quarta-feira, 17 de março de 2010

Pedro Passos Coelho,
o candidato a tomar conta de nós
(Parte 4)


Heduíno Gomes, militante n.º 7210 do PPD-PSD


















Sumário

1 – Enquadramento e apresentação do candidato
2 – A ideologia política e a política do candidato
3 – A visão da cultura do candidato

4 – O sistema de ensino do candidato

5 – A economia do candidato
6 – O desenvolvimento regional do candidato
7 – A visão social do candidato
8 – A concepção do Partido e da Jota do candidato
9 – O nível intelectual e político e o estilo literário da excelsa obra do candidato

4 – O SISTEMA DE ENSINO DO CANDIDATO
4.1 – Que condições para fazer uma abordagem séria do problema do ensino?
4.2 – Em que assenta uma abordagem séria do problema do ensino?
4.3 – Como fazem a abordagem os aprendizes de feiticeiros?
4.4 – O pedagogismo ou a destruição da pedagogia
4.5 – Servir o ensino e servir-se do ensino
4.6 – A qualidade do ensino
4.7 – A qualidade do ensino e a orgânica do sistema
4.8 – Ensino técnico a sério ou caixote do lixo do sistema de via única?
4.9 – A questão da moda de falar do ensino técnico – Lá falar, falam...
4.10 – O «problema de fundo» e o «problema central» do candidato
4.11 – A paisagem pedagógica de mediocridade onde se insere o candidato
4.12 – A influência no candidato da tese marxista da luta de classes na escola
4.13 – A não inocente bipolaridade do candidato
4.14 – Um traumatizadinho pedagógico, ‘tadinho!


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Não é que o tipo de abordagem que o candidato faz da educação e do ensino seja exclusivo seu. Infelizmente a sua abordagem é a comum entre a classe política, com uma ou outra muito rara excepção. Mas dado que o candidato está a ser objecto de estudo, não por mérito mas como exemplo pela negativa, o assunto merece aqui atenção.
Para definir numa única palavra o pensamento pedagógico do candidato teríamos várias soluções segundo o ângulo de observação: banalidade, superficialidade, desgraça, incompetência, charlatanice política... Efectivamente, a abordagem que faz não é séria.

Na classe política haverá quem não tenha desenvolvido suficientemente o tema mas que poderá aperceber-se de alguns problemas do ensino e de certos mecanismos para a sua solução. Nesta medida, arrisco dizer que essas pessoas representam a insuficiência em matéria de ensino. Em contrapartida, o candidato do Mudar é simplesmente o pedagogismo, a política socialista, a contradição, a confusão, o desnorte, o disparate. O candidato está completamente fora de um sistema sério. Se alguns, sendo a insuficiência, estão no sentido efectivo de mudar, o candidato do Mudar é afinal o continuar.
Podemos afirmar categoricamente que o candidato, quanto aos conceitos, no essencial, não difere da política socialista. Mas entre os «especialistas» socialistas (incluindo os socialistas laranjas) e o candidato existe um abismo: enquanto aqueles dominam a conversa da pseudociência das «novas pedagogias», o candidato não a domina apesar de se pôr em bicos dos pés.

4.1 – Que condições para fazer uma abordagem séria do problema do ensino?
A abordagem séria do problema do ensino exige conhecimento do que se fala. Mas os nossos políticos, na sua grande maioria, não estudaram o problema. É o caso do candidato. Ele não tem a mínima ideia do que é um sistema de ensino. Ele não percebe que o problema do sistema actualmente em vigor está na sua concepção e não em erros de percurso causados por algum ministro «menos competente». Ele não percebe que este sistema de ensino não é reformável porque, simplesmente, está errado nos seus alicerces e mal concebido. Ele não percebe que a causa da desgraça congénita deste sistema de ensino é obedecer a uma filosofia da educação errada. Contudo, o candidato acha que pode melhorar o sistema vigente com «pequenos sinais que têm reflexos imediatos» (p. 195), isto é, com uns remendos mágicos de efeito rápido. Por esta sua falta de perspectiva, a conversa do candidato ao longo das 22 páginas que dedica ao ensino é pura divagação, é conversa fiada de quem está a leste do assunto, tornando-se verdadeiramente dolorosa a sua leitura.
Depois, a abordagem séria do problema do ensino exige lucidez sobre o que se pode e pretende fazer com a educação e o ensino. Mas os nossos políticos, na sua grande maioria, são repetidores inconscientes das doutrinas pedagogistas que integram a ideologia dominante (politicamente correcta, esquerdóide, rousseauana, se não marxista), que apresenta a natureza humana de uma maneira deformada, que não conhece limites para a educação e que faz da didáctica uma espécie de bruxaria. É o caso do candidato.

Depois, a abordagem séria do problema do ensino exige honestidade intelectual do político. Mas os nossos políticos, na sua grande maioria, sem conhecimento e em ambiente hostil ao conhecimento, e sem fazerem qualquer esforço sério para estudar o assunto – e acabando por ir simplesmente, como vimos, na onda da ideologia dominante – «atacam» com todo o atrevimento um problema que desconhecem. E com plena consciência da sua inconsciência. Como se trata de um problema candente, mandam-se para a frente recitando uma colagem de frases pomposas, socorrendo-se do marketing para satisfazer a clientela eleitoral. É o caso do candidato.

E, finalmente, a abordagem séria do problema do ensino exige rigor no que diz. Mas, em todas estas circunstâncias, como podem os nossos políticos, na sua grande maioria, possuir rigor no que dizem?
Veja-se, por exemplo, esta pérola do candidato. Na parte sobre educação, propõe-se simplificar os programas, que entende demasiado carregados (falta definir em quê, falta saber se acha que os alunos aprendem suficientemente ou demasiado português, história ou matemática – enfim, ele acha que estão demasiado carregados) (p. 193). Mas no capítulo sobre o mar (assim denotando grandes horizontes – um pequeno D. João II dos dias de hoje), o candidato pretende incluir nos programas, como obrigatória, a «carta de marinheiro» e «ser opcional a aquisição de outras cartas, como a de patrão de costa» (p. 256)! O sujeito já não se lembrava do que tinha dito umas páginas antes! Além da contradição – que não admira vinda de quem não possui ideias assentes sobre as coisas, de alguém que apenas parla –, repare-se no disparate da inviabilidade prática de tal disciplina: os alunos sem mar e sem rios teriam de fazer os seus «estudos» na banheira. Isto é um simples exemplo do disparate ao longo não apenas dos capítulos sobre educação mas de todo o livro.

Quando se fala de ensino, fala-se também de educação. Que ensino em que educação? O ensino das letras, das ciências e das técnicas é parte integrante da educação geral, que deve incorporar ainda os valores da Civilização. Sem esses valores, a escola forma robots e não pessoas – é o que nos diz uma realista filosofia da educação. Sendo o ensino parte da educação, exige começar por definir uma filosofia para a educação. Para tal, o candidato demonstra não ter capacidade. Nem apetência, pois, em determinado momento, afasta a educação dos objectivos da escola (p. 192).

4.2 – Como se faz uma abordagem séria do problema do ensino?
Não cabendo aqui o desenvolvimento exaustivo da questão, eis alguns dos tópicos essenciais à compreensão do problema.
Que filosofia da educação? É a filosofia da educação, apoiando-se nas ciências auxiliares, nomeadamente a ética, a psicologia e a fisiologia, que define o género de vida bom para o ser humano, os valores e conhecimentos em que esse género de vida vai assentar, assim como os impulsos comportamentais e limites intelectuais dos educandos, e, portanto, os limites da educação. Cada indivíduo será exclusivamente produto do meio ou transportará uma história congénita ou mesmo uma carga genética que o condicionam na sua relação com o meio? Todos nascerão com a mesma vontade de se submeter às normas sociais? Todos nascerão com a mesma determinação para respeitar a moral? Todos nascerão com a mesma vontade de aprender, que é dizer vontade de entregar-se ao trabalho de aprender? Todos nascerão com a mesma inteligência? Todos nascerão com a mesma capacidade física de memorizar a informação que lhes é proposta? Todos nascerão com a mesma capacidade física de fixar a atenção nas matérias? Será possível ensinar a todos e ao mesmo nível igualmente as letras, as ciências e as técnicas? Que lugar para a pedagogia perante a natureza humana? Como encarar o pedagogismo?

