sábado, 29 de junho de 2013

Guiné, Guileje, e o desnorte do Reino


João J. Brandão Ferreira

Desde D. Afonso Henriques que há assuntos, na História de Portugal, mal arrumados. Alguns, até, de tão mal descritos, resultam em distorções e mentiras grosseiras.

É o caso das últimas, e ainda recentes, campanhas ultramarinas em que a Nação Portuguesa esteve envolvida entre 1954 e 1975.

E assim é, apesar do espaço temporal ser curto; haver muita gente viva que foi protagonista nos eventos; ampla documentação e excesso de meios de comunicação social.

Entre os multifacetados aspectos que este longo conflito encerra, ganhou especial preponderância o teatro de operações da Guiné e, dentro deste, as operações que se desenrolaram no 1.º semestre de 1973, em que se assistiu à maior operação da guerrilha, em toda a guerra. Esta ofensiva foi desencadeada pelo PAIGC e planeada e coordenada por instrutores soviéticos e cubanos e destinava-se a fazer «ajoelhar» militarmente, as forças portuguesas.

Naturalmente o facto de o MFA ter nascido na Guiné; o protagonismo que o General Spínola – que acabou por ser o principal responsável pelo abaixamento do moral das NT, na Província – veio a ter em todos os eventos ligados ao 25/4 e posteriores; e ao mito que se veio a criar que a guerra na Guiné estava perdida são, seguramente, responsáveis por tal facto.

No meio da ofensiva referida veio a ter destaque, pelas piores razões, o abandono do quartel e povoação de Guileje, no dia 22 de Maio.

Piores razões, porque marca uma página negra da História Militar Portuguesa, dado que uma guarnição que estando longe de estar batida, quebrou o dever militar, ao abandonar a sua área de operações sem ordem para o fazer e sem razão que o justificasse. A única que o fez em 13 anos de combates.[1]

O responsável directo por esta retirada foi preso em Bissau, ficando a aguardar julgamento em tribunal militar.[2]

Desse julgamento, livrou-o o Golpe de Estado de 25 de Abril e o desnorte que se lhe seguiu, acabando o arguido amnistiado em tal processo. Ou seja, juridicamente a responsabilidade penal deixou de existir.

O oficial em causa continuou a sua carreira militar e chegou a coronel.

Depois de abandonar o serviço activo, escreveu um livro, profere conferências e entra em debates, no sentido de descrever o que se passou, explicar as razões por que tomou a decisão que tomou e insurgindo-se contra o processo de que foi alvo.

Antes de entrar nesta última parte é mister fazer um brevíssimo enquadramento da situação ocorrida em Guileje.

No dia 20 de Janeiro de 1973, o líder do PAIGC, Amílcar Cabral, um mestiço politicamente moderado (vagamente marxista), de cultura lusíada, foi assassinado em Conackri, por três elementos do mesmo partido.[3]

Na sequência foram eliminados numerosos guerrilheiros e, até hoje, nunca se soube oficialmente os verdadeiros contornos da trama, tendo-se atirado para cima da PIDE/DGS a hipótese inverosímil, de estar por detrás desta morte.[4]

A seguir foi congeminado um plano – seguramente com a ajuda de conselheiros cubanos e soviéticos – para se conseguir uma decisão militar, que viria a ser explorada politicamente (como acabou por ser, em diferido), com a declaração unilateral de independência, no Boé, a 24/9/73.

Esta ofensiva teve algumas inovações: procurou-se utilizar o princípio da concentração de forças e atacar simultaneamente, numa espécie de tenaz, dois objectivos; as forças que atacavam seriam protegidas por uma nova arma anti-aérea, o míssil terra-ar «Strella», o que permitiria anular a supremacia aérea nacional e, desse modo, fazer pender o potencial relativo de combate, a favor da guerrilha.

O primeiro míssil foi disparado a 20 de Março, sem consequências. Porém a 25, um outro disparo abateu um Fiat, salvando-se o piloto por ejecção e posterior recolha no chão.

Nas duas semanas seguintes foram abatidas mais quatro aeronaves tendo morrido quatro pilotos e cinco outros militares o que, naturalmente, abalou o moral das tripulações e passou a afectar o cumprimento de algumas missões, sobretudo por não se saber qual a arma e suas características, com que se defrontavam.[5]

Os objectivos escolhidos para serem atacados, isolados e, eventualmente, tomados, foram as povoações de Guidage, na fronteira Norte, e Guileje, na fronteira Sul.

Estas povoações estavam defendidas com unidades tipo companhia, reforçados com outros (escassos) meios.

