domingo, 29 de setembro de 2019

Jacques Chirac e a nossa classe política: o nível e o desnível...


Jacques Chirac com Jérôme Monod
Heduíno Gomes

Não vou aqui referir-me às opções políticas e práticas de Jacques Chirac. Apenas compará-lo, em termos de preparação técnica, cultura geral e cultura política, com a nossa classe política.

Conheci Jacques Chirac em 1985 no contexto do RPR, partido a que presidia, sendo igualmente Presidente do município de Paris. Do que havia a tratar, encaminhou-me para o Secretário-Geral do RPR, o seu próximo colaborador Jérôme Monod, que na altura era também Presidente da Lyonnaise des Eaux, primo do biólogo Jacques Monod, autor do ensaio filosófico Acaso e Necessidade (que, quando foi publicado, deu que falar e que aqui também me abstenho de comentar).

Jacques Chirac, como aliás grande parte dos políticos franceses, quer da esquerda, quer da direita, incluindo Jérôme Monod, eram énarques, isto é, tinham feito o curso da ENA (École nationale d'administration). Esta escola era e é uma das «grandes écoles» de elite francesas, de grande exigência na admissão de alunos, logo à partida uma licenciatura (Chirac já tinha feito o curso noutra escola de elite, o Institut d'études politiques, o famoso, na gíria, Sciences Po, onde regressará mais tarde como professor). E, para entrar na ENA, teve de passar por um exigente exame de admissão, que incluía direito público, economia, finanças públicas, política internacional e cultura geral, com provas escritas de 5 horas... No ano passado, apenas cerca de 5% dos candidatos foram admitidos.

Por essa altura, vi numa sua biografia que era coronel de blindados na reserva. E também a descrição da sua prova oral de admissão à ENA sobre cultura geral. Contava ele que foi interrogado sobre um pintor francês cujo nome não me recordo, para aí do século XV ou XVI, um desconhecido da maior parte das pessoas, talvez como, na generalidade, são os nossos Nuno Gonçalves ou Francisco de Olanda. E ele lá teve de dissertar sobre o pintor...

Posteriormente, já Chirac era Primeiro-Ministro, conheci o seu adjunto para a cultura e comunicação no município de Paris, José Freches, que por acaso havia vivido em Portugal, onde o pai esteve no Liceu Francês. Outro énarque, número 1 do seu curso, com classificação que destronou Giscard d’Estaing, número 1 de outro curso.

Como disse, não aprecio aqui a primordial questão das orientações políticas ou dos valores civilizacionais dos énarques, sejam eles Chirac ou Giscard, Rocard ou Fabius. Apenas, dentro de cada opção política, a instrução dos actores. E, claro que, perante o que lia na sua biografia, não poderia deixar de comparar o nível de preparação de um Chirac e seus colaboradores com o da nossa classe política. Ou seja, o desnível.

E daí a diferença de horizontes e capacidade de servir, mesmo entre a esquerda — a questão importante para o pobre português. Até quando, por cá, as intenções são boas, o que nem sempre acontece.

Desculpem a franqueza.





segunda-feira, 15 de julho de 2019

Revolução Francesa – 230 anos depois

Tomada do Palácio das Tulherias.Jean Duplessis-Bertaux (1818). Palácio de Versailles

O ódio a todas as desigualdades levou uma minoria revolucionária
ao terror sanguinário da Revolução Francesa.
O mesmo processo revolucionário prossegue hoje
em todo o mundo,
e o conhecimento dessa revolução paradigmática
ajuda-nos a combatê-lo com eficácia.


Renato William Murta de Vasconcelos

Depois da revolução protestante (1517), uma segunda grande explosão do processo revolucionário,[1] preparada com longa antecedência, desencadeou a partir de 1789 em França uma série de transformações políticas, sociais e religiosas que inauguraram a era contemporânea. No conjunto das suas vertentes moderadas e radicais, difundiu ideias republicanas pelo mundo inteiro, derrubou monarquias milenares na Europa e abriu o caminho para a Revolução Comunista de 1917.

Os elementos mais radicais da Revolução Francesa estavam concentrados na facção jacobina. Segundo a utopia que os guiava, havia sobre os franceses dois jugos insuportáveis: o da superstição, representada pela Religião Católica; e o da tirania, constituída pelo governo monárquico. Com fervor «humanitário», levantaram-se os «amigos do povo» para dissipar as trevas da «superstição» eclesiástica e quebrar os grilhões da «tirania» real. A intenção aparente seria, no final do processo, devolver o poder ao povo, tornando-o seu único detentor. Se algum ingénuo imagina que era essa a intenção, o mínimo que esse mesmo ingénuo pode constatar é que o objectivo real era a evidente tirania que se implantou em todo o mundo.

Catedral de Estrasburgo convertida em «Templo da razão» durante a Revolução Francesa
(Revolutions-Almanach de 1795. Göttingen 1794, p. 327).

A Revolução Francesa, cheia do espírito igualitário que não admite qualquer forma de desigualdade, e encharcada de sensualidade que recusa qualquer freio às paixões, levantou-se contra o Ancien Régime (Antigo Regime), uma ordem social hierárquica e austera em muitos dos seus aspectos. Deixando atrás de si uma montanha de ruínas e um mar de sangue,[2] os revolucionários moderados e radicais derrubaram instituições e costumes milenares, que haviam feito da antiga França o país de todas as perfeições, objecto da admiração do mundo inteiro.

Minoria revolucionária impôs a ideologia anticristã

No Ancien Régime brilhavam ainda, e com muito fulgor, os melhores traços da cultura e do espírito francês: um esplendor na vida social, que bem se exprimia pela tríplice locução verbal «savoir dire, savoir plaire, savoir faire» (saber dizer, saber agradar, saber fazer). Bem vivos e dinâmicos eram também os princípios básicos da civilização cristã — a tradição, a família e a propriedade — dando consistência e elevação ao corpo social. Mas a inveja revolucionária via nessa consistência e nessa elevação uma forma de exploração das classes modestas. Para libertá-las, a solução seria derrubar o altar e o trono: Ni Dieu, ni maître (Nem Deus, nem senhor), segundo a formulação que servirá de base às agitações de Maio de 1968 da Sorbonne.