Que nomenclatura do sistema de ensino? A nomenclatura do sistema de ensino não pode ser uma criação arbitrária de um «engenheiro social» ou de um tecnocrata, qualquer uma espécie de sábio louco. Ao contrário, tem obrigatoriamente de ser a estrutura, a aplicação prática em organização, dos princípios da filosofia da educação. Sem filosofia da educação clara não é possível estruturar correctamente o sistema de ensino. Ensino primário a sério, para aprender, para trabalhar, ou uma espécie de infantário ou «actividades de tempos livres»? Via única ou duas vias no ensino secundário? Em que ano escolar se deverá processar a bifurcação no ensino? Ensino secundário liceal de qualidade ou faz de conta? Ensino secundário técnico assumido, separado, rigoroso, prático, exigente e avançado ou caixote do lixo da via única do ensino secundário? Onde e como enquadrar o ensino artístico? Ensino médio assumido e rigoroso ou inflação de diplomas de doutores e engenheiros? Ensino superior para todos ou para os mais capazes? Para que servirá cada um dos graus e vias do ensino? Admissão automática ou selectiva a cada nível e via de ensino? Passagens de ano automáticas ou com exames sérios? Exames caseiros ou nacionais? Facilitismo ou exigência na avaliação? Programas ligeiros ou exigentes? Programas caseiros ou nacionais únicos? Escola unissexo ou preferencialmente separada por sexos? Qualidade em escolas privadas de grupos privilegiadas ou qualidade em todas as escolas, incluindo as públicas?
Que didáctica? Também a didáctica deriva da filosofia da educação. Por isso há que escolher entre a didáctica clássica, que deu provas práticas ao longo de milénios, e a didáctica modernista, que também já as deu, mas pela negativa. Que papel atribuir à compreensão na aprendizagem? Que papel atribuir à memória na aprendizagem? Que relação estabelecer entre a teoria e a prática na aprendizagem? Que papel atribuir ao esforço individual na aprendizagem? Manuais com matérias desordenadas e cheios de extravagâncias pseudo-didácticas e charadas ou manuais com matérias ordenadas, elevado nível didáctico, onde a razão e a clareza são rainhas? Manuais de baixo nível, cheios de erros científicos e de português, ou com um elevado nível formal e de conteúdos? Manuais de volume e cor e descartáveis, para servir o sanguessuga complexo pedagogico-industrial, em detrimento da economia nacional e das famílias, ou sóbrios e reutilizáveis para servir o ensino e a economia nacional e das famílias? Anarquia editorial ou livro único? Livro único escolhido entre comparsas do partido, ou de qualquer bando subterrâneo, ou com claros critérios de qualidade e por concurso público?

Que gestão? Quando se fala de gestão do ensino, não nos podemos ficar pela colocação de professores, pelo orçamento ou pela gestão das ementas da cantina. Mais: mesmo estes problemas não podem ser abordados em abstracto, pelo ângulo apenas técnico, como o faria qualquer cavaquinho ou tecnocratista de nova geração e dissidente do cavaquismo «clássico», como é o candidato. A gestão do sistema de ensino integra o sistema, tem de ser abordada como instrumento do sistema e terá de cumprir os objectivos do sistema. Existe uma quantidade enorme de aspectos logísticos do sistema de ensino e todos eles têm de ser vistos nesta perspectiva, pois todos eles têm consequências directas não apenas na administração do dinheiro e da papelada da escola mas também na necessária ordem interna, na disciplina, na educação moral e até na própria didáctica.

Eis, pois, algumas das questões fundamentais para fazer uma abordagem séria do problema do ensino e que exigem respostas claras. Mas elas ultrapassam tanto o candidato como a grande maioria dos políticos, incluindo aqueles que se apresentam como especialistas do respectivo partido. Contudo, sem estas questões fundamentais esclarecidas não pode haver contribuição positiva e de relevo para a solução do grande problema nacional que é o do sistema de ensino.

O candidato não seria obrigado a tratar todas estas questões em 22 páginas dedicadas ao ensino das 280 páginas do seu Mudar nem a recitar todos os princípios aqui enumerados. O problema, de longe, não é esse. O problema é que, para falar com conhecimento e não sair asneira primária, é essencial ter presente essas questões. O problema é que, ao longo do seu discurso pedagógico, o candidato revela não ter ideias claras sobre estes problemas. No que diz, transparece a ignorância dos problemas ou respostas não conformes à realidade. E daí decorre o permanente disparate.

4.3 – Como fazem a abordagem os aprendizes de feiticeiros?
O sistema de ensino vigente atingiu um tal descalabro que se tornou chique criticá-lo. Mesmo aqueles que, nas entrelinhas, o preconizam, hoje dele se «demarcam» formalmente. Até já se ouviu na televisão o avô do sistema, Veiga Simão, criticar os seus resultados desastrosos... mas, lamentou-se ele, por insuficiente aplicação! Ele pretende ainda mais disparate! Com umas variantes da «demarcação» simãonista, é o caso do candidato

Não dominando as questões fundamentais do ensino e muito menos da educação, os políticos que temos, mesmo os da dita «direita» ou «centro», apenas repetem nos seus discursos os disparates dos socialistas (populismo, igualitarismo, facilitismo e pedagogismo) ou dos sindicalistas (preguiça, carreiras, interesses corporativos egoístas; e alguns também pedagogismo). Por isso apenas podem produzir discurso tonto ou oportunista.

São, na generalidade, uns aprendizes de feiticeiros. São uns palradores do vazio: como profissionais da política colocados perante um problema tão candente, têm de dizer qualquer coisa, caramba! Então dizem... Têm umas frases feitas, pomposas, baseadas na linguagem corrompida das pedagogias socialistas e anarquistas, aparentemente profundas, aparentemente pedagógicas e aparentemente sociais mas que, aos olhos de qualquer pessoa minimamente iniciada no assunto, surgem como palha eleitoralista para o povão e, na prática, como anti-educação e factor de desqualificação para o próprio povão, que dizem defender. É lamentável e grave que assim seja para os Portugueses e para Portugal como nação. Mas é assim.
Perante a catástrofe em que se encontra o sistema de ensino, o candidato desenvolve uma pomposa teoria sobre o melhor caminho para mudar as coisas e recomenda a intervenção «segmentada e pontual» (p. 195). Ora vejamos.

Obviamente que um plano de mudança total de sistema exige um certo tempo de implementação generalizada e, para isso, em anexo, um plano de transição. Mas o que o candidato faz perante esta complexidade é apresentar apenas umas medidas pontuais, aliás quase sempre disparatadas. E mesmo que o não fossem, mesmo que fossem acertadas em abstracto, não constituiriam plano nenhum de transição nenhuma, pois o actual sistema não é pelo candidato posto em causa: permanece como aceitável desde que melhorado com a tal intervenção «segmentada e pontual». Não dirá ele que «o sistema tem de ser mais exigente» (p. 191, sublinhado meu)? Pois é, ele aceita o sistema. Terá é de ser mais exigente...
O candidato nem tem a consciência daquilo para que serve a escola. Num local incumbe a escola da função de «transmitir um conjunto de valores» (p. 177). E mais adiante, afinal, não é bem assim: «As escolas têm como primeira função, menos a de socializar e educar que pertence em primeira instância à família, e mais a de transmitir conhecimentos» (p. 192, com construção da frase e pontuação de palmatória aqui escrupulosamente respeitadas).

Nunca pondo em causa o actual sistema de ensino, e naquela fase de o gabar (certamente por corresponder aos seus ideais socialistas-democratas) e ao mesmo tempo de o criticar (como já vimos, por não ser tão exigente como o candidato o desejaria...), escreve o candidato que «as pessoas passaram, apesar de tudo, a estar mais dentro do sistema escolar, mas isso não as ajudou a saber pensar melhor, a exprimirem-se melhor, a adaptarem-se melhor ao mundo que as rodeia, dentro do processo de socialização colectiva» p. 179). Melhore-se o sistema, portanto.
Socialização ou sociabilização? Ele atinge a diferença?
Colectiva? Existirá socialização ou sociabilização individual?

