terça-feira, 1 de julho de 2014


Conúbio entre poder e direito.

A disputa entre Lotário II e Nicolau I
sobre o matrimónio.

Uma casuística tirada da história. (5)



Cardeal Walter Brandmüller


5. CONCLUSÃO

Na conclusão a partir da argumentação apenas exposta, consenti que responda a uma possível objecção que algum ou outro possa levantar e que corresponde ao esquema interpretativo de uma «história dos vencedores», mais próxima do pensamento histórico marxista. Com isto quer-se dizer que o desenvolvimento efectivo da doutrina, do sacramento e da constituição da Igreja não deveria desenvolver-se de forma necessária, ou seja, por força das coisas, como de facto se desenvolveu. Que outras perspectivas, talvez opostas, não tenham conseguido impor-se, isso seria apenas o resultado das conjunturas históricas, ou seja, de relações de poder, casuais. Este modo de considerar os acontecimentos da história da Igreja, e os resultados dos mesmos, consentiria tomar estes últimos como produtos meramente casuais da relatividade que lhes seria própria. Por outras palavras, poderiam ser mudados em qualquer momento e enveredar por outras vias.

Isto no entanto não é possível se na base se colocar a compreensão autenticamente católica da Igreja, como vem expressa na constituição Lumen Gentium do Concílio Vaticano II.

Para tal fim é necessário – como já foi observado – que a Igreja possa estar certa da ajuda constante do Espírito Santo, que é o seu princípio vital mais íntimo, a garantir e a operar a sua identidade não obstante todas as mudanças históricas.

Assim portanto, o desenvolvimento efectivo do dogma, do sacramento e da hierarquia do direito divino não são produtos casuais da história, mas são guiados e possibilitados pelo Espírito de Deus. Por isto tal desenvolvimento é irreversível e aberto só na direcção de uma compreensão mais completa. A tradição, em tal sentido tem, portanto, carácter normativo.

No caso examinado, isto significa que a respeito dos dogmas da unidade, da sacramentalidade e da indissolubilidade, radicados no matrimónio entre dois baptizados, não há volta atrás a não ser que se os considere – coisa que é de rejeitar – como um erro do qual seria preciso emendar-se.

O modo de agir de Nicolau I na disputa sobre o novo matrimónio de Lotário II, tão consciente dos princípios quanto inflexível e impávido, constitui uma etapa importante no caminho para a afirmação do ensinamento sobre o matrimónio no âmbito cultural germânico.

O facto que o Papa, como também os seus vários sucessores, em ocasiões análogas, se tenha demonstrado advogado da dignidade das pessoas e da liberdade dos mais desprotegidos – na maior parte dos casos eram mulheres – fez merecer a Nicolau I o respeito da historiografia, a coroa da santidade e o título de «Magno».




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