Foram escolhidos pois estavam mesmo junto à fronteira, o que facilitava o ataque e o apoio logístico, além de que as equipas de misseis também não se deviam internar muito em território nacional, por imposição dos soviéticos que temiam que alguma destas armas caísse em mãos portuguesas.

Guidaje começou a ser atacada em 8 de Maio e esteve cercada e debaixo de fogo, constante, durante um mês.

Foram organizadas várias colunas de reabastecimento que foram duramente atacadas e, finalmente conseguiu-se reforçar a guarnição com uma companhia de paraquedistas. Entretanto montou-se uma grande operação que envolveu a totalidade dos efectivos do Batalhão de Comandos Africanos, sobre a base de Cumbamori, que apoiava as forças do PAIGC.

Durante este período as NT sofreram 47 mortos e mais de uma centena de feridos.

No meio desta ofensiva séria, foi atacado o aquartelamento de Guilege, no dia 18 de Maio, possivelmente como diversão, para obrigar a retirar forças que estavam a auxiliar Guidage.

A guarnição do Comando Operacional 5 sofreu um morto e dois feridos.[6] O Comandante,
Major Coutinho e Lima
Major Coutinho e Lima, decidiu ir a Bissau expor a situação. Regressou no dia seguinte e tomou a decisão de abandonar o quartel, levando consigo toda a população para Gadamael-Porto, uma povoação a poucos quilómetros.
[7]

Entretanto a FA, numa acção notável, conseguiu descobrir as características do míssil e adoptou um conjunto de procedimentos e tácticas que permitiram continuar a cumprir todas as missões, com constrangimentos vários.

A FA perdeu, de facto, a Supremacia Aérea, mas não perdeu a Superioridade Aérea. E nunca mais nos abateram qualquer aeronave, à excepção de um Fiat, em 30 de Janeiro de 74, por incumprimento de uma regra de segurança. Estima-se que foram disparados mais de 40 mísseis.

Que se terá passado então, para que o Comandante de Guileje tivesse apenas resistido quatro dias – com mais meios do que o seu camarada de Guidage – o Tenente-Coronel Correia de Campos, que se veio a revelar um valoroso Comandante – que chegou a estar no limite das munições e dos víveres?

Aqui parecem entrar o que se designa por factores imponderáveis da guerra, tão ou mais importantes que os outros…

Do que se sabe o General Spínola tratou mal o major e não lhe explicou nada. Podia ter-lhe dito qualquer coisa do género «a preservação da sua posição é fundamental para a defesa da fronteira Sul, eu agora não lhe posso valer pois tenho todas as minhas reservas empenhadas (o que era verdade), volte para lá, aguente-se, que logo que possa envio-lhe auxílio».

Em vez disto tratou-o nos moldes em que os que o conhecem sabem, quando não gostava de alguém. A agravar as coisas, o oficial em causa, não era oriundo de Cavalaria nem frequentara o Colégio Militar…

E quando se despediu dele humilhou-o dizendo-lhe «regressa a Guileje e daqui a um ou dois dias irá lá ter o Coronel Durão e você passa a adjunto dele». Ou seja passou-lhe um atestado de incompetência.

O Comandante do Comando Operacional 5 voltou ao quartel apenas para saber pelos seus subordinados – em quem segundo o «jornal da caserna» não tinha grande comandamento – que o último ataque sofrido tinha destruído o posto de rádio e parte da artilharia.

A retirada fez-se nessa noite, sendo feita em boa ordem de marcha e com todos os cerca de 500 elementos da população, o que prova três coisas:

– Que o quartel não estava cercado (se estivesse a saída das tropas e população poderia ter sido um desastre!);

– Que a população estava toda do nosso lado;

– Que o PAIGC estava ainda longe de querer assaltar a povoação, já que só deu pela evacuação três dias depois (entrando quase todos em coma alcoólico depois de terem esgotado o stock de bebidas existente…).

Mas prova ainda outra coisa: que a retirada já teria sido preparada anteriormente, pois era praticamente impossível organizar tal operação na hora. Será que estariam à espera que Spínola autorizasse a saída? Até que ponto haveria acção subversiva feita por eventuais infiltrados simpatizantes, idos da Metrópole? Eis duas questões que seria interessante dilucidar.

Resta ainda acrescentar que o quartel tinha uma pista; a FA garantia apoio pelo fogo de dia, com os «Fiat» e de noite com um «C-47» modificado, em bombardeamento de área; Guileje era o único quartel em toda a Guiné, que tinha abrigos em betão.