Este é apenas mais um exemplo típico de quanto o palavreado do candidato, além de oco e postiço, vai desembocar na aceitação «melhorada» do actual sistema de ensino.

4.4 – O pedagogismo ou a destruição da pedagogia
O pedagogismo do candidato está implícito na sua transigência com o sistema pedagogista em vigor, na não denúncia total deste, nas banalidades sergianas e também na utilização daquela linguagem típica dos «novos pedagogos», em que, pretensiosamente, substituem as palavras correntes do vocabulário pedagógico por sinónimos supostamente mais profundos, como «competências» (p. 191) ou «saberes» (p. 194). Bebendo o palavreado da linha pedagogista e populista, o nosso candidato fala de «novos saberes» (p. 178), «transmissão de saberes» (p. 192, etc.), etc., em frases dignas de Monsieur de La Palisse, como esta: «Toda a emergência de novos saberes que depois fariam a modernidade do século XX, não medraram em Portugal para além de uma elite.» (p. 178; a pontuação errada da frase está no original da obra do candidato e foi também escrupulosamente respeitada).

(Entre parênteses, gostaríamos de saber em que sítio do mundo é que os maiores conhecimentos irão além das elites. O que fará ser elite? Como se definirá elite? Ele não sabe e, portanto, deve ir ao dicionário.)

Mas o pedagogismo também está explícito nos conceitos do candidato quando ele apresenta certas propostas para o ensino.
Em vez de uma escola de trabalho e esforço, ele quer uma escola hedonista e lúdica e lamenta-se por ela assim não ser: «Para grande parte dos estudantes, as escolas, diga-se com franqueza, são um aborrecimento.» (p. 192). Pelos vistos, ele e as vítimas da opressão acham que há ainda pouca festa! E, em vez de uma escola com metas a atingir nos programas, em vez da necessária didáctica, o candidato-pedagogo prefere a escola da chamada «criatividade» (p. 193), isto é, a escola anarquista que resulta inevitavelmente sem objectivos concretos na aprendizagem, sem método e sem resultados.
Que tem o candidato-pedagogo a apontar ao actual ensino – que é de via única e tipo liceal berucha de terceira categoria e que supostamente substituiu as duas vias do antigo, que era de primeiríssima qualidade e de duas vias? Diz o candidato que o actual ensino é «livresco» e «académico». (p. 188-189). Académico? Quererá dizer academista, abstracto ou quê? E continua a recitação da cartilha sergiana de... «repetitivo» (p. 192-193). Ou seja, aquelas mesmas patacoadas escritas por António Sérgio em 1939, que eu li aos 18 anos, no princípio dos anos ’60 do século passado, de que me curei, e, já curado, voltei a ouvir da boca do fanfarrão Ministro João de Deus Pinheiro, em 1986, na Secção A! No referencial do laranjal oficial, o candidato ainda vai em 1986, isto é, na pedagogia cavaquista, o que é dizer primária. Com estas críticas neopedagógicas, o candidato omite as verdadeiras críticas a fazer ao actual sistema de ensino.

4.5 – Servir o ensino e servir-se do ensino
O candidato também atira umas flores aos professores aproveitadores (não haverá?), que fazem uso de todos os estratagemas, incluindo a defesa das «novas pedagogias» ou a invocação da real falta de ordem na escola, para passar o tempo sem trabalhar com os alunos (é a sua maneira cómoda de se oporem ao sistema...). Para não trabalhar, preconiza o candidato, como meio de salvação do ensino, a chamada formação «adequada, contínua» (p. 181) dos professores, isto é, a perda de tempo dos professores pago pelo Estado. Preconiza igualmente uma «mobilização nacional de recursos» para «adopção de processos especiais e extraordinários de formação de professores» (p. 194).
Ora o problema do ensino está muito longe de ser o da formação ou não formação de professores. Em princípio são todos licenciados na sua área de ensino e portanto conhecem as matérias. O problema dos professores começa no ensino primário dos seus alunos. Depois, o problema dos professores consiste em disporem de bons programas, bons manuais e bons livros de apoio (anexos a cada manual) para para poderem trabalhar correctamente com os seus alunos. O problema dos professores prolonga-se pelo secundário, precisamente por onde o candidato não quer, que é a separação do ensino em duas vias, onde cada aluno deveria estar na via a si apropriada.
Isto é que é o fundamental sobre problemas de professores: haver um sistema correcto, realista e funcional. E depois uns coloquiozitos e caldos de galinha pedagógica não fazem mal a ninguém. O resto faz a veia de professor com que cada um nasce – ou não. Nunca será uma escola superior de pedagogia, nem nenhuma formação «adequada, contínua», nem nenhuma «mobilização nacional de recursos», como pretende o candidato, que transforma um papagaio amorfo, que repete, num professor magistral, que explica claramente e agarra a atenção dos alunos. Sempre houve e sempre haverá professores destes géneros (e também alunos com uma atenção que não se deixa agarrar por nenhum professor, mesmo que magistral!).
Aquilo de que os professores conscienciosos (também há!) precisam não é de cursos nem cursilhos ministrados por umas pedagajas (excepcional neologismo criado por um professor de Coimbra cujo nome ignoro e a quem aqui presto a minha homenagem pelo seu poder de síntese) do Ministério, armadas em grandes sabedoras de pedagogia e didáctica mas na realidade destruidoras de toda a pedagogia e muito em especial da didáctica. Aquilo de que os professores precisam é de ser actores respeitados num sistema de ensino organizado de alto a baixo, com pés e cabeça, de programas bem estruturados, de bons manuais para os seus alunos. E de autoridade e ordem na escola!
O que o candidato do Mudar preconiza é apenas mais do mesmo, isto é, a disponibilização de mais fundos para a indústria pseudo-pedagógica do faz-de-conta, o complexo pedagogico-industrial que domina o sistema de ensino e o corrompe.
Esta monstruosa dilapidação de fundos e meios também não é inocente na cabeça do candidato: com essa tal «mobilização nacional de recursos», ele pretende criar a sua clientela dentro do complexo pedagogico-industrial, comprar para o seu bando político os caciques do sistema, os barões da nomenklatura, os sindicalistas encostados ao sistema e toda a espécie de sanguessugas do complexo pedagogico-industrial, sempre espreitando o orçamento de Estado e nunca proporcionando qualquer benefício educacional ao País.
A aspiração ao poder sem princípios permite tudo isto.
Quem paga? – Os contribuintes.
Quem se trama? – O País e os alunos.