A democracia instaurada na sequência da Revolução Francesa — o governo do povo pelo povo — contaminou praticamente todas as nações. Mas o resultado evidente é que as transformou em tremendas tiranias das minorias (auto-qualificadas como esclarecidas, avançadas e progressistas) sobre a maioria (pejorativamente rotulada de obtusa, retrógrada e conservadora). E não precisamos ir longe para coleccionar exemplos. Já foi assim na própria fonte dessa revolução, que Augustin Cochin[3] descreve como um movimento realizado por cerca de 200 mil agentes para mudar radicalmente o modo de vida de 25 milhões de franceses. Os revolucionários constituíam 0,8% da população francesa, mas impuseram a sua ideologia anticristã à imensa maioria dos seus compatriotas.

Inauguração dos Estados Gerais – Auguste Couder (1789–1873).
Musée National du Château et des Trianons, Versailles.

O rei reina, mas não governa

Após décadas de preparação tendencial e ideológica, a Revolução Francesa entrou em 1789 na sua fase mais conhecida: a dos factos. Vários factores — um deles, a participação na guerra da independência dos Estados Unidos — haviam contribuído para que o Estado francês se encontrasse deficitário. A Assembleia dos Notáveis do Reino, convocada em 1787, mostrara-se incapaz de oferecer uma proposta adequada para solucionar a crise financeira. O rei Luís XVI convocou então os Estados Gerais, compostos de representantes do clero, da nobreza e do povo. A última vez em que estiveram reunidos fora em 1622, no reinado de Luís XIII. Tinham carácter meramente consultivo, e o Rei nutria a esperança de receber sugestões idóneas que concorressem para sanear a bancarrota do Estado.

Inaugurados nos primeiros dias de Maio de 1789, os Estados Gerais adjudicaram para si um poder que não possuíam, transformando-se logo num corpo único: a Assembleia Nacional; e semanas depois, em Assembleia Nacional Constituinte, numa clara usurpação do poder real. Luís XVI não tinha a personalidade de Luís XIV nem a energia de seu avô Luís XV, e chancelou a redacção de uma Constituição para o Reino, ao invés de dissolver a Assembleia. Ficava posto de lado o objectivo primordial da convocação dos Estados Gerais, e caminhava-se para uma mudança na forma da monarquia francesa: de absoluta para constitucional, onde «o rei reina, mas não governa». Era um primeiro passo rumo à República.

Queda da Bastilha e prisão do governador M. de Launay, 14 de Julho de 1789
– Anónimo. Museu de História da França, Versailles.

Tomada da Bastilha, um marco do horror

Começaram então em Paris os distúrbios e agitações promovidos por hordas de arruaceiros.[4] Em 14 de Julho, há 230 anos, ocorreu a tomada da Bastilha, transformada em símbolo da antiga ordem que devia desaparecer. Nas semanas subsequentes, hordas de bandidos percorreram o interior da França, incendiaram castelos, espalharam medo e terror por toda a parte.

No dia 5 de Outubro, uma turbamulta composta na sua maioria por mulheres saiu de Paris rumo a Versailles, aonde chegou ao cair da noite, enlameada, feroz e armada. Na madrugada seguinte, uma porta aberta na grade do castelo deu-lhes acesso a Versailles. Os guardas foram barbaramente assassinados, e a própria Rainha por pouco não foi executada. Num cortejo macabro, cabeças de soldados foram espetadas em lanças, e a família real foi arrastada para Paris e alojada no Palácio das Tulherias.

Chamada das últimas vítimas do terror na prisão Saint Lazare
– Charles L. Müller (1815–1892).
Museu da Revolução Francesa, Vizille (França).

Beneficiados pela efervescência geral, os deputados mais radicais tomaram a direcção na Assembleia. Primeiramente os monarquistas tradicionais foram suplantados pelos monarquistas constitucionais; estes, por sua vez, foram superados pelos republicanos moderados quando da promulgação da Constituição. Pari passu foi mudando a fisionomia da estrutura social: os privilégios do clero e da nobreza foram abolidos; os bens da Igreja foram nacionalizados; uma Constituição Civil, cismática e herética, foi imposta ao clero.

Clima de terror e radicalização rumo à esquerda

A Assembleia Legislativa sucedeu à Constituinte em 1791. Nela os republicanos radicais — os girondinos, assim chamados porque provinham na sua maioria da região de Gironda, cuja cidade principal era Bordeaux — passaram a dar o tom e exigir a supressão da monarquia.

O ataque ao Palácio das Tulherias no dia 20 de Junho de 1792 preparou o grande assalto de 10 de Agosto. Por ordem do Rei, desejoso de evitar derramamento de sangue, os guardas suíços não reagiram ao ataque de milhares de bandidos, e foram massacrados juntamente com centenas de nobres fiéis.

Indefesa, a família real refugiou-se durante três dias no recinto da Assembleia, de onde foi levada para o Palácio do Templo, pertencente ao Conde de Artois. Luís XVI, Maria Antonieta, os dois filhos — o Delfim (sete anos)[5] e Mme. Royale (14 anos)[6] — e Mme. Elisabeth não foram encarcerados no palácio, como esperavam, mas de início na pequena torre, depois na grande torre adjunta ao palácio.

