sábado, 20 de outubro de 2012

Tributar o pai, a mãe, o avô, a avó, o gato e o periquito


Pedro Santos Guerreiro

Não é apenas mais IRS. É mais tudo. Tudo o que mexe e tudo o que é inanimado. O destro e o canhoto. O que se tem e o que se perde. Quando rasteja e quando voa. Paulo Portas nunca pensou que acabaria a mandar tributar o pai, a mãe, o avô, a avó, o gato e o periquito do défice, que em 2004 atribuiu a Sousa Franco.
O aumento do IRS é avassalador, não apenas por causa da sobretaxa, mas através da redução do número de escalões do imposto. Essa redução faz sentido teórico: Portugal é dos países com mais escalões (oito, contra seis em Espanha, quatro no Reino Unido ou dois na Irlanda). Mas, na prática, é apenas uma forma encapotada de aumentar o imposto.

Para aumentar a tributação não há como fugir ao IRS e ao IVA, que geram quase dois terços das receitas fiscais do Estado. Estando o IVA já encostado ao máximo europeu (só a
Dinamarca
tem uma taxa superior, de 25%), ataca-se o IRS. A versão preliminar do Orçamento do Estado, a que vários jornais tiveram acesso na tarde de quinta-feira, poderá ainda ser alterada até ao raiar de segunda-feira, dia da apresentação final. Mas confirmando-se os novos cinco escalões, topa-se o nível dos aumentos. O olhar humano tenderá a olhar para os limites mínimo e máximo dos novos escalões e compará-los com os antigos. Mas é no "miolo" que está o que interessa. 43% de todo o IRS liquidado em Portugal (dados de 2010, apurados pela Deloitte) foi suportado por contribuintes com rendimentos entre 17.979 e 41.349 euros, sujeitos a uma taxa normal de 34,88%. Grande parte deles pagará agora 37% (novo escalão entre os 20.000 e os 40.000 euros).

Mas não são só as taxas. São as deduções específicas, as deduções à colecta, os
benefícios fiscais
. É o regime simplificado dos recibos verdes. É, nos outros impostos, taxas liberatórias nas rendas. O tabaco. O IMI, apesar do recuo na cláusula de salvaguarda. Este será o Orçamento mais extensivo de sempre, tributa quase à peça. É como se, além de tributar um sapato, tributasse a sola, a meia-sola, o salto, o couro e cada atacador.

Este é o lado A do Orçamento. O lado B é o do corte da despesa, que está por detalhar. Mas também aqui, é preciso olhar para os grandes números. A fatia de leão, já se sabe, são salários e prestações sociais. É assim que hoje ficamos a saber que ao corte de pensões e de ordenados na Função Pública, haverá também uma redução líquida dos subsídios de desemprego e de doença. E que 3% dos funcionários públicos passarão para o quadro de excedentários, onde receberão salário menor - antes de sair. Paga tudo, minha gente, em pé, deitado e acamado, activo, inactivo e emprateleirado.

O risco de tudo isto está mais do que diagnosticado: o aumento da economia paralela; e a espiral recessiva, em que se aumenta cada vez mais os impostos para uma receita cada vez menor numa economia progressivamente recessiva e repleta de desempregados. Até porque, se o Governo mantiver a sua previsão de quebra do PIB em 1% para o próximo ano, estará provavelmente a ser optimista.

É assim que, em Lisboa, se trabalha no problema financeiro e se dissimula o problema político. Mesmo sabendo que a solução está fora daqui. Está em
Berlim, em Bruxelas, em Frankfurt, em Washington, está até em Tóquio, onde decorre a reunião anual do FMI. Sim, FMI, o tal que diz que se enganou, afinal a sua prescrição falha... E vai fazer o quê? Brincar com o periquito?

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