Sofreu bombardeamentos com precisão (cerca de 36), porque o tiro era regulado por guerrilheiros infiltrados até perto do quartel, pois estes tinham liberdade de movimentos, por as forças lá aquarteladas não fazerem batidas fora do arame farpado (como, aliás, estava determinado e era do mais elementar senso táctico).

Guileje tinha, porém, um ponto fraco: não tinha um poço artesiano, que lhe fornecesse água potável, a qual tinha que ser obtida a cerca de 2 Km, o que permitia emboscadas às colunas encarregues dessa missão. As evacuações de helicóptero tinham, ainda, que ser feitas a partir de Cacine, pois a ida dos Alouette III a Guileje e Gadamael estava, temporariamente, suspensa por razões operacionais.

Considera-se que as forças que defendiam Guileje não estiveram sequer perto, de não se puderem defender e nada justificava o seu abandono tão prematuro, que veio a causar algum pânico em Gadamael-Porto e poderia ter feito colapsar – por efeito de dominó – todo o dispositivo junto à fronteira Sul.[8]

As forças do PAIGC reagruparam-se então em torno de Gadamael e atacaram-na fortemente, tendo a situação sido resolvida rapidamente por tropas paraquedistas, enviadas de reforço.

Sem embargo de se gostar mais ou menos da atitude do Comandante-Chefe, ele era o responsável por toda a Guiné e era ele que tinha a visão global de todo o teatro de operações. E tinha a autoridade para tomar as decisões que tomou, sendo-lhe ainda lícito, sacrificar a guarnição de Guilege caso isso fosse importante para a salvaguarda do todo.[9]

Como a consciência é o nosso último juiz, cabe sempre a cada comandante – e cada caso é um caso – face às circunstâncias, decidir o que, em última instância a sua consciência lhe diz, mas tem que, a seguir, se sujeitar às consequências dessa decisão.

E não tem que levar a mal que, no caso vertente, se lhe tenha dado ordem de prisão e levantado um processo.

O Dever e a Disciplina Militar assim o exigiam e só se deve lamentar que o julgamento não tenha ocorrido. E, nesse âmbito, só existe uma razão de queixa: contra quem o amnistiou.

Ora este caso que devia ser, sem sombra de dúvidas, tratado em termos académicos, em fóruns próprios, a fim de reverter em ensinamentos para o futuro, tem sido transformado pelo seu protagonista – que ninguém tem maltratado nem acusado de nada – numa tentativa contumaz, não só de branqueamento da sua acção como a de que seja aceite o seu bom propósito e valor.

Será que um dia destes vai requerer louvor e condecoração?

As coisas estão, até, a entrar no campo do delírio, como se pôde constatar numa «mesa redonda», que decorreu em Coimbra, no passado dia 23 de Maio, e para a qual se convidaram quatro coronéis do Exército, um ex-membro das «Brigadas Revolucionárias» e dois ex-guerrilheiros do PAIGC.[10]
Coronel Coutinho e Lima
Um dos oradores foi, justamente, o antigo Comandante do Comando Operacional 5, que
antes de falar se vestiu com um traje típico de indígena da Guiné – provavelmente o mesmo com que o agraciaram há uns anos atrás, quando foi a Guilege fazer «um frete» ao PAIGC – e não foi o único – que para ali «convocara» um «Simpósio Internacional»![11]

O «nosso» coronel apenas seguiu, todavia, o exemplo da organização daquela «mesa sem bicos», a qual no folheto de propaganda do evento, não encontrou nada melhor para pôr em fundo, do que a bandeira do PAIGC (quero recordar que o evento se passa em Coimbra – terra onde está sepultado o D. Afonso Henriques…) e uma foto de Amílcar Cabral que, em termos simples, não passa de um traidor português.[12]

No dia anterior a esta redonda mesa, tinha estado previsto um colóquio promovido pela quase extinta Polícia Judiciária Militar, onde o caso de Guileje era tema, com direito a debate, e lá estava o nosso ex-comandante inscrito para o mesmo.

Tem ainda participado em várias conferências, apresentações de livros, discussões, etc., onde raramente é contestado e escreveu um livro com a sua versão dos eventos, que teve o prefácio de um general de quatro estrelas e conseguiu o significativo feito, de o mesmo ser apresentado por um outro general de igual posto, num local que tem o nome de Academia Militar.

Escola que, lembro, tem a peculiar missão de formar os futuros oficiais do Exército e da GNR.