4.6 – A qualidade do ensino
Mesmo para aqueles que há 25 anos tenham ignorado ou atacado o programa de Mota Pinto para o PPD-PSD, que incluía a educação, torna-se hoje obrigatório falar em «qualidade da educação» (p. 177). Está à vista, não é? Agora já fica bem falar, não é?
Há 25 anos, o candidato ainda era pequenino mas depois alinhou sempre com esses fala-barato da pedagogia cavaquista. É verdade que apresentava umas divergências mas não pelas melhores razões, que eram quase sempre de natureza sindicalo-juvenil ou de remendos, estapafúrdios ou não, no sistema cavaquista. E agora bota no seu suposto Mudar exactamente do mesmo, isto é, a visão tosca do cavaquismo sobre o ensino e a sua qualidade. Aliás, ouvir hoje Cavaco falar em qualidade da educação daria vontade de rir se não fosse trágico. Tal é a calamidade a que se chegou e tal é a descarada falta de pudor desse responsável de 10 anos de maioria absoluta pela situação presente!
Ao abordar a qualidade da educação, o candidato começa por dizer que ela «enfrenta um problema de fundo» (p. 177). E qual será esse problema de fundo para o perspicaz analista? Money, money, money. Eis o transcendente problema de fundo do sistema! O complexo pedagogico-industrial aplaude.
Aliás, o candidato fala sistematicamente do ensino como «área social». Se ele falasse das ciências da educação como ciências sociais, tudo bem. Se ele se referisse à educação como ciência social destinada a formar as elites, os quadros e os exércitos de trabalhadores para construir a Nação, tudo bem. Mas o candidato inclui a educação e o ensino na «área social» como uma espécie de salário mínimo garantido ou décimo quinto mês, de coisa «social» a servir ao pagode para caçar votos.
Como acontece ao longo do livro, a visão que o candidato tem das coisas do ensino varia de página para página. No que diz respeito à qualidade do ensino, reconhece que se vive uma «ilusão absurda» (p. 180 e seguintes). Mas depois diz o contrário: «Não sou dos que partilham a ideia passadista de que o país está pior, em matéria de educação. Não está.» (p. 187; a pontuação errada da frase e o erro ortográfico em País – julgando na perspectiva «passadista», claro, talvez mesmo fascista – estão no original da obra do candidato e foram, mais uma vez, escrupulosamente respeitados). O candidato dá repetidamente provas de falar por obrigação da sua agenda política pessoal e não por consciência, sem se lembrar do que disse antes, porque não o sentia. E o chavão passadista não passa de um frasco de verniz progressista.
Voltando àquelas deliciosas páginas onde o candidato se enganou e acha que o ensino não tem qualidade, temos ainda dois interessantes aspectos a apreciar.
O primeiro é o da relação entre o ensino nas escolas públicas e o ministrado nas escolas privadas para haver qualidade de ensino. Achará ele que é preciso definir concretamente um sistema único de qualidade e exigir a cada um dos sectores, público e privado – que devem antes ser complementares na cobertura escolar –, que cada um deles concretize escrupulosamente esse sistema único de qualidade? Não. A sua veia liberalóide primária vem ao de cima e proclama a bondade da... «concorrência»! (p. 182) A concorrência entre os dois sectores é apresentada como uma espécie de «Espírito Santo» no altar que é o mercado! Muito primário e próprio de quem não tem a mínima ideia do problema e das necessidades do País. Confundir a normal concorrência entre universidades com a concorrência entre sectores do ensino secundário ou primário é de quem não tem a noção da realidade e uma ideia para o País.
O segundo aspecto que merece ser apreciado quanto ao caminho para haver qualidade de ensino é a ideia do candidato criar uma «agência de regulação» (p. 183-184). Ora, como se sabe, já existe uma inspecção no Ministério. Claro que os inspectores desta inspecção inspeccionam segundo os modelos definidos pelo sistema em vigor. O que iria fazer essa genial «agência de regulação» senão inspeccionar segundo os modelos definidos pelo sistema em vigor? O pobre não percebe.
Mas aqui surgem mais duas contradições do genial arquitecto do Estado em geral e do sistema de ensino em particular. A primeira contradição é que ele, queixando-se de «macrocefalia» (p. 179) do sistema de ensino e do Estado (lá iremos), está a preconizar a criação de mais um encéfalo (a verdade é que existe de facto macrocefalia nuns aspectos e microcefalia noutros). A segunda contradição é ele apresentar-se como aquele reformador do Estado, a dizer que o vai reduzir, e afinal quer criar mais uma «agência», isto é, mais um lote de burocratas-pedagogos, e ainda por cima em duplicado, como vimos.
Na realidade, o candidato não vê nenhuma falta de qualidade propriamente no sistema – apenas uns pormenores, uns erros de governação de uns ministros insensatos.

4.7 – A qualidade do ensino e a orgânica do sistema
O candidato quererá uma ou duas vias no secundário? Qualidade com uma única via, mas como?
Diz ele que «o sistema tem de ser mais exigente» (p. 191). Mas como poderá um sistema ser exigente tendo uma via única, onde, lado a lado, na mesma carteira (perdão, mesa, porque carteira é fascista!), com os mesmos programas e grau de exigência, podem estar um dotado para a abstracção e um para a vida prática, um trabalhador e um preguiçoso, um inteligente e um burro? Como quererá ele formar ao mesmo tempo, na mesma panela, gente para os laboratórios de investigação e gente para «'sujar' as mãos» (p.194)? Como será possível ter um ensino de qualidade sem ter o secundário separado em liceal e técnico, implicando isto um liceal de alta qualidade e um técnico de alta qualidade?
O candidato não percebe que esta questão central – que é a desigualdade natural de capacidades intelectuais e manuais – nunca poderá ser solucionada na base do sistema unificado, com medidas administrativas, reduzindo as matérias (p. 192-193) e outras idênticas. Ele não percebe que esse problema apenas se pode resolver com uma estrutura apropriada à realidade humana dos alunos, que é o do secundário dividido em duas vias. Ele não percebe que é preciso ir ao fundo da questão, isto é, estabelecer uma via liceal a que apenas os mais dotados para a abstracção tenham acesso, com a qual é possível preparar a um alto nível os que vão entrar na universidade; e, igualmente, estabelecer uma via técnica, a que os dotados para a vida prática tenham acesso, mesmo que limitados para a abstracção, com a qual é possível preparar bem os que entram na vida prática da agricultura, das indústrias ou dos serviços.
Caso assim não se faça, caso se misturem as duas vias numa única, é-se inexoravelmente obrigado a descer o nível dos estudos e o grau de abstracção – e assim a prejudicar a preparação daqueles que vão para a universidade – e, ao mesmo tempo, a não levar a sério o ensino técnico – e assim a prejudicar a preparação daqueles que vão mais cedo para a vida prática.
Queixa-se o candidato do grande insucesso escolar e da elevada taxa de abandono (p. 179). Pudera que assim não seja! Ele não percebe que o ensino actual, estando já abaixo da linha de água para a universidade, ainda é demasiado abstracto e demasiado exigente para a grande maioria da população escolar, além de ser nulo quanto à preparação técnica profissional. Que pretende o candidato fazer para solucionar este problema? Manter «progressistamente» os dois ramos fundidos e baixar ainda mais a exigência? Ou separá-los e dar a cada um a sua especificidade e maior exigência?
A separação das duas vias no ensino secundário é imprescindível para que cada uma delas possa atingir cabalmente o objectivo próprio.
Entretanto, deverá haver possibilidades de transferência do ensino técnico para o liceal? Claro que sim. Porque uma opção de via num momento da vida pode não ser a mais ajustada ao aluno. Mas não se pode fazer «equivaler» coisas que são completamente diferentes. Uma transferência deverá ser feita com a preparação das disciplinas pelo transferido e submissão a exames exactamente iguais aos dos alunos do ensino liceal. Nesse processo, quando se admitirem equivalências, estas terão de corresponder às mesmas matérias, para não serem equivalências fictícias. Por isso mesmo é que, já no Estado Novo, era possível, com exames normais no liceu, passar do ensino técnico para o liceal, e não no sentido inverso, dada a exigência prática do ensino técnico. A transferência neste sentido tem esta complexidade mas, sendo um problema real, deve, em geral, ser igualmente viabilizada para proporcionar aos alunos que dela necessitem essa possibilidade. Porém, isto deve ser feito salvaguardando sempre o princípio das equivalências reais.