Nos dias 2 e 3 de Setembro, magotes de jacobinos, com a complacência de Danton, ministro da Justiça, atacaram as prisões e massacraram centenas de nobres encarcerados desde o dia 10 de Agosto. A matança voltou-se também contra membros do clero. Só no Convento do Carmo foram mortos dois bispos e mais de 100 sacerdotes. A Princesa de Lamballe, grande amiga de Maria Antonieta, foi assassinada a golpes de sabres e lanças. Despedaçada cruelmente, o seu coração foi arrancado do peito e comido, ainda palpitante, por um dos assassinos. Depois espetaram a sua cabeça na ponta de um chuço e levaram-na, no meio de um berreiro e com uma farândola infernal, até à janela da prisão do Templo, para que fosse vista pela Rainha.

A populaça aprisiona o rei nas Tulherias em 20 de Junho de 1792

O clima de terror dominava Paris, e justamente no dia da eleição para a Convenção Nacional um elemento psicológico tremendo favoreceu a entrada de grande número de jacobinos radicais na nova câmara. A Convenção Nacional, sucessora da Assembleia Legislativa, abriu as suas sessões no dia 21 de Setembro, aboliu a monarquia e proclamou a república. Foi dirigida nos primeiros meses pelos girondinos, que assumiram os seus assentos à direita (na Legislativa, estavam no lado esquerdo). Em meados do ano seguinte, os jacobinos derrubaram e eliminaram a facção girondina, instalaram-se no poder e inauguraram o assim chamado período do terror. Era o processo de radicalização rumo à esquerda, por meio do qual os radicais de ontem se tornaram os moderados.

Condenação da família real em julgamento ilegal

Deposto o Rei, o que fazer dele? A ala radical jacobina não pretendia enviá-lo para o exílio, mas sim matá-lo com a cumplicidade do centrão formado pelos girondinos. Já no dia 11 de Dezembro, a Convenção dispôs que Luís XVI fosse separado da sua família. O desfecho do processo — um verdadeiro escárnio da justiça — é por demais conhecido. Na madrugada de 18 de Janeiro, 361 dos 720 deputados (a metade mais 1) votaram pela condenação à morte, sem apelo nem sursis. Detalhe horripilante dessa tragédia: o voto decisivo pela morte do Rei foi do Duque de Orleães, seu primo. Bastava ele abster-se, e o Rei estaria salvo.[7] Dois dias depois, ao rufar ensurdecedor dos tambores, a cabeça do Rei rolou no cadafalso, cercado por 15 mil soldados.

A populaça aprisiona a rainha nas Tulherias em 20 de Junho de 1792

Na prisão do Templo permaneceram juntos, durante alguns meses, Maria Antonieta, os seus dois filhos e Mme. Elisabeth. Em fins de Setembro, levaram Maria Antonieta para a prisão da Conciergerie, que era por assim dizer a antecâmara da guilhotina. Após um julgamento infame e infamante,[8] Maria Antonieta foi condenada à morte e guilhotinada no dia 16 de Outubro de 1793.

Enclausurados na torre do Templo, restavam ainda o jovem rei Luís XVII, sua irmã Mme. Royale e Mme. Elisabeth. No meio a todas as incertezas, esta foi para os filhos do Rei uma segunda mãe, executada em 10 de Maio do ano seguinte. Por outro lado, contavam-se vinte anos da morte do seu avô Luís XV.

O martírio de Luís XVI, Maria Antonieta e Mme. Elisabeth era uma verdadeira «queima dos navios» para tornar a Revolução Francesa irreversível, mas atraiu sobre a cabeça dos seus responsáveis imediatos o castigo divino: a máquina revolucionária começou a devorar os seus filhos. Mal decorreram três semanas da execução de Maria Antonieta, subiu ao cadafalso no dia 6 de Novembro de 1793 o regicida Filipe Égalité; em fins de Março de 1794 foi a vez de Hébert, panfletista obsceno e porta-voz dos sans-culottes. Danton seguiu-lhe os passos no dia 5 de Abril. E três meses depois, em 10 de Thermidor (28 de Julho), perderam a cabeça na guilhotina Robespierre, Saint-Just, Dumas e mais uma vintena de seguidores.

A queda de Robespierre sinalizou o término do regime do Terror, pois a opinião pública francesa estava cansada de tantos excessos. Era um retrocesso necessário para a revolução progredir. Outras fases se sucederam: Directório, Consulado, Império. A obra revolucionária prosseguiu inexoravelmente sob outras formas, e continua a avançar. Mas esta já é matéria para outro artigo.

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Notas:

[1] Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, Artpress, São Paulo, 1982, pp. 19-20.

[2] Joseph de Maistre, no seu livro Considérations sur la France, J. B. Pelagaud, Lyon, 1880, calcula que a Revolução Francesa ceifou quatro milhões de vidas humanas, incluindo nesta cifra as vítimas das guerras napoleónicas, que exportaram para toda a Europa os princípios revolucionários de 1789. Só na campanha da Rússia morreram quase um milhão de soldados da Grande Armée.

[3] Augustin Cochin, Les sociétés de pensée et la Démocratie: Études d´Histoire Révolutionnaire, Plon-Nourrit et Cie.,1921.

[4] Esses arruaceiros, segundo Goncourt, eram cerca de seis mil indivíduos da pior espécie, não apenas de Paris, mas provenientes do interior da França e do estrangeiro. Haverá entre eles holandeses, prussianos, espanhóis e até americanos.

[5] Louis-Charles de France (1785-1795) foi o segundo Delfim. Morreu prisioneiro na Torre do Templo, em condições deploráveis. O primeiro, Louis-Joseph, morreu em Junho de 1789.

[6] Mme. Royale, assim era chamada Marie Thérèse Charlotte de Bourbon (1778-1851), filha primogénita de Luís XVI e Maria Antonieta. Sobreviveu à prisão do Templo, casou-se com o seu primo o Duque d´Angoulême e não teve descendência.

[7] Robespierre murmurou espantado, ao ouvir o voto do regicida: «Que infeliz! Era o único que poderia abster-se, e não ousou fazê-lo!» (G. Lenotre, Les grandes heures de la Révolution Française, Perrin, Paris, 1962, p. 278).