Parece que ninguém se deu conta do que se estava a passar…

Há precisamente 39 anos que se passou a fazer o elogio da cobardia, em detrimento da coragem; promoveram-se desertores e traidores e depreciou-se (quando não se ridicularizou), heróis e patriotas; A corrupção passou a ser tolerada e a achar-se que era coisa de espertos; incentivou-se o vício e casquinhou-se a virtude; tem-se sido de uma compreensão dadivosa para com os «desvios», ao mesmo tempo que se desdenha a «normalidade»; encolhe-se os ombros aos trapaceiros e fustiga-se o mérito, enfim, os exemplos são extensos e são todos maus.

Chegou-se ao ponto de incentivar a morte e depreciar a vida, em troca do egoísmo, hedonismo e outros «ismos», todos muito «progressistas» e modernaços…

Não admira, pois, que estejamos mergulhados numa crise moral, política e social medonha, e á beira do desaparecimento genético (!), e que quase toda a gente confunde com uma crise económica e financeira, e apenas porque lhes estão a ir ao bolso!

Fica-nos, contudo, e no meio disto tudo, uma dúvida existencial, que é a seguinte: Face ao descrito, o que se andará a ensinar aos cadetes e aos comandantes das actuais Forças Nacionais Destacadas?



[1] O Quartel de Copá, no Nordeste da Guiné, também foi abandonado, em 30/1/73, por metade da guarnição, mas a mesma foi obrigada a regressar, pela notável acção do Comandante do Batalhão, Tenente-Coronel Jorge Matias.

[2] O militar ficou preso cerca de um ano, o que se estima ser um exagero – mesmo tendo em conta a situação da altura – para se instruir o processo e levá-lo a julgamento. E, possivelmente, não deveria ter sido o único a quem devia ter sido dado ordem de prisão…

[3] Amílcar Cabral foi, sem dúvida, o mais capaz líder guerrilheiro de todos os que combateram contra Portugal.

[4] O que, a ser verdade – convenhamos – seria mais do que legítima…

[5] Foram abatidos um Fiat, um T-6 e dois DO-27. Só a 8 de Abril se teve a certeza de que a nova arma era o SAM-7. Outros disparos foram efectuados, mas não se considera relevante a sua discriminação.

[6] O Comando Operacional 5 dispunha de uma companhia de caçadores; um pelotão de milícias; um pelotão de artilharia, com peças de 11,4 e algumas autometralhadoras «Fox».

[7] É importante referir que o Comandante do Comando Operacional 5, foi lá colocado, também, com a missão de disciplinar e levantar o Moral a uma tropa considerada fraca e desmotivada.

[8] Além disso a saída de Guileje não foi coordenada com Gadamael e esta povoação e respectivo quartel, não tinham condições mínimas para albergar tão elevado número de «fugitivos». E não se sabe, exactamente, porque é que Guileje não foi reocupado, o que não favoreceu as nossas cores.

[9] No fim da ofensiva, nós ganhámos e o PAIGC perdeu, é bom que se diga. Mas o que se passou em Guileje causou um abalo muito grande no moral do conjunto das tropas e comandos. E pode ter contribuído fortemente para o início do MFA, na Guiné. Se assim foi, a vitória táctica portuguesa, resultou numa derrota estratégica, a prazo.

[10] Foi organizada pelo «Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra», criado em 1998. O moderador foi o Prof. Dr. Luís R. Torgal, que tinha a missão impossível de dar a palavra, numa tarde, a sete oradores e promover o debate…

[11] O tema era a ofensiva sobre Guileje de que trata este escrito e decorreu de 1 a 7 de Março de 2008, promovido pela «Universidade Colinas do Boé» e pelo INED, uma das ONGs que por lá pululam.

[12] Amílcar Cabral tinha a nacionalidade portuguesa. Veja-se artigos do Código Penal de então e de agora…





quarta-feira, 26 de junho de 2013

Aristides de Sousa Mendes –
um Oskar Schindler à portuguesa
ou a fabricação de um mito...


Do blogue Mito & Realidade

Aristides de Sousa Mendes
Aristides condicionava a emissão de vistos
e passaportes ao pagamento de verbas