4.8 – Ensino técnico a sério ou caixote do lixo do sistema de via única?
A existência de um ensino técnico generalizado, actualizado e com equipamentos de laboratórios e oficinas de ponta, e respondendo integralmente às necessidades das actividades económicas do País, é a única forma de qualificar profissionalmente a grande maioria dos jovens, de garantir postos de trabalho para todos e de construir uma economia próspera.
Assim estamos a falar de um ensino secundário técnico a sério, de um ensino técnico assumido, separado do liceal, rigoroso, exigente e avançado, e não do caixote do lixo da actual via única do ensino secundário. Estamos a falar de um ensino secundário menos desenvolvido do que o liceal nuns aspectos e mais desenvolvido noutros.
Mas os políticos charlatães (que falam de ensino sem saber do que falam), ou os politicamente correctos (não se dê o caso de lhes chamarem fascistas, elitistas, etc.!), ou os progressistas (que são genuinamente igualitaristas), não falam assim do ensino técnico. Como o candidato, falam de um modo vago, de um ensino «profissionalizante» que não chega aos calcanhares do ensino técnico profissional de que Portugal precisa. O candidato e os seus colegas de pedagogia preconizam afinal um ensino técnico de terceira categoria, o caixote do lixo actual sistema, onde vão parar os piores alunos, os sempre inadaptados apesar do abaixamento táctico e calculado da exigência científica.
Diz o candidato que o ensino profissional (técnico) foi tornado «marginal» (p. 188). «Marginal» ou completamente liquidado? São coisas diferentes e a afirmação do candidato significa que considera que existe ensino profissional embora tornado «marginal». A sua guerra é, pois, desmarginalizá-lo.
O que é necessário fazer, 40 anos depois da sua liquidação, é a restauração do ensino secundário técnico em toda a sua plenitude, devidamente actualizado, e não colocar no presente sistema umas máscaras de ensino técnico baptizadas ilusoriamente segundo as conveniências da classe politico-pedagógica.
Afastando-se da questão candente, que é o ensino secundário técnico a sério, o candidato pretende impressionar os leitores, naturalmente inadvertidos sobre a matéria, com brilhantes referências ao «ensino politécnico superior» (p. 189 e 190). O ensino politécnico superior é outra guerra e o candidato está a confundir técnico com politécnico. Rima mas é diferente. Mais uma confusão que deve desfazer. Diz ele também que «O ensino politécnico superior seria assim complemento natural do ensino técnico profissional» (p. 189) e que este ensino deveria recrutar professores na «área empresarial» (p. 190). Na realidade, o ensino secundário técnico deve ser continuado, com a devida selecção, mas é com o ensino médio (também sacrificado pela chamada «democratização do ensino»).

4.9 – A questão da moda de falar do ensino técnico – Lá falar, falam...
Mais de 25 anos depois de, no projecto de Carlos Mota Pinto para o PPD-PSD e para Portugal, estar contemplada a restauração do ensino técnico, surgem agora uns «lúcidos» a falar do assunto. Lá falar, falam. Mas não é a mesma coisa.
Durante o IX Governo («bloco central», 1983-1985), o Ministro José Augusto Seabra, com quem falei sobre o assunto, chamou publicamente a atenção para a necessidade de haver ensino técnico, e efectivamente abriu umas janelas, criando uns cursos alternativos pontuais. Mas o sistema igualitarista unificado permaneceria na sua essência e na sua dimensão nacional. É que Seabra, num governo de coligação com os socialistas e, mais grave ainda, sem o apoio dos «pedagogos» do seu próprio partido, não tinha condições políticas para fazer mais do que levantar o problema. O grande mérito de Seabra foi a pedrada no charco dos igualitaristas unificadores da escola Veiga Simão, não apenas instalados no PS mas também no PPD-PSD e até no CDS, denunciando a liquidação do ensino técnico e a necessidade da sua existência. As ideias socialistas sobre pedagogia, tal como hoje, atravessavam todos estes partidos.
A restauração do ensino técnico representaria um choque político grande e, para ser concretizada, exigiria condições políticas. As condições políticas para a real mudança surgiriam apenas com a primeira maioria parlamentar de Cavaco. Contudo, este complexado do ensino técnico, com o obscurantismo que o caracterizava, opunha-se-lhe (ver a este propósito, por essa época, uma elucidativa entrevista do primário pedagogo de Boliqueime ao Expresso).
Ora, quando o candidato escreve no seu Mudar que o ensino técnico foi «retomado» por Seabra e «julga» que este «retomou aquele tipo de ensino num governo PSD» (p. 188), não sabe do que fala, quer quanto aos factos, quer quanto à substância. Fala-barato. Ao menos poderia ter perguntado ao padrinho Ângelo Correia, que acompanhou a questão.
Perante a intoxicação geral esquerdista, em Portugal e no próprio PPD-PSD, na questão da pedagogia, como aliás noutras questões, foi planeado, em 1984, no âmbito do Partido, para começar, promover um seminário sobre educação. O objectivo do seminário era (1) estabelecer um contacto de proximidade com os intervenientes e interessados do Partido na área do ensino, (2) proporcionar-lhes doutrina (3) e organizá-los, tendo em vista poderem enfrentar o esquerdismo nas escolas, na política e no próprio PPD-PSD.
Como reagiram as forças do sistema Veiga Simão instaladas no interior do PPD-PSD? Como reagiram os «especialistas» em educação? Como reagiu o gangue da «Nova Esperança», em guerra aberta por tacho contra o Presidente Mota Pinto? Como reagiu a ala esquerda do Partido, instalada no Expresso? Em coro, ao mais baixo nível moral e intelectual, contra qualquer mudança de orientação pedagógica.
Morre Carlos Mota Pinto e vem o cavaquismo com o seu estendal de fantasias dos Deus Pinheiro, Roberto Carneiro, Manuel Ferreira Patrício, David Justino, Pedro Lynce, e, nos infantis e juniores, a apoiar os seniores, os Carlos Coelho, os Passos Coelho (conhecem?), etc. Diga-se de verdade que o cavaquismo apenas prolongou o que já vinha de trás no PPD. Veja-se o Programa de 1974, que nada o honra, ou a política de educação dos governos da AD.
E hoje aí estão a dizer que o ensino técnico faz falta!
Ah! Afinal faz! Mas qual?
Um «ensino técnico» para os cábulas, débeis mentais, desinseridos ou anti-sociais?
Um «ensino técnico» igual ao actual sistema de via única com um remendo de separação no 12.º ano, como preconiza o candidato (p. 189), isto é, o caixote do lixo do actual ensino secundário?

4.10 – O «problema de fundo» e o «problema central» do candidato
Entretanto, o chamado «problema central» do ensino descrito na página 179 já não é o mesmo «problema de fundo» da página 177. Afinal, as causas da desgraça, que eram de dinheiro, tornam-se uma questão de administração e de truques de gestão: «problema central na área educativa continua a ser a centralização excessiva tanto ao nível das políticas do Estado como da gestão do edifício educativo.»
Como qualquer tecnocrata, o candidato não identifica os problemas do sistema de ensino na sua concepção, e nomenclatura, decorrentes, como vimos, da filosofia da educação, mas na própria gestão! Não vê problemas na má produção do centro, o Ministério, derivada da esquerdista e anarquista filosofia da educação, e consequentes nomenclatura e pedagogias, mas na existência do centro! Não distingue aquilo que tem de ser central, único e uniforme – e bom! – daquilo que pode e deve ser descentralizado, como o recrutamento de professores, a manutenção do parque escolar ou a gestão diária de uma cantina!
Em vez de um sistema nacional de ensino de qualidade, o candidato defende a autêntica pulverização das escolas e programas ao sabor das forças locais. Ele recorre ao estafado, localista e parolo argumento da «natureza da região» ou conveniência do ensino «de incidência mais local» (p. 197) para justificar a anarquia e fugir aos programas únicos nacionais. Já estamos a imaginar o delegado dos bombeiros, o sargento da Guarda ou o presidente do comércio local a propor que, em vez de Voltaire, se estude Diderot ou vice-versa. Ou que a história da Batalha de Aljubarrota seja substituída pela história do artesanato local. Ou que qualquer matéria científica seja substituída pelo fabrico de alguidares de barro ou de plástico – naturalmente conforme a «incidência mais local». Infelizmente isto não é uma caricatura! As decisões pedagógicas são postas nestes termos, nas mãos das forças locais, pelos idiotas (férteis em ideias) dos «especialistas» de educação da equipa do candidato, como Pedro Duarte.

Mas que diz concretamente o próprio candidato? Ele é prudente nas palavras mas claro. Ele preconiza «alguma autonomia para compor os seus programas» e «na maneira como os programas são ministrados», falando mesmo em «carta de alforria» das escolas (p.196). E naquela sua linha bipolar do diz e desdiz, para agradar a todos, perante «alguma» tamanha cavalidade, acrescenta que o disparate deve acontecer «dentro de determinadas balizas» (p. 196). Ora bem, raramente se subverte tudo de repente. Normalmente, as coisas começam a subverter-se «dentro de determinadas balizas» que, progressivamente, vão sendo alargadas.

