ideia muito peculiar sobre como conciliar o modelo sinodal com a potestade pontifícia: os padres sinodais só têm voz se esta for um eco da própria voz de Bergoglio.

Francisco procurou, através do último Sínodo dos Bispos em Roma, ter a sua agenda de revolução doutrinal endossada pelos padres sinodais. Para isso, de forma muito articulada, colocou o cardeal Kasper para introduzir o tom da discussão – a comunhão aos divorciados em segunda união. Kasper actuou como um verdadeiro boi de piranha, atraindo para si as críticas e mostrando para Francisco quem eram os críticos.

Vários cardeais levantaram-se contra o «teorema Kasper». Artigos em jornais e revistas foram publicados, livros escritos.  Cardeais conservadores expressavam o seu desprazer com a ideia, amplamente divulgada, que a Igreja modificaria a sua doutrina.

Francisco então tentou organizar o Sínodo de forma a neutralizar opositores, dispondo peões como num elaborado jogo de xadrez. Entra em cena o segundo «boi de piranha» do Papa, o cardeal Baldisseri. Como secretário do Sínodo, junto com o arcebispo progressista Bruno Forte, Baldisseri cria um ambiente de completa censura aos dissidentes, ocultando pronunciamentos, manipulando a tribuna e entregando um «relatio» completamente inédito. A revolta dos padres sinodais, sobretudo os de África e Ásia, foi evidente e permitiu que a crise se tornasse pública. Vários jornais falaram numa derrota de Francisco e deram espaço ao questionamento das até então incríveis capacidades gerenciais do papa jesuíta.

No discurso de encerramento do Sínodo, Francisco, o «Papa-Sol», lembrou a todos os presentes que, neste pontificado, «A Igreja sou eu». Citou de forma clara o cânone 749 no qual se afirma que o Papa é «Pastor e Doutor supremo de todos os fiéis» e goza «da potestade ordinária, que é suprema, plena, imediata e universal na Igreja» (cf. cânn. 331-334). Para bom entendedor, meia palavra basta, e o recado foi dado!

A defenestração de Burke

Um líder da oposição dentro do Sínodo, embora rejeite categoricamente este rótulo, o cardeal americano Raymond Burke, então prefeito da Signatura Apostólica, foi a primeira vítima dos ajustes do pós-sínodo.

O tema do Sínodo era (é) a família e questões de ordem canónica foram (serão) discutidas. Mas o prefeito da mais alta corte da Igreja, o chefe do Direito Canónico, só participou no Sínodo «ex-oficio», ou seja, uma participação automática. O cardeal Burke não foi convidado pessoalmente pelo Papa, nem mesmo ocupou alguma posição de liderança oficial na estrutura do Sínodo, como era de esperar.

Burke foi nomeado ontem, depois de muita especulação, como Soberano da Ordem Militar de Malta, cargo honorífico e reservado aos cardeais aposentados. Burke, com 66 anos, está bem longe da aposentadoria.

Mas Francisco foi muito inteligente ao fazer o Sínodo para a Família em duas etapas. Burke, a grande figura conservadora, está fora da segunda assembleia do sínodo que se reunirá em Outubro de 2015. Com absoluta certeza outros cardeais opositores estarão igualmente fora do embate final. Francisco não esquece, Francisco não perdoa!

Humilhação aos EUA

Com a saída de Burke a Cúria Romana perde o único prelado norte-americano num cargo de chefia. A Igreja dos EUA é poderosa e influente, sempre contando com algum bispo ou cardeal num alto posto da administração eclesial. Com Francisco isso parece não ser o caso.

Basta lembrar que no último consistório para a criação de novos cardeais, Francisco ignorou os EUA completamente. Pela primeira vez em mais de cem anos os EUA estavam fora do consistório.

Francisco também nomeou para Chicago, sede do arcebispo mais influente dos EUA e um nome profundamente ligado a João Paulo II e Bento XVI, Francis George, um prelado de segunda linha, sem expressão nacional, mas afinado com a «misericórdia» de Francisco e um «yes man».