Em carta a Maria Barroso,
presidente da «Fundação Aristides de Sousa Mendes»,

Embaixador desmistifica a «lenda» de Aristides de Sousa Mendes
* Desapareceram misteriosamente dos arquivos do MNE (Ministério dos Negócios Estrangeiros) várias peças dos processos que incriminavam Sousa Mendes.
* Aristides de Sousa Mendes acumulou numerosos processos disciplinares desde o longínquo ano de 1917, na República, até 1940.
* Aristides de Sousa Mendes, como foi denunciado pelos serviços da Embaixada Britânica, cobrava dinheiro pela emissão de vistos e passaportes.
Terceiro classificado por votação dos telespectadores no concurso promovido pela RTP «Os Grandes Portugueses», e surgindo agora em filme, a figura de Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus no período da II Grande Guerra, continua envolta em muitos mistérios e alguma polémica.
Para uns, Sousa Mendes é recordado como «um homem bom e justo» que, em Junho de 1940, contrariando as ordens do Governo de Lisboa, emitiu vistos e passaportes e, nalguns casos, chegou mesmo a atribuir falsamente a identidade portuguesa a milhares de foragidos, sobretudo judeus, que pretendiam, a todo o custo, alcançar lugares tidos por seguros. Como Portugal, que Salazar conseguiu manter neutral no conflito. Para outros, o cônsul está longe de justificar o papel de «herói» que muitos lhe atribuem e, aqui e ali, tentam repor a verdade àquilo a que chamam a «falsificação da História» e, através de factos, muitos deles documentados, desmistificam a «lenda» Sousa Mendes. Bastará uma pesquisa atenta no arquivo do MNE ao processo do antigo cônsul – apesar de muitas peças do seu «dossier» terem misteriosamente desaparecido, sem que até hoje ninguém tenha procurado investigar quem foi o autor (ou autores) do «desvio» para que algumas «verdades» deixem de o ser.
O irmão gémeo de Aristides – César Sousa Mendes
Ao contrário do seu irmão gémeo César, que também fez carreira na diplomacia tendo alcançado o posto de Ministro Plenipotenciário de 2.ª classe, Aristides arrastou-se entre postos consulares de pequeno relevo, foi acumulando processos e mais processos disciplinares desde o longínquo ano de 1917, na I República, até 1940, tendo acabado por passar à disponibilidade a aguardar aposentação, mas continuando a auferir a totalidade do vencimento correspondente à sua categoria (1.595$30). O que desde logo «mata» a tese dos que teimam em acusar Salazar de ter «perseguido» o cônsul e de o ter «obrigado» a «morrer na miséria». Pelo contrário, o então Presidente do Conselho mostrou-se benevolente com Aristides em muitas alturas, nomeadamente quando, contrariando o parecer do Conselho Disciplinar do MNE que, na sequência de mais um processo disciplinar, propôs a pena de descida de categoria do cônsul, apenas determinou a sua inactividade por um ano, com vencimento de categoria reduzido a metade, mas recebendo a totalidade do salário correspondente ao exercício.
Outra verdade que tem sido ocultada pelos defensores de Aristides Sousa Mendes: o cônsul condicionava a emissão de vistos e passaportes ao pagamento de verbas e à obrigatoriedade de contribuição para um estranho «fundo de caridade» por si próprio instituído e gerido, situação que viria a ser denunciada junto do MNE quer pelos serviços da embaixada britânica quer por muitos dos que beneficiaram das «facilidades» de Mendes.
A casa de Sousa Mendes em Cabanas do Viriato
Também esclarecedora para a verdade sobre Sousa Mendes é a carta que o Embaixador Carlos Fernandes (*) dirigiu, em Maio de 2004, a Maria Barroso Soares, presidente da entretanto criada «Fundação Aristides de Sousa Mendes», quando esta pretendeu promover uma homenagem nacional, custeada com dinheiros públicos, ao antigo cônsul.
Embaixador Carlos Augusto Fernandes, licenciado em Direito, com distinção, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Entrou no MNE em Abril de 1948 como adido de Legação. Foi cônsul de Portugal em Nova Iorque e Encarregado de Negócios no Paquistão, Montevideu (Uruguai) e Venezuela. Foi Conselheiro da Legação Portuguesa na NATO (Paris), Director Económico do MNE, Director dos Serviços Jurídicos e Tratados do MNE e Embaixador de Portugal no México, Holanda e Turquia.

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O Semanário DIABO (3 de Abril de 2007) teve acesso à referida missiva, bem como a algumas «notas soltas» que o embaixador lhe juntou, que aqui publicamos na íntegra.

Lisboa, 5/5/04

Senhora Dra. Maria Barroso Soares,

Um antigo embaixador de Israel em Portugal, que foi «instrumental»» na mitificação de Aristides Sousa Mendes, publicou há dois dias no Diário de Notícias, a propósito do aniversário daquele antigo cônsul, um artigo de elogio a Sousa Mendes, reincidindo em duas mentiras que foram fundamentais para aquela mitificação:

a) que foi expulso da carreira diplomática;

b) que morreu na miséria (depreendendo-se que por ter sido expulso da carreira diplomática e sem vencimento).