4.11 – A paisagem pedagógica de mediocridade onde se insere o candidato
Sempre considerando as raras e lúcidas excepções, existem, pois, dois tipos de políticos que vêm a terreiro falar de ensino: aqueles que se encontram completamente fora de um sistema realista, isto é, aqueles que estão integrados no sistema vigente, pretendendo «melhorá-lo», e aqueles que, na melhor das hipóteses, possuem uma visão insuficiente dos problemas, mas no sentido positivo.
Entre nós, ao longo de décadas do século XX, contribuíram para a formação de uma ideologia pedagógica desastrosa, que continua dominante e influencia os políticos, uns tantos teóricos e políticos, dos quais alguns já publicaram calhamaços de fantasias, limitando-se outros a ocupar um lugar privilegiado na imprensa com artigos de opinião. No lote dos que influenciaram a situação encontramos, já nos anos '30 do século XX, o clássico António Sérgio e o próprio camarada Álvaro Cunhal. Depois temos outros comunistas, destacando-se Rui Grácio e Rogério Fernandes, o marcelista Veiga Simão e os seus pupilos. Nestes, além dos já referidos cavaquistas, temos ainda Vítor Crespo (PPD-PSD), Amaro da Costa (CDS) e Marçal Grilo (PS), isto para citar os mais emblemáticos. Também o eterno antifascista António Barreto continua a pensar da maneira em que ficou condicionado com o Rumo à Vitória de Cunhal e, em artigos, discursos e guiões para televisão, participa na festa do «ensino democrático». A única coisa que entre eles pode variar é a jactância externa com que apresentam o disparate, na qual Roberto Carneiro, imbatível, consegue superar Deus Pinheiro, o que não é fácil. Porque, por dentro, todos possuem um enorme orgulho em terem descoberto a «pedagogia sem custo» e canudos de doutor para todos, uma espécie de pólvora sem fumo da engenharia social.
Atrás desta verborreia pedagógica, sem perceberem nem quererem perceber patavina do que têm à frente, vêm os políticos, que sorvem essa literatura em diagonal para, com umas frases pomposas, botarem figura de políticos polivalentes, mesmo de especialistas em educação. Certos políticos até já escreveram livros dando algum destaque ao ensino, como o candidato e Marques Mendes (do qual as más línguas acusam o candidato de ter copiado... mas o quê de bom?!); e outros ainda não escreveram, como o cadete do PPD-PSD Pedro Duarte (do grupo do candidato, porta-voz do Grupo Parlamentar do PPD-PSD para a educação e quiçá futuro ministro da educação da III República num governo presidido pelo candidato). Um tal político, o Cavaco, enquanto Primeiro-Ministro, até pronunciou discursos piedosos sobre a educação – e continua!; outro, o Guterres, apaixonou-se mesmo loucamente por ela; e outro, cujo nome nem pronuncio, inventou o Magalhães. Veja-se o estado em que, à responsabilidade destes crânios, se encontra o ensino. Pode imaginar-se assim o estado em que o candidato o irá deixar ao pretender continuar no mesmo sistema.
O candidato insurge-se contra a «batota» do facilitismo (p. 180). Pena é não referir o maior batoteiro de todos os tempos do sistema – se é que os outros não são subjectivamente iguais –, o maior manipular de estatísticas, aquele Ministro da Educação de Cavaco que «resolveu» o problema do insucesso escolar oferecendo às criancinhas do ensino primário pacotinhos de leite embrulhados em instruções aos professores para não as chumbarem na primeira e terceira classes: o famoso Roberto Carneiro, de postura ainda mais sábia do que o candidato!

4.12 – A influência no candidato da tese marxista da luta de classes na escola
No seu heróico esforço de ligação às massas populares, o candidato prossegue criticando o ensino do Estado Novo, e diz que «Durante muito tempo ficámos embaraçados com o elitismo que rodeava e ensino» (p. 187). O candidato «do povo» vai mais longe retomando a tese marxista da escola como instrumento da reprodução das classes sociais, e lança-nos o grande alerta contra o ensino «passadista»: com o ensino secundário com duas vias «tendia-se (...) a reproduzir as assimetrias e as desigualdades sociais» (p. 188). Claro que esta patetice só pode ser copiada do Álvaro Cunhal, mesmo que por interposta pessoa, ou de outro Álvaro Cunhal qualquer. O candidato é que ficou embaraçado à espanhola pelos ouvidos sobre o ensino do Estado Novo. Mas a seguir, poucas páginas depois, já quer que haja gente para «'sujar' as mãos» (p. 194)!
Vá lá a gente saber o que é que o candidato afinal quer, se ele ora larga uma laracha populista, ora sulista e elitista.
Um pormenor interessante é, tal como o intelectual do cavaquismo Pacheco Pereira (neste torna-se mais grave por ser o intelectual-rei no meio de cegos do Cavaquistão), o candidato não distinguir «socialização» (p. 179) e «socializar» (p. 192) de sociabilização e sociabilizar. Ou será mesmo que estes dois produtos do cavaquismo advogam a socialização democrática das criancinhas na escola? É que se não conhecem a diferença e engolem em seco esta manipulação de linguagem dos marxistas incultos, têm de ir ambos ao dicionário. Se conhecem e gostam, então devem definitivamente curar-se do socialismo (democrático!).
O candidato manifesta ainda o seu lado socialista ao condenar expressamente as duas vias no ensino secundário por provocarem «assimetrias» e «desigualdades sociais» (p. 188). Mas logo a seguir lamenta-se de não haver ensino técnico, embora à maneira dele, que é assim uma coisa que não é nem carne nem peixe. E volta a lamentar-se (p. 189). Parece criticar o facto de se pretender fazer um país de doutores e logo a seguir lamenta-se de Portugal não os ter. E confirma esta absurda ideia do «estigma social» quando não se é doutor (p. 189).
Ele oscila assim entre o socialismo e aquilo a que populistamente se chama «elitismo», sem se perceber em que ponto afinal cai. Mas de uma coisa sabemos: a esta confusão de palavreado corresponde na prática um sistema de ensino de matriz socialista. E sabemos bem como este sistema ajuda os pobres à maneira socialista: destruindo o natural, inventando pseudo-soluções e agravando ainda mais a situação dos que já estão mal ou pior, que são sempre os mesmos.

4.13 – A não inocente bipolaridade do candidato
Feitas as contas, verifica-se que o candidato é clinicamente bipolar: ora tem uma opinião ora tem outra. Claro que esta alternância não é inocente. Com isto, ele pretende agradar a todos, pretende que toda a gente se reveja minimamente no seu catálogo de opiniões.
Eis aqui um curto extracto do seu catálogo de propostas e opiniões com a respectiva alternativa polar contraditória.
O ensino abrilista não presta.
– Mas o ensino abrilista é bom... pelo menos tem aspectos bons em relação ao «passadista».
A escola serve para educar, para transmitir valores e «socializar» (já sabemos, ele queria provavelmente dizer sociabilizar...).
– Afinal a escola serve é para transmitir conhecimentos.
Os programas estão demasiado carregados, é preciso simplificá-los.
– Aos programas devem juntar-se a carta de marinheiro e mais umas opções como patrão de costa.
Os programas devem ser nacionais.
– Os programas podem ser locais, autónomos.
Deve haver ensino profissional.
– Deve haver via única no secundário.
Deve elevar-se a exigência.
– Tem de manter-se o nível possível na via única.
Deve proceder-se a uma reforma profunda.
– Os remendos resolvem.
O problema de fundo é o dinheiro.
– O problema central é a centralização.
Devemos desburocratizar o País.
– Vamos admitir mais uns burocratas no Ministério da Educação.