[8] Infame sob todos os pontos de vista: da ilegalidade do processo, da competência dos seus juízes, da inexistência de razões e provas suficientes para a condenação. Acusaram-na, à falta de melhor, de haver pervertido sexualmente o seu filho, o Delfim, criança de tenra idade.





quarta-feira, 26 de junho de 2019

sábado, 23 de março de 2019

Filipe VI ou a hipócrita realeza dita «católica» mas maçónica...


A MAÇONARIA ESPANHOLA QUER QUE O REI FILIPE VI SE CONFESSE!

ESPANHA ENTRE INFLUÊNCIA CATÓLICA E MAÇÓNICA

António Justo

A Grande Assembleia da Maçonaria da Grande Loja de Espanha (com a presença dos Grandes Mestres e Grandes Oficiais do Brasil, Estados Unidos, França e Índia) atribuiu, grandemente, ao rei de Espanha Felipe VI, a sua máxima distinção: a medalha da Ordem Maçónica do Fundador com o distintivo vermelho, ou seja, de Cavaleiro da Ordem Maçónica do Fundador. Fê-lo a pretexto de agradecer o 40.º aniversário da legalização que relegalizava a Maçonaria na Espanha.

A Casa Real ainda não respondeu se o monarca aceita ou não a insígnia talvez para não acirrar os ânimos entre uma luta clandestina entre uma mentalidade católica espanhola e a mentalidade maçónica; dado, depois da revolução francesa, a maçonaria, pouco a pouco, ir assumindo o lugar da influência católica no poder.

Em certos meios da sociedade espanhola pensa-se que se trata de uma jogada astuta dos homens do avental. Muitos espanhóis consideram a proposta como uma «oferta envenenada». Acham, por um lado, que o Rei não deveria aceitar mas, reconhecem, por outro, que se o rei não aceitar publicamente, aumentará o terror em Espanha e a figura do rei e da Monarquia serão desestabilizadas na opinião pública, devido ao poder da maçonaria nas infraestruturas da sociedade e do Estado. A fomentar este receio está o talvez preconceito popular: «quem se mete com a maçonaria ou com o socialismo apanha».

Facto é que, no Ocidente o factor religioso nos meios do poder político estava sempre condicionado aos interesses mais fortes vigentes.

É estranho como uma ONG universal empenhada na globalização financeira, comercial e ideológica que, se distingue por apoiar republicanos e separatistas, venha fazer tal proposta numa hora em que a Espanha se debate com problemas de separatismo.

O que em geral se desconhece e que não foi tornado público é que Filipe VI  é maçónico e faz parte do Royal Alpha Masonic Lodge, que depende da Grande Loja da Inglaterra.[1]

Não é tão fácil rejeitar uma oferta de Maçonaria, porque a rejeição tem consequências muito graves do ponto de vista social, especialmente quando se trata de uma personagem relevante. O rei terá que posicionar-se publicamente e aceitar a condecoração devido ao poder da maçonaria que actua nos bastidores de muitos Estados e de agendas tendentes a marxizar a cultura ocidental.

Já o seu bisavô Alfonso XIII, teve de renunciar ao trono e ir para o exílio, em grande parte por não ter feito nem assinado o que a maçonaria queria [2]!

Na tradição britânica, desde o século XVIII todos os príncipes do País de Gales, sem excepção, foram membros da Maçonaria; há pessoas que atribuem, ao facto do príncipe Charles ter renunciado a tal filiação, a causa dos maus-tratos da imprensa que o tornou propriamente numa figura marginalizada.

Anglicanismo e Maçonaria têm andado juntos: também 14 presidentes[3] dos EUA foram maçons e todos os presidentes foram protestantes, com excepção de Kennedy.

Embora a Maçonaria actue geralmente discretamente em questões de política e de religião, torna-se sintomático da divisão da sociedade espanhola o facto da maçonaria também se ter intrometido na discussão da Catalunha, tendo quatro lojas espanholas declarado aceitar a Catalunha independente[4], o que implicaria para a região o aumento da influência francesa.

Em questões de poder é natural que haja um interesse em criar uma sociedade a viver da dúvida para melhor se poderem impor interesses de ONG se no sentido de se criar um império global.[5]

As pessoas individualmente serão boas; os problemas acentuam-se a partir do momento em que escolhem fazer parte de uma instituição mais virada para a defesa dos próprios interesses do que para os da sociedade. A maçonaria tem muito de comum com o Islão. Estes são peritos no exercício do poder e ninguém os pode contestar porque poder e ordenar parece ser o apelo intrínseco a toda a natureza. O busílis da sociedade parece vir do facto de o que socialmente consideramos bom ser contradito pela realidade que favorece o poder onde o bem e o belo passam a bens subsidiários.


[1] Iniciação maçónica do rei Filipe VI: https://somatemps.me/2017/07/21/en-que-orden-masonica-ha-sido-iniciado-felipe-de-borbon-en-inglaterra/

[2] «Neste mesmo salão fui obrigado a receber uma delegação da Maçonaria internacional. Cerca de doze cavalheiros. Eis o que me disseram: Temos a honra de lhe fazer certas proposições e de garantir com elas que Vossa Majestade preservará a Coroa e que a Espanha servirá fielmente a Monarquia, apesar das tremendas crises que a ameaçam, e reinará num clima de paz. E quando perguntei quais eram essas proposições, este senhor apresentou-me um rico pergaminho dizendo-me: Com a sua assinatura pedimos a Vossa Majestade que dê a sua adesão às seguintes proposições:

1.º, a sua adesão à Maçonaria; 

2.º, decretar que a Espanha será um Estado secular;

3.º, para a reforma da família, decretar o divórcio;

4.º, instrução pública secular.