Ora, tanto quanto eu pude averiguar, primeiro, Sousa Mendes nunca foi da carreira diplomática, pertencendo sempre à carreira consular, que era diferente, e, em princípio, mais rendosa; depois, nunca dela foi expulso: como conclusão de um 5.º processo disciplinar, foi colocado na inactividade por um ano, com metade do vencimento de categorias e, depois desse tempo, aguardando aposentação com o vencimento da sua categoria (1.595$30 por mês) até morrer, sem nunca ter sido aposentado, situação mais favorável do que a aposentação.

Portanto, se morreu na miséria, ou pelo menos com grandes dificuldades financeiras, isso deve-se a outros factores que não à não recepção do seu vencimento normal em Lisboa. Demais, A. Sousa Mendes viveu sempre com grandes dificuldades financeiras. É óbvio que, quem tenha 14 filhos da mulher, uma amante e uma filha da amante não sairá nunca de grandes dificuldades financeiras, salvo se tiver outros rendimentos significativos, além do vencimento de cônsul.
Aristides de Sousa Mendes e parte da sua prole
Vi pelo artigo acima referido que a Sr.ª Dr.ª M. Barroso é presidente da Fundação A. S. Mendes, e só por isso lhe escrevo esta carta e lhe remeto os elementos de informação anexos.
Eu escrevi sobre Sousa Mendes, de forma simpática, num livro publicado há dois anos (Recordando o caso Delgado e outros casos, Universitária Editora, Lisboa, 2002) de págs. 27 a 30, porque o conheci e tive ocasião de ajudar dois dos seus filhos, um em Lisboa e outro depois em Nova Iorque quando lá era cônsul.
Nada me move contra A. Sousa Mendes, antes o contrário, mas não posso pactuar com a mentira descarada e generalizada. Salazar é atacável por várias razões, mas não por ter «perseguido» A. Sousa Mendes, que, aliás, teve problemas disciplinares em todos os regimes de 1917 a 1940.
Quando fui director dos Serviços Jurídicos e de Tratados do MNE tive de estudar o último processo disciplinar de A. Sousa Mendes, de cuja pasta retiraram já muitas peças.
Por outro lado, o meu amigo Prof. Doutor Joaquim Pinto, sem eu saber, fez um estudo bastante completo sobre A. Sousa Mendes, e com notável imparcialidade.
Eu não pretendo vir a público atacar ou defender A. Sousa Mendes, e, por isso, nem penso rectificar o artigo do embaixador de Israel, mas em abono da verdade, e para seu conhecimento, entendo ser meu dever remeter-lhe cópia do estudo e notas em anexo, de que poderá fazer o uso que entender.
Com respeitosos cumprimentos,

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Algumas Notas sobre Aristides Sousa Mendes
Num «memorandum» da Embaixada Britânica, datado de 20/6/40, diz-se: «O cônsul de Portugal em Bordéus protela para fora das horas de expediente todos os pedidos de vistos, e cobra por eles taxas extraordinárias. Pelo menos num caso foi ainda o interessado convidado a contribuir para um fundo português de caridade antes de ser-lhe concedido visto».
Processo
Despacho de Salazar preparado pelo Secretário Geral:
«Atendendo a que às infracções cometidas, não tendo em consideração a reincidência, cabe a pena do n.º 8 do artigo 6.º do Regulamento Disciplinar;
Atendendo a que do relatório consta 'e o Conselho reconhece a incapacidade profissional do arguido para dirigir consulados, especialmente os da sua categoria';
Condena o cônsul de 1.ª classe, Aristides Sousa Mendes, na pena de um ano de inactividade com direito a metade do vencimento de categoria, devendo em seguida ser aposentado.
Lisboa, 30 de Outubro de 1940
Salazar».