A elevação de padres e bispos do segundo ou mesmo do terceiro escalão à posições proeminentes parece ser a marca deste pontificado. Começou na Cúria, com a nomeação relâmpago de Stella como substituto de Piacenza e agora se espalha para as dioceses do mundo. Talvez – e aqui é uma teoria pessoal – a elevação de prelados medíocres em detrimento de outros mais bem preparados é uma estratégia de longo prazo para que as reformas bergoglianas passem com facilidade até às estruturas mais fundamentais da Igreja – as paróquias e capelas. Foi dessa forma que Bergoglio modelou a Igreja na Argentina, com bispos mal formados e pouco habituados à defesa da doutrina, e está ai o resultado…

O que sabemos, entretanto, é que João Paulo II e Bento XVI deixaram os EUA com bispos muito conservadores e, graças a Deus, jovens. As grandes lideranças dos EUA, na sua maioria, são relativamente jovens – Samuel Aquila (64), William E. Lori (63), José Gomez (62), Thomas Wenski (64), Alexander Sample (54), James Sartain (62), Salvatore J. Cordileone (58) e até mesmo o cardeal Dolan (64), embora este último esteja bem longe de ser um tradicionalista ou mesmo conservador, ele levantou duras objecções durante o Sínodo. Ou seja, será muito difícil para Francisco modificar muito rapidamente a linha conservadora dos EUA. É claro que o «Papa-Sol» poderá criar uma infinidade de cargos honoríficos ou despachar uma dezena de «visitas fraternas» aos arcebispos americanos para, de forma arbitrária e humilhante, se livrar deles… afinal «A Igreja é Francisco».

Do ponto de vista meramente político, negligenciar a Igreja norte-americana é um erro estratégico grave que pode trazer ainda mais problemas ao Papa, ou mesmo a antecipação da sua renúncia.

E o que vem por aí…

É muito difícil e arriscado prever o futuro. Podemos traçar linhas conjecturais, podemos especular somente.

Esperamos para antes do próximo Sínodo uma reformulação mais acelerada na Cúria. Nomes de influência já se foram, com a remoção de Cañizares do Culto Divino e agora de Burke da Signatura Apostólica. Os únicos prelados «com luz própria» são Müller, da Doutrina da Fé, e Pell das Finanças Vaticanas. Ambos se colocaram como opositores da trilogia Kasper-Baldisseri-Francisco no Sínodo.

Faço apenas algumas especulações:

Maradiaga, o vice-papa, poderia ser nomeado para algum cargo na Cúria Romana. Francisco precisa de um nome forte em Roma, porém inteiramente devotado ao projecto bergogliano, e na face desta Terra não há ninguém mais fiel ao processo revolucionário de Bergoglio que o cardeal arcebispo de Tegucigalpa Oscar Maradiaga.

Francisco precisa, ainda, lidar com a oposição na própria Itália. Para tanto, a substituição de Caffara (76), arcebispo de Bolonha e um dos autores do livro que criticava as propostas de Kasper, é importantíssima e estratégica. Recentemente Francisco fez algumas alterações na legislação da renúncia dos prelados com mais de 75 anos, obrigando-os a apresentar ao Papa a sua demissão. É possível que Galantino, o bispo que não gosta que católicos rezem em clínicas de aborto, suba até ao arcebispado de Bolonha.

Posso estar enganado, mas não acredito que Piero Marini seja o próximo prefeito do Culto Divino. Seria um problema a mais na já conturbada agenda de Francisco e o ex-cerimoniário e ex-secretário de Annibale Bugnini já conta com 72 anos. É possível que um nome totalmente inesperado e mais jovem, alçado do segundo escalão, assuma a Congregação. Porém será um nome bugniniano e crítico da missa antiga e do Motu Proprio. Disso não tenho dúvida!

Conclusão

O importante é que todos acordaram para este pontificado. Estão vendo um processo claro de desconstrução da Igreja através das mãos do Papa Francisco. Até mesmo jornais católicos, redes de TV católicas (nos EUA, é claro…) percebem que há algo errado com este pontificado.

Comparam Francisco ao Papa Paulo VI. Não acho a comparação justa.

O Papa Montini permitiu que o seu pontificado fosse sequestrado por progressistas, sendo ele mesmo simpático a muitas, mas não todas, das suas ideias revolucionárias. Paulo VI pecou pela falta de decisão, por ser o «papa Hamletiano» e por confiar e dar poderes demais aos seus colaboradores. Francisco é justamente o oposto – todas as decisões partem dele e ele não confia em ninguém além de si mesmo.

Francisco não tem colaboradores, tem executores.

Paulo VI foi o papa sem personalidade enquanto Francisco é o papa mais personalista que existe.







Pavor






segunda-feira, 1 de dezembro de 2014