Sem hesitar por um momento, respondi: Isto nunca! Não posso fazê-lo como crente… Ao partir, o mesmo cavalheiro disse-me: «Lamentamos, porque V. M. acaba de assinar a sua abdicação como rei da Espanha e o seu exílio» (https://www.religionenlibertad.com/noticias/2741/la-masoneria-amenazo-a-alfonso-xiii-tras-consagrar-a-espana-al.html).

[3] 14 presidentes dos EUA Maçónicos: https://freimaurer-wiki.de/index.php/USA:_Bis_2018_waren_14_Pr%C3%A4sidenten_Freimaurer

[4] Imiscuição de lojas maçónicas: https://somatemps.me/2017/10/30/cuatro-logias-masonicas-aseguran-que-aceptaran-una-catalunya-independiente/

[5] Maçons portugueses: https://pt.wikipedia.org/wiki/Categoria:Ma%C3%A7ons_de_Portugal





terça-feira, 28 de agosto de 2018

O Papa Francisco encobriu o abuso de McCarrick, testemunha ex-núncio dos EUA

Arcebispo Carlo Maria Viganò no Fórum da Vida de Roma em 18 de Maio de 2018. 

Diane Montagna, LifeSiteNews, 25 de Agosto de 2018

O que está prestes a ler é um explosivo testemunho do ex-núncio apostólico nos Estados Unidos, implicando o Papa Francisco e vários prelados sénior em encobrir o suposto abuso sexual de padres e seminaristas do arcebispo Theodore McCarrick.

Numa extraordinária declaração escrita de 11 páginas (veja o texto oficial abaixo), o arcebispo Carlo Maria Viganò, 77 anos, afirma que o Papa Francisco sabia sobre as severas sanções canónicas impostas a McCarrick pelo Papa Bento XVI, mas optou por revogá-las.

No seu testemunho, de 22 de Agosto, o arcebispo Viganò, que serviu como núncio apostólico em Washington DC de 2011 a 2016, afirma que no final dos anos 2000, Bento XVI «impôs sanções ao cardeal McCarrick semelhantes às que hoje lhe foram impostas pelo Papa Francisco». E que Viganò falou pessoalmente com Francisco sobre a gravidade do abuso de McCarrick logo após a sua eleição em 2013.

Mas diz que Francisco «continuou a encobri-lo» e não apenas «não levou em conta as sanções que o Papa Bento lhe tinha imposto», mas também fez de McCarrick «seu conselheiro de confiança» que o ajudou a nomear vários bispos nos Estados Unidos, incluindo os cardeais Blase Cupich de Chicago e Joseph Tobin de Newark.

O arcebispo Viganò também envolve os cardeais Sodano, Bertone e Parolin no encobrimento e insiste que vários outros cardeais e bispos estavam bem cientes, incluindo o cardeal Donald Wuerl, sucessor de McCarrick como arcebispo de Washington DC.

«Eu mesmo mencionei o assunto com o cardeal Wuerl em várias ocasiões, e certamente não precisei de entrar em detalhes porque ficou imediatamente claro para mim que estava plenamente ciente disso», escreve. As recentes declarações do cardeal de que não sabia nada sobre isso... são absolutamente ridículas. Perdeu a vergonha na cara.

«O cardeal Wuerl, bem ciente dos contínuos abusos cometidos pelo cardeal McCarrick e das sanções impostas pelo Papa Bento XVI, transgredindo a ordem do Papa, também permitiu que ele residisse num seminário em Washington. Ao fazer isso, colocou outros seminaristas em risco.», atesta.

Uma figura amplamente respeitada, o arcebispo Viganò diz que a sua «consciência dita» que a verdade seja conhecida como «a corrupção chegou ao topo da hierarquia da Igreja». Termina o seu testemunho chamando o Papa Francisco e todos os envolvidos na cobertura do abuso de McCarrick para renunciar.

Em comentários ao LifeSiteNews de 25 de Agosto, o arcebispo Viganò disse: «A principal razão pela qual estou a revelar agora esta notícia é por causa da situação trágica da Igreja, que só pode ser reparada pela verdade completa, assim como ela foi gravemente ferida. pelos abusos e encobrimentos. Eu faço isso para parar o sofrimento das vítimas e prevenir novas vítimas, e para proteger a Igreja: somente a verdade pode libertá-la».

Viganò disse que a segunda razão pela qual escolheu escrever o seu testemunho é «cumprir a minha consciência diante de Deus das minhas responsabilidades como bispo da Igreja universal. Sou um homem velho e quero apresentar-me a Deus com consciência limpa».

Ao perguntar se está preocupado com os críticos que poderiam sugerir que está a quebrar o segredo pontifício – um código de confidencialidade aplicável a questões que exigem a maior confidencialidade – disse: «Os segredos da Igreja, inclusive os pontifícios, não são tabus. São instrumentos para protegê-la e aos seus filhos dos seus inimigos. Os segredos não devem ser usados ​​para conspirações».

«O povo de Deus tem o direito de conhecer toda a verdade, também a respeito dos seus pastores», disse. «Têm o direito de serem guiados por bons pastores. Para poder confiar neles e amá-los, precisam de conhecê-los abertamente com transparência e verdade como realmente são. Um padre deve ser uma luz no castiçal sempre, em todos os lugares e para todos.»

A seguir vem o texto oficial do Testemunho do arcebispo Carlo Maria Viganò. (Pode ver um PDF da tradução em inglês aqui e um PDF do original em italiano aqui.) Ênfase não adicionada.



TESTEMUNHO
por
Sua Excelência Carlo Maria Viganò
Arcebispo Titular do
Núncio Apostólico de Ulpiana

Neste momento trágico para a Igreja em várias partes do mundo – Estados Unidos, Chile, Honduras, Austrália, etc. – os bispos têm uma responsabilidade muito grave. Estou pensando em particular nos Estados Unidos da América, onde fui enviado como núncio apostólico pelo Papa Bento XVI em 19 de Outubro de 2011, a festa memorial dos primeiros mártires norte-americanos. Os bispos dos Estados Unidos são chamados, e eu com eles, a seguir o exemplo destes primeiros mártires que trouxeram o Evangelho às terras da América, para serem testemunhas credíveis do incomensurável amor de Cristo, o Caminho, a Verdade e a Vida.