Imputadas Faltas (Desde Novembro de 1939 a fins de Junho de 1940):
a) desobediência
b) falsificação de escrita
c) abandono do lugar
d) concessão (imputação do Embaixador Britânico, de 20/6/40)
e) vistos a austríacos, espanhóis, luxemburgueses e polacos. Atribuiu falsamente a nacionalidade portuguesa ao casal Miny, em 30/5/40.
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Em 18 e 19/6/40, vai a Bayone impondo ao cônsul ali a concessão de vistos, quer de trânsito quer de residência, independentemente de consulta.
Como o cônsul Faria Machado objectasse, afirmou-lhe, falsamente, que recebera instruções nesse sentido e que fora a Bayone expressamente para lhas comunicar.
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Já assim procedera em Novembro de 1939, quando ainda não havia êxodo de França, o qual só começou em Maio/Junho de 1940.
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Não propôs à Secretaria de Estado mudanças das instruções com que depois disse não concordar, nem mudança de posto.
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Justificou a falsificação da identidade dos Miny com o humanitarismo.
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Era já o 4.º processo disciplinar de Aristides (1935, por declarações públicas; de novo em 1935, por irregularidades na contabilidade consular; em 1938, ausentou-se do seu posto na Bélgica e veio a Portugal sem autorização quer da Legação em Bruxelas quer de Lisboa; e ainda outro que foi instruído pelo Dr. Francisco António Correia).
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De 1937 a 1939, consta uma extensa lista de repreensões e censuras. Já em 1917 fora repreendido por se ausentar de Zanzibar.
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O Conselho Disciplinar do MNE propôs a pena de regresso à categoria anterior (cônsul de 2.ª classe), prevista no nº 9.º do artigo 6.º do Regulamento Disciplinar dos F. Civis.
O S. Geral (Teixeira de Sampaio) entendeu diferente. Salazar, dentro dos seus poderes, despachou a proposta do S. Geral (muito mais benigna).
Isto fez que Sousa Mendes morresse aguardando aposentação, recebendo, depois do ano de inactividade, o seu vencimento por inteiro, como se verifica da declaração que apresentou à Ordem dos Advogados em 25 de Abril de 1946 (1.595$30 por mês) num requerimento que então lhe dirigiu.
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Portugal, os Cônsules, e os Refugiados Judeus (1938-1941)
Texto de Avraham Milgram
(Tradução minha)
(...) Uma curta análise das listas e vistos passados por Aristides de Sousa Mendes aos Judeus e não-Judeus em Maio e Junho de 1040, mostra – sem diminuir a grandeza da sua atitude – que o número de vistos concedidos pelo cônsul era menor do que os que são mencionados pela literatura, levantando uma série de questões relativas a Portugal e à entrada de refugiados Judeus.
Foi provavelmente Harry Ezratty o primeiro a mencionar, num artigo publicado em 1964, que Aristides de Sousa Mendes tinha salvo 30,000 refugiados, dos quais 10,000 judeus, um número que desde então tem sido repetido automaticamente por jornalistas e académicos. Ou seja, Ezratty, imprudentemente, pegou no número total de judeus que passaram por Portugal e atribuiu-o ao trabalho de Aristides de Sousa Mendes. De acordo com a lista dos vistos emitidos no consulado de Bordéus, Aristides de Sousa Mendes passou 2,862 vistos entre 1 de Janeiro e 22 de Junho de 1940. A maioria, ou seja, 1,575 vistos, foram passados entre 11 e 22 de Junho, nos últimos dias da sua carreira consular em Bordéus. Nunca saberemos exactamente quantos vistos terá passado nos sub-postos de Bayonnne e na cidade de Hendaye, lugares por onde ele passou ao ser chamado a Lisboa por insubordinação; nestes lugares Aristides passou vistos sem o selo consular e apenas escritos à mão, e portanto não foram registados em lado nenhum.
Por forma a ter uma ideia do exagero no número de judeus que na realidade entraram em Portugal por um lado, e do número de judeus que se acredita terem entrado graças a Sousa Mendes por outro, basta citar que, no relatório do HICEM (organização judaica que ajudava os judeus a emigrar), 1,548 Judeus que vieram para Portugal como refugiados sem vistos para outros países, saíram de navio de Lisboa na segunda metade do ano 1940, e 4,908 Judeus, com a ajuda do HICEM, partiram durante 1941. A este número, devemos acrescentar aproximadamente 2,000 Judeus que vieram directamente de Itália, Alemanha, e de outros países anexados por alemães e possuidores de vistos americanos.
Os «30 mil refugiados» salvos por Aristides de Sousa Mendes
No total, em dezoito meses, de Julho de 1940 Dezembro de 1941, o HICEM tomou conta do transporte por navio de 8,346 Judeus que deixaram Lisboa para países de além-mar. Tudo indica que temos de acrescentar a estes números os Judeus que transitaram e deixaram Portugal pelos seus próprios meios. Mesmo assim, a discrepância entre a realidade e o número de vistos passados por Aristides de Sousa Mendes é grande. (...)
As contribuições para instituições de caridade (de Aristides)
(...) Outro episódio que irritou o MNE (Ministério dos Negócios Estrangeiros), e que finalmente levou Sousa Mendes a ser chamado de volta ao consulado geral, tem a sua origem num memorando enviado pela embaixada britânica em Lisboa ao MNE, queixando-se do comportamento do Cônsul português em Bordéus que pedia taxas extras aos cidadãos britânicos que pediam vistos: O Cônsul Português de Bordéus tem estado a adiar para depois das horas de serviço todos os pedidos de vistos e tem cobrado uma taxa especial; em pelos menos um caso, ao requerente foi também pedido que contribuísse para um fundo de caridade português antes do visto ser concedido. Memorando da Embaixada Britânica em Lisboa de 20 de Junho de 1940, AMNE RC M 779.
Em 1923, enquanto colocado em São Francisco (EUA), Aristides de Sousa Mendes teve um conflito com a comunidade portuguesa local sobre uma contribuição por ele pedida para uma instituição de caridade que os luso-americanos recusaram. O caso, que não chegou a ser reportado ao MNE, chegou à imprensa sob a forma de insultos e o MNE considerou-o um sério erro. (Afonso Rui, Injustiça, pp. 22-26).
Em Bordéus, não foi, portanto, a primeira vez que Aristides de Sousa Mendes se empenhou numa causa caritativa. (...)
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José Hermano Saraiva in Álbum de Memórias
[Leite Pinto] fala, a propósito, na operação de salvamento dos refugiados republicanos espanhóis e dos judeus que, no início da Segunda Guerra Mundial, se acumulavam na fronteira de Irún, na ânsia de salvar as vidas. Vieram embarcados nos vagões da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta, que iam até Irún carregados de volfrâmio, e voltavam a Vilar Formoso carregados de fugitivos. A operação foi mantida rigorosamente secreta porque as autoridades espanholas não consentiriam. Segundo um protocolo firmado pelas autoridades ferroviárias dos dois países, os vagões deviam circular selados, quer à ida quer à vinda. Um dos que assim salvaram a vida foi o Barão de Rothschild. O embaixador Teixeira de Sampaio confirmou-me, mais tarde, esses factos.
O salvamento de 30.000 refugiados deu-se ao mesmo tempo que o cônsul de Portugal em Bordéus, em cumplicidade com dois funcionários da PIDE, falsificava algumas centenas de vistos, que vendia por bom preço a emigrantes com dinheiro. Um dos que utilizaram esta via supôs que todos os outros vieram do mesmo modo – e assim nasceu a versão, hoje oficialmente consagrada, de que a operação de salvamento se deve ao cônsul de Bordéus, Aristides de Sousa Mendes. Este, homem muito afecto ao Estado Novo, nem sequer foi demitido, mas sim colocado na situação de aguardar aposentação. Os seus cúmplices da PIDE foram julgados, condenados e demitidos.