4.14 – Um traumatizadinho pedagógico, ‘tadinho!
Um dos factores que contribuíram para a especialização do candidato em ciências pedagógicas, segundo a sua autobiografia precoce, foi ter passado por um colégio de freiras. Diz ele: «Não gostei nada daquilo, do ambiente, dos medos que incutiam às crianças, monstros, diabos, infernos» (p. 31).
Com monstros na história, será que ele esteve mesmo num colégio católico? Ou terá sido num colégio pagão, de bruxaria, do género daquele colégio do Herry Potter? Caso a averiguar.
Mas partindo do princípio de que os monstros são fruto da já precocemente fértil imaginação do candidato, revelam-se assim dois novos campos em que é prodígio. Um é do campo da teologia: o candidato está preparado para rever a Bíblia e modernizá-la, retirando de lá o Diacho. O outro é do campo da psicologia: os medos devem ser banidos da educação. E assim lá se vai a sabedoria do rifão «Quem tem cu tem medo».
Na realidade, este simples desabafo autobiográfico diz bem da personalidade de auto-suficiência precoce do candidato, consubstanciada hoje em ideologia anarco-liberal. Como pode decidir de matéria pedagógica quem ainda hoje, já crescidinho, justifica a recusa de receber a educação de que tanto precisava, como se vê?
Repare-se bem neste paradoxo: as pobres irmãzinhas conseguiram traumatizar o promissor e destemido infante! O candidato poderia juntar-se àquelas ex-freiras que estão por aí na política progressista para chorarem em conjunto essas cruéis perseguições!
Sempre segundo a sua autobiografia precoce, também o pai o traumatizou! Queixa-se ele do pai não ter tido paciência para lhe explicar a matemática e ser do género «ou percebes ou és burro» (p. 32). E quem é que pode garantir ao candidato que a culpa dessa não «transmissão de saberes» (como agora dizem os pedagogos modernaços) era do explicador e não do explicando? Não estaria o Sr. Dr. António Passos Coelho a fazer uma justa avaliação, e agora a ser injustiçado?
O candidato é um traumatizadinho. E da cabeça de um traumatizadinho não pode sair clarividência pedagógica. Ou outra.

(Continua)



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Laranjinhas, depois não digam
que não vos avisaram!...