Bispos e sacerdotes, abusando de sua autoridade, cometeram crimes horrendos em detrimento dos seus fiéis, menores, vítimas inocentes e jovens ansiosos por oferecer as suas vidas à Igreja, ou por o seu silêncio não impediram que tais crimes continuem sendo perpetrados.

Para restaurar a beleza da santidade na face da Noiva de Cristo, que é terrivelmente desfigurada por tantos crimes abomináveis, e se realmente queremos libertar a Igreja do fétido pântano em que ela caiu, devemos ter a coragem de derrubar a cultura do segredo e confessar publicamente as verdades que mantivemos ocultas. Precisamos derrubar a conspiração de silêncio com que bispos e padres se protegeram à custa dos seus fiéis, uma conspiração de silêncio que, aos olhos do mundo, arrisca fazer a Igreja parecer uma seita, uma conspiração de silêncio não tão diferente. do que prevalece na máfia. «Tudo o que disserem no escuro... será proclamado dos telhados» (Lc 12: 3).

Sempre acreditei e esperei que a hierarquia da Igreja pudesse encontrar dentro de si os recursos espirituais e a força para contar toda a verdade, para emendar e renovar-se. É por isso que, apesar de ter sido repetidamente solicitado a fazê-lo, sempre evitei fazer declarações aos media, mesmo quando teria sido o meu direito de fazê-lo, a fim de me defender das calúnias publicadas sobre mim, mesmo prelados do alto escalão da Cúria Romana. Mas agora que a corrupção atingiu o topo da hierarquia da Igreja, a minha consciência determina que revele essas verdades sobre o caso de partir o coração do arcebispo Emérito de Washington, Theodore McCarrick, que vim a conhecer no curso de os deveres que me foram confiados por São João Paulo II, como delegado para as Representações Pontifícias, de 1998 a 2009, e pelo Papa Bento XVI, como núncio apostólico nos Estados Unidos da América, de 19 de Outubro de 2011 até o final de Maio de 2016.

Como delegado para as Representações Pontifícias na secretaria de Estado, as minhas responsabilidades não se limitaram às Nunciaturas Apostólicas, mas também incluíram o pessoal da Cúria Romana (contratações, promoções, processos informativos sobre candidatos ao episcopado, etc.) e o exame de casos delicados, inclusive os referentes a cardeais e bispos, que foram confiados ao delegado pelo cardeal secretário de Estado ou pelo substituto da secretaria de Estado.

Para dissipar as suspeitas insinuadas em vários artigos recentes, direi imediatamente que os núncios apostólicos nos Estados Unidos, Gabriel Montalvo e Pietro Sambi, ambos prematuramente falecidos, não deixaram de informar a Santa Sé imediatamente, tão logo souberam do arcebispo McCarrick. comportamento gravemente imoral com seminaristas e sacerdotes. De facto, segundo escreveu o núncio Pietro Sambi, o padre Bonifácio Ramsey, carta do OP, datada de 22 de Novembro de 2000, foi escrita a pedido do falecido núncio Montalvo. Na carta, o padre Ramsey, que havia sido professor no seminário diocesano de Newark desde o final dos anos 80 até 1996, afirma que houve um rumor recorrente no seminário de que o arcebispo «dividia a sua cama com seminaristas», convidando cinco de cada vez para passar o fim-de-semana com ele na sua casa de praia.

O cargo que ocupei na época não foi informado de nenhuma medida tomada pela Santa Sé depois que essas acusações foram apresentadas por o núncio Montalvo no final de 2000, quando o cardeal Angelo Sodano era secretário de Estado.

Da mesma forma, o núncio Sambi transmitiu ao cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone, um memorando de acusação contra McCarrick pelo padre Gregory Littleton da diocese de Charlotte, que foi reduzido ao estado laico por uma violação de menores, junto com dois documentos do mesmo Littleton, no qual contou a sua trágica história de abuso sexual pelo então arcebispo de Newark e vários outros padres e seminaristas. O núncio acrescentou que Littleton já havia enviado o seu memorando para cerca de vinte pessoas, incluindo autoridades judiciais civis e eclesiásticas, policiais e advogados, em Junho de 2006, e que, portanto, era muito provável que as notícias fossem divulgadas em breve. Ele, portanto, pediu uma intervenção imediata da Santa Sé.

Ao redigir um memorando [1] sobre esses documentos que me foram confiados, como delegado para as Representações Pontifícias, em 6 de Dezembro de 2006, escrevi aos meus superiores, cardeal Tarcisio Bertone e ao substituto Leonardo Sandri, que os factos atribuídos a McCarrick por Littleton eram de tal gravidade e vileza que provocavam perplexidade, um sentimento de desgosto, profunda tristeza e amargura no leitor, e que constituíam os crimes de sedução, solicitando actos depravados de seminaristas e sacerdotes, repetida e simultaneamente com várias pessoas, escárnio de um jovem seminarista que tentou resistir às seduções do arcebispo na presença de dois outros sacerdotes, a absolvição dos cúmplices nestes actos depravados, celebração sacrílega da Eucaristia com os mesmos sacerdotes depois de cometer tais actos.