A propósito de Frei Fernando Ventura


Um comentário que nos enviaram:

«É lamentável que clérigos deste calibre ainda ousem falar ‘em nome da Igreja’. Rezemos para que Nossa Senhora afaste os lobos vestidos de batina do Santo Padre.»


«Frei Fernando Ventura chantageia com cisma»
O nosso comentário ao comentário:

Este lobo nem de batina se veste. Anda à descarada.





domingo, 23 de junho de 2013

Amigos de Olivença
contra «Acordo Ortográfico»


Moção aprovada na Assembleia Geral
do Grupo dos Amigos de Olivença
(22 de Junho de 2013)

Considerando:

1 – o carácter eminentemente patriótico do Grupo dos Amigos de Olivença;

2 – a preservação da identidade nacional como factor determinante da causa de Olivença e da própria sobrevivência da Nação portuguesa;

3 – a defesa da língua portuguesa como factor de preservação da cultura e da identidade nacionais;

4 – o atentado que constitui à língua portuguesa, e portanto à identidade nacional, e portanto à Nação, e portanto à causa de Olivença, o chamado «Acordo Ortográfico»;

a Assembleia Geral do Grupo dos Amigos de Olivença, reunida em 22 de Junho de 2013:

1 – repudia a adopção do chamado «Acordo Ortográfico» como grave atentado à língua, à cultura, à identidade nacionais e aos interesses da Nação;

2 – saúda e une-se às várias entidades individuais e colectivas da cultura portuguesa – dos mais variados quadrantes políticos – que têm desenvolvido um trabalho de esclarecimento sobre esse atentado à língua pátria;

3 – decide que o Grupo dos Amigos de Olivença não adoptará doravante esse instrumento antinacional em qualquer das suas publicações ou documentos.


Lisboa, 22 de Junho de 2013


aa) Heduíno Gomes, Carlos Consiglieri, Gonçalo Feio, José Dinis Marques, Raúl Oliveira e António Falé. Aos signatários juntou-se o Presidente da Assembleia Geral, Humberto Oliveira.