Sacerdotes pedófilos: um pânico moral

Massimo Introvigne

Por que motivo se volta a falar de sacerdotes pedófilos, com acusações que remontam à Alemanha, a pessoas próximas do Papa, e talvez mesmo ao próprio Papa? A sociologia tem alguma coisa a dizer sobre isto, ou deve deixar o assunto exclusivamente ao cuidado dos jornalistas? Parece-me que a sociologia tem muito a dizer, e que não deve calar-se por receio de desagradar a algumas pessoas. Do ponto de vista do sociólogo, a actual discussão sobre os sacerdotes pedófilos constitui um exemplo típico de «pânico moral». O conceito surgiu nos anos 70 do século XX, para explicar a «hiperconstrução social» de que alguns problemas são objecto; mais precisamente, os pânicos morais foram definidos como problemas socialmente construídos, caracterizados por uma sistemática amplificação dos dados reais, quer a nível mediático, quer nas discussões políticas. Os pânicos morais têm ainda duas outras características: em primeiro lugar, problemas sociais que existem desde há várias décadas são reconstruídos, nas narrativas mediáticas e políticas, como problemas «novos», ou como problemas que foram objecto de um alegado crescimento, dramático e recente; em segundo lugar, a sua incidência é exagerada por estatísticas folclóricas que, embora não confirmadas por estudos académicos, são repetidas pelos meios de comunicação, podendo inspirar persistentes campanhas mediáticas. Por seu turno, Philip Jenkins sublinhou o papel dos «empresários morais», pessoas cujos interesses nem sempre são óbvios, na criação e na gestão destes pânicos. Os pânicos morais não fazem bem a ninguém; distorcem a percepção dos problemas, comprometendo a eficácia das medidas destinadas a resolvê-los. A uma análise mal feita não pode nunca deixar de se seguir uma intervenção mal feita.
Sejamos claros: na origem dos pânicos morais estão condições objectivas e perigos reais; os problemas não são inventados, as suas dimensões estatísticas é que são exageradas. Numa série de interessantes estudos, Philip Jenkins mostrou que a questão dos sacerdotes pedófilos é talvez o exemplo mais típico de pânico moral; com efeito, estão aqui presentes os dois elementos característicos desta situação: um dado real de partida, e um exagero deste dado por obra de ambíguos «empresários morais».
Comecemos pelo dado real de partida. Há sacerdotes pedófilos. Alguns casos, repugnantes e perturbadores, foram alvo de condenações peremptórias, e os próprios acusados nunca se declararam inocentes. Estes casos – passados nos Estados Unidos, na Irlanda, na Austrália – explicam as severas palavras proferidas pelo Papa, bem como o pedido de perdão que dirigiu às vítimas. Mesmo que se tratasse apenas de dois casos – ou de um só –, seriam sempre demais; contudo, a partir do momento em que não basta pedir perdão – por muito nobre e oportuna que tal atitude seja –, sendo preciso evitar que os casos se repitam, não é indiferente saber se foram dois, ou duzentos, ou vinte mil. Como também não é irrelevante saber se os casos são mais ou menos numerosos entre os sacerdotes e os religiosos católicos do que entre outras categorias de pessoas. Os sociólogos são muitas vezes acusados de trabalhar com a frieza dos números, esquecendo que, por detrás dos números, se encontram pessoas; acontece porém que, embora insuficientes, os números são necessários, porque são o fundamento de uma análise adequada.
Para se compreender como é que, a partir de um dado tragicamente real, se passou a um estado de pânico moral, é pois necessário perguntar quantos são os sacerdotes pedófilos. Os dados mais amplos sobre esta matéria foram recolhidos nos Estados Unidos onde, em 2004, a Conferência Episcopal encomendou um estudo independente ao John Jay College de Justiça Criminal da Universidade de Nova Iorque, que não é uma universidade católica e que é unanimemente reconhecida como a mais autorizada instituição académica americana em criminologia. De acordo com este estudo, entre 1950 e 2002, 4392 sacerdotes americanos (num total de 109.000) foram acusados de manter relações sexuais com menores; destes, pouco mais de uma centena foram condenados pelos tribunais civis. O reduzido número de condenações por parte do Estado deriva de vários factores. Em alguns casos, as vítimas – efectivas ou presumidas – acusaram sacerdotes que já tinham morrido, ou cujos alegados crimes já tinham prescrito; noutros casos, a acusação e a condenação canónica não corresponde à violação de nenhuma lei civil, como acontece, por exemplo, em diversos estados americanos em que o sacerdote tenha tido relações com uma – ou mesmo com um – menor com mais de dezasseis anos que tenha consentido no acto. Mas também houve muitos casos clamorosos de sacerdotes inocentes que foram acusados, casos que se multiplicaram na década de 1990, quando alguns escritórios de advogados perceberam que podiam arrancar indemnizações milionárias na base de simples suspeitas. Os apelos à «tolerância zero» justificam-se, mas também não deve haver tolerância relativamente à calúnia de sacerdotes inocentes. Acrescento que, relativamente aos Estados Unidos, os números não mudariam de forma significativa se lhes juntássemos o período de 2002 a 2010, porque o estudo do John Jay College já fazia notar o «notável declínio» do número de casos observado no ano 2000. As novas investigações foram muito poucas, e as condenações pouquíssimas, devido às rigorosas medidas introduzidas, quer pelos bispos americanos, quer pela Santa Sé.
O estudo do John Jay College afirma, como muitas vezes se lê, que 4% dos sacerdotes americanos são «pedófilos»? Nem pensar. De acordo com o referido estudo, 78,2% das acusações referem-se a menores que já ultrapassaram a puberdade. Ter relações sexuais com uma rapariga de dezassete anos não é certamente um acto de virtude, muito menos para um sacerdote; mas também não é um acto de pedofilia. Assim, os sacerdotes acusados de pedofilia efectiva nos Estados Unidos foram 958 em cinquenta e dois anos, ou seja, dezoito por ano; as condenações foram 54, ou seja, pouco mais de uma por ano.
O número de condenações penais de sacerdotes e religiosos noutros países é semelhante ao dos Estados Unidos, ainda que não exista, relativamente a nenhum país, um estudo completo como o do John Jay College. Na Irlanda, são frequentemente citados relatórios governamentais, que definem como «endémica» a presença de abusos nos colégios e orfanatos (masculinos) geridos por algumas dioceses e ordens religiosas, e não há dúvida de que houve casos de gravíssimos abusos sexuais de menores neste país. Uma análise sistemática destes relatórios permite contudo perceber que muitas das acusações dizem respeito à utilização de meios correctivos excessivos ou violentos. O chamado Relatório Ryan, de 2009, que recorre a uma linguagem muito dura no que diz respeito à Igreja Católica, assinala, em 25.000 alunos de colégios, reformatórios e orfanatos, no período analisado, 253 acusações de abusos sexuais por parte de rapazes e 128 por parte de raparigas (e nem todas são atribuídas a sacerdotes, religiosos ou religiosas), de natureza e gravidade diversas, raramente referidas a crianças pré-púberes e que ainda mais raramente conduziram a condenações.
As polémicas das últimas semanas, relativas à Alemanha e à Áustria, expõem uma característica típica dos pânicos morais: apresentar como «novos» factos ocorridos há muitos anos ou, como em alguns casos, conhecidos parcialmente há mais trinta anos. O facto de eventos ocorridos em 1980 terem chegado à primeira página dos jornais apresentados como se tivessem acontecido ontem – e com particular insistência no que diz respeito à Bavária, a área geográfica de onde o Papa é originário –, e de deles resultarem violentas polémicas, com ataques concentrados, que todos os dias anunciam, em estilo gritante, novas «descobertas», mostra claramente que o pânico moral é promovido por «empresários morais» de forma organizada e sistemática. O caso que – de acordo com os títulos de alguns jornais – «envolve o Papa» é um caso de manual; refere-se a um episódio de abusos que teve lugar na Arquidiocese de Munique da Baviera e Freising, da qual era Arcebispo o actual Pontífice, e que remonta a 1980. O caso veio à luz em 1985 e foi julgado por um tribunal alemão em 1986, estabelecendo, entre outras coisas, que a decisão de instalar o sacerdote em questão na diocese não tinha sido tomada pelo Cardeal Ratzinger, nem era sequer do seu conhecimento, circunstância que não é propriamente de estranhar numa diocese grande, com uma burocracia complexa. A verdadeira questão deve ser, pois: o que leva um jornal alemão a decidir recuperar o caso, e trazê-lo à primeira página vinte e quatro anos depois?
Uma pergunta desagradável – porque o simples facto de a colocar parece uma atitude defensiva, e também não consola as vítimas –, mas importante, é a de saber se um sacerdote católico corre, pelo facto de o ser, mais riscos de vir a ser pedófilo ou de abusar sexualmente de menores do que a maioria da população, duas situações que, como se viu, não são idênticas, porque abusar de uma rapariga de dezasseis anos não é ser pedófilo. É fundamental responder a esta pergunta, para descobrir as causas do fenómeno, e portanto para poder evitá-lo. De acordo com os estudos de Philip Jenkins, comparando a Igreja Católica dos Estados Unidos com as principais denominações protestantes, a presença de pedófilos é, dependendo das denominações, duas a dez vezes superior entre os pastores protestantes. A questão é relevante, porque mostra que o problema não é o celibato, dado que, na sua maioria, os pastores protestantes são casados. No mesmo período em que uma centena de sacerdotes católicos eram condenados por abusos sexuais de menores, o número de professores de educação física e de treinadores de equipas desportivas jovens, também quase todos casados, considerados culpados do mesmo delito nos tribunais americanos atingia os seis mil. Os exemplos podem multiplicar-se, e não só nos Estados Unidos. E o principal dado a ter em conta, de acordo com os relatórios periódicos do governo americano, é o de que dois terços dos abusos sexuais a menores não são feitos por estranhos, ou por educadores – incluindo os sacerdotes católicos e os pastores protestantes –, mas por membros da família: padrastos, tios, primos, irmãos e pelos próprios pais. E existem dados semelhantes relativamente a muitos outros países.
E há um dado ainda mais significativo, mesmo que politicamente incorrecto: 80% dos pedófilos são homossexuais, são homens que abusam de outros homens. E – voltando a citar Philip Jenkins – 90% dos sacerdotes católicos condenados por abusos sexuais de menores e pedofilia são homossexuais. Se a Igreja Católica tem efectivamente um problema, não é o do celibato, mas o de uma certa tolerância da homossexualidade nos seminários, que teve particular incidência nos anos 70, a época em que foi ordenada a grande maioria dos sacerdotes que foram posteriormente condenados por abusos. Um problema que Bento XVI está a corrigir com todo o vigor. De forma mais geral, o regresso à moral, à disciplina ascética, à meditação sobre a verdadeira e grandiosa natureza do sacerdócio, são os melhores antídotos contra a verdadeira tragédia que é a pedofilia; e o Ano Sacerdotal também deve ter esse objectivo.
Relativamente a 2006 – altura em a BBC emitiu o documentário de Colm O’Gorman, deputado irlandês e activista homossexual – e a 2007 – altura em que Santoro apresentou a respectiva versão italiana em Annozero –, não há, na realidade, grandes novidades, à excepção de uma crescente severidade e vigilância por parte da Igreja. Os casos dolorosos dos quais se tem falado nas últimas semanas não são todos inventados, mas sucederam há vinte ou trinta anos.
Ou talvez haja uma novidade. Como se explica esta recuperação, em 2010, de casos antigos e muitos deles já conhecidos, ao ritmo de um por dia, atacando de forma sempre mais directa o Papa, um ataque aliás paradoxal, tendo em consideração a enorme severidade, primeiro do Cardeal Ratzinger, e depois de Bento XVI, relativamente a este tema? Os «empresários morais» que organizam o pânico têm objectivos específicos, objectivos esses que se vão tornando cada vez mais claros, e que não são a protecção das crianças. A leitura de certos artigos permite compreender que – na véspera de escolhas políticas, jurídicas e mesmo eleitorais que, um pouco por toda a Europa e pelo mundo, põem em questão a administração da pílula RU486, a eutanásia, o reconhecimento das uniões homossexuais, temas em que a voz da Igreja e do Papa é quase a única que se ergue a defender a vida e a família – poderosos grupos de pressão se esforçam por desqualificar preventivamente esta voz com a acusação mais infamante, que é também, hoje em dia, a mais fácil de fazer: a acusação de favorecer ou tolerar a pedofilia. Estes grupos de pressão mais ou menos maçónicos são uma prova do sinistro poder da tecnocracia, evocado pelo mesmo Bento XVI na encíclica Caritas in Veritate e denunciado por João Paulo II na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1985 (de 08.12.1984), quando se referia aos «desígnios ocultos», a par de outros «abertamente propagandeados», «com vista a subjugar os povos a regimes em que Deus não conta».
Vivemos realmente numa hora de trevas, que traz à mente a profecia de um grande pensador católico do século XIX, o piemontês Emiliano Avogadro della Motta (1798-1865), que afirmava que das ruínas provocadas pelas ideologias laicistas nasceria uma verdadeira «demonolatria», que se manifestaria de modo especial no ataque à família e à verdadeira noção do matrimónio. Restabelecer a verdade sociológica sobre os pânicos morais relativamente aos sacerdotes e à pedofilia não permitirá travar este grupo de pressão, mas poderá constituir, pelo menos, uma pequena e devida homenagem à grandeza de um Pontífice e de uma Igreja feridos e caluniados porque se recusam a calar-se nas matérias que dizem respeito à vida e à família.
Vivemos realmente numa hora de trevas, que traz à mente a profecia de um grande pensador católico do século XIX, o piemontês Emiliano Avogadro della Motta (1798-1865), que afirmava que das ruínas provocadas pelas ideologias laicistas nasceria uma verdadeira «demonolatria», que se manifestaria de modo especial no ataque à família e à verdadeira noção do matrimónio. Restabelecer a verdade sociológica sobre os pânicos morais relativamente aos sacerdotes e à pedofilia não permitirá travar este grupo de pressão, mas poderá constituir, pelo menos, uma pequena e devida homenagem à grandeza de um Pontífice e de uma Igreja feridos e caluniados porque se recusam a calar-se nas matérias que dizem respeito à vida e à família.