No meu memorando, que entreguei no mesmo dia 6 de Dezembro de 2006 ao meu superior directo, o substituto Leonardo Sandri, propus as seguintes considerações e linhas de acção aos meus superiores:
  • Dado que parecia um novo escândalo de gravidade particular, como se considerava um cardeal, ia ser adicionado aos muitos escândalos para a Igreja nos Estados Unidos,e que, desde que este assunto tinha a ver com um cardeal,
  • e de acordo com a lata. 1405 § 1, n. 2, «ipsius Romani Pontificis dumtaxat ius est iudicandi»;
  • Propus que fosse tomada uma medida exemplar contra o cardeal, que pudesse ter uma função medicinal, evitar abusos futuros contra vítimas inocentes e aliviar o escândalo muito sério para os fiéis, que apesar de tudo continuaram a amar e a acreditar na Igreja.
Acrescentei que seria salutar se, por uma vez, a autoridade eclesiástica interviesse perante as autoridades civis e, se possível, antes que o escândalo tivesse surgido na imprensa. Isso poderia ter restaurado alguma dignidade a uma Igreja tão duramente julgada e humilhada por tantos actos abomináveis ​​por parte de alguns pastores. Se isso fosse feito, a autoridade civil não teria mais que julgar um cardeal, mas um pastor com quem a Igreja já havia tomado medidas apropriadas para impedir que o cardeal abusasse da sua autoridade e continuasse a destruir vítimas inocentes.

O meu memorando de 6 de Dezembro de 2006 foi mantido por os meus superiores e nunca me foi devolvido com qualquer decisão real dos superiores sobre esse assunto.

Posteriormente, por volta de 21-23 de Abril de 2008, a declaração do Papa Bento XVI sobre o padrão de crise dos abusos sexuais nos Estados Unidos, por Richard Sipe, foi publicada na internet, em richardsipe.com. Em 24 de Abril, foi transmitido pelo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal William Levada, ao cardeal secretário de Estado Tarcísio Bertone. Foi-me entregue um mês depois, em 24 de Maio de 2008.

No dia seguinte, entreguei um novo memorando ao novo substituto, Fernando Filoni, que incluía o meu anterior, 6 de Dezembro de 2006. Nele, resumi o documento de Richard Sipe, que terminou com este apelo respeitoso e sincero ao Papa Bento XVI: «Eu me aproximo de Sua Santidade com a devida reverência, mas com a mesma intensidade que motivou Peter Damian a apresentar ao seu antecessor, o Papa Leão IX, uma descrição da condição do clero durante o seu tempo. Os problemas de que ele fala são semelhantes e tão grandes agora nos Estados Unidos quanto em Roma. Se Sua Santidade pedir, eu irei pessoalmente enviar para você uma documentação daquilo sobre o qual falei».

Encerrei o meu memorando repetindo aos meus superiores que achava necessário intervir o quanto antes, retirando o cardeal do cardeal McCarrick e submetendo-o às sanções estabelecidas pelo Código de Direito Canónico, que também prevê redução ao estado laico.

Este meu segundo memorando também nunca foi devolvido ao departamento de pessoal, e fiquei muito consternado com os meus superiores pela ausência inconcebível de qualquer medida contra o cardeal, e pela contínua falta de qualquer comunicação comigo desde o meu primeiro memorando em Dezembro de 2006.

Mas finalmente aprendi com certeza, através do cardeal Giovanni Battista Re, então Prefeito da Congregação para os Bispos, que a corajosa e meritória declaração de Richard Sipe teve o resultado desejado. O Papa Bento XVI impôs às sanções do cardeal McCarrick semelhantes às que lhe foram impostas pelo Papa Francisco: o cardeal deixaria o seminário onde estava a morar, proibia-o de celebrar [a missa] em público, de participar em reuniões públicas, de dar palestras, viajar, com a obrigação de se dedicar a uma vida de oração e penitência.

Não sei quando o Papa Bento XVI tomou essas medidas contra McCarrick, seja em 2009 ou em 2010, porque, entretanto, fui transferido para o Governorato da Cidade do Vaticano, assim como não sei quem foi responsável por esse atraso incrível. Certamente não acredito que tenha sido o Papa Bento XVI, que, como cardeal, havia denunciado repetidamente a corrupção presente na Igreja, e nos primeiros meses de seu pontificado já tomara uma firme posição contra a admissão no seminário de jovens com profundas tendências homossexuais. Creio que foi devido ao primeiro colaborador do Papa na época, o cardeal Tarcisio Bertone, que notoriamente favoreceu a promoção de homossexuais em posições de responsabilidade, e estava acostumado a administrar as informações que julgava apropriadas para transmitir ao Papa.

Em todo caso, o que é certo é que o Papa Bento XVI impôs as citadas sanções canónicas a McCarrick e que lhe foram comunicadas pelo núncio apostólico nos Estados Unidos, Pietro Sambi. Monsenhor Jean-François Lantheaume, então primeiro conselheiro da Nunciatura em Washington e encarregado de negócios depois da morte inesperada do núncio Sambi em Baltimore, disse-me quando cheguei a Washington – e ele está pronto para testemunhar – sobre uma tempestuosa conversa, com duração de mais de uma hora, que o núncio Sambi teve com o cardeal McCarrick que havia convocado à Nunciatura. Monsenhor Lantheaume disse-me que «a voz do núncio podia ser ouvida até ao fim do corredor».

As mesmas disposições do Papa Bento XVI foram-me então comunicadas pelo novo Prefeito da Congregação para os Bispos, cardeal Marc Ouellet, em Novembro de 2011, numa conversa antes de minha partida para Washington, e foram incluídas entre as instruções da mesma Congregação para o novo núncio.

Por sua vez, repeti-as ao cardeal McCarrick no meu primeiro encontro com ele na Nunciatura. O cardeal, resmungando de maneira quase compreensível, admitiu que talvez tivesse cometido o erro de dormir na mesma cama com alguns seminaristas na sua casa de praia, mas disse isso como se não tivesse importância.

Os fiéis insistentemente se perguntam como foi possível que ele fosse designado para Washington, e como cardeal, e eles têm todo o direito de saber quem sabia e quem cobria os seus graves crimes. Portanto, é meu dever revelar o que sei sobre isso, começando com a Cúria Romana.

O cardeal Angelo Sodano foi secretário de Estado até Setembro de 2006: toda a informação lhe foi comunicada. Em Novembro de 2000, Nunzio Montalvo enviou-lhe o seu relatório, passando-lhe a carta do padre Bonifácio Ramsey, acima mencionada, na qual denunciava os sérios abusos cometidos por McCarrick.

Sabe-se que Sodano tentou encobrir o escândalo do padre Maciel até ao fim. Ele até removeu o núncio na Cidade do México, Justo Mullor, que se recusou a ser cúmplice do seu esquema para encobrir Maciel e, em seu lugar, nomeou Sandri, então núncio da Venezuela, que estava disposto a colaborar no encobrimento. Sodano chegou ao ponto de emitir uma declaração à assessoria de imprensa do Vaticano em que se afirmava uma falsidade, ou seja, que o Papa Bento XVI decidira que o caso Maciel deveria ser considerado fechado. Bento reagiu, apesar da vigorosa defesa de Sodano, e Maciel foi considerado culpado e irrevogavelmente condenado.

Foi a nomeação de McCarrick para Washington e como cardeal a obra de Sodano, quando João Paulo II já estava muito doente? Nós não somos dados para saber. No entanto, é legítimo pensar assim, mas não acho que ele tenha sido o único responsável por isso. McCarrick frequentemente ia a Roma e fazia amigos em todos os lugares, em todos os níveis da Cúria. Se Sodano protegeu Maciel, como parece certo, não há razão para que McCarrick não o fizesse, o que, segundo muitos, tinha meios financeiros para influenciar decisões. A sua nomeação para Washington teve a oposição do então prefeito da Congregação para os Bispos, o cardeal Giovanni Battista Re. Na Nunciatura, em Washington, há uma nota, escrita por a sua mão, na qual o cardeal Re se desassocia da indicação e declara que McCarrick foi o 14.º na lista de Washington.

O relatório do núncio Sambi, com todos os anexos, foi enviado ao cardeal Tarcisio Bertone, como secretário de Estado. Os meus dois memorandos mencionados acima, de 6 de Dezembro de 2006 e 25 de Maio de 2008, também lhe foram presumivelmente entregues pelo substituto. Como já foi mencionado, o cardeal não teve dificuldade em apresentar insistentemente os candidatos episcopados conhecidos como homossexuais activos – cito apenas o conhecido caso de Vincenzo de Mauro, que foi nomeado arcebispo-bispo de Vigevano e depois removido porque estava minando. Os seus seminaristas – e na filtragem e manipulação da informação que ele transmitiu ao Papa Bento XVI.

O cardeal Pietro Parolin, actual secretário de Estado, também foi cúmplice de encobrir os erros de McCarrick, que, após a eleição do Papa Francisco, ostentava abertamente as suas viagens e missões a vários continentes. Em Abril de 2014, o Washington Times publicou um relatório de primeira página sobre a viagem de McCarrick à República Centro-Africana e, em nome do departamento de Estado, não menos. Como núncio em Washington, escrevi ao cardeal Parolin perguntando se as sanções impostas a McCarrick pelo Papa Bento XVI ainda eram válidas. Ça va sans dire que minha carta nunca recebeu qualquer resposta!

O mesmo pode ser dito do Cardeal William Levada, antigo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, dos Cardeais Marc Ouellet, Prefeito da Congregação para os Bispos, Lorenzo Baldisseri, ex-secretário da mesma Congregação para os Bispos e arcebispo Ilson de Jesus Montanari, actual secretário da mesma Congregação. Eles estavam todos conscientes, em razão do seu cargo, das sanções impostas pelo papa Bento XVI a McCarrick.

Os cardeais Leonardo Sandri, Fernando Filoni e Angelo Becciu, como substitutos da secretaria de Estado, conheciam em todos os detalhes a situação do Cardeal McCarrick.

Os cardeais Giovanni Lajolo e Dominique Mamberti também não conseguiram saber. Como secretários de Relações com os Estados, participaram várias vezes por semana em reuniões colegiadas com o secretário de Estado.

No que diz respeito à Cúria Romana, por enquanto vou parar por aqui, mesmo que os nomes de outros prelados no Vaticano sejam bem conhecidos, mesmo alguns muito próximos do Papa Francisco, como o cardeal Francesco Coccopalmerio e o arcebispo Vincenzo Paglia, que pertencem à corrente homossexual em favor de subverter a Doutrina católica sobre a homossexualidade, uma corrente já denunciada em 1986 pelo cardeal Joseph Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, na Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a Pastoral das pessoas homossexuaisCardeais Edwin Frederick O ' Brien e Renato Raffaele Martino também pertencem à mesma corrente, embora com uma ideologia diferente. Outros pertencentes a esta corrente residem até mesmo no Domus Sanctae Marthae.

Agora para os Estados Unidos. Obviamente, o primeiro a ter sido informado das medidas tomadas pelo Papa Bento XVI foi o sucessor de McCarrick em Washington See, o cardeal Donald Wuerl, cuja situação está agora completamente comprometida pelas recentes revelações sobre o seu comportamento como bispo de Pittsburgh.

É absolutamente impensável que Nunzio Sambi, que era uma pessoa extremamente responsável, leal, directo e explícito no seu modo de ser (um verdadeiro filho de Romagna), não falou com ele sobre isso. De qualquer forma, eu mesmo levantei o assunto com o cardeal Wuerl em várias ocasiões, e certamente não precisei entrar em detalhes porque ficou imediatamente claro para mim que ele estava plenamente ciente disso. Também me lembro em particular do facto de que tive que chamar a sua atenção para isso, porque percebi que numa publicação arquidiocesana, na contracapa a cores, havia um anúncio convidando jovens para uma reunião com o cardeal McCarrick que pensavam ter uma vocação para o sacerdócio. Telefonei imediatamente ao cardeal Wuerl, que expressou a sua surpresa para mim, dizendo que não sabia nada sobre esse anúncio e que o cancelaria. E se,

As suas declarações recentes de que ele não sabia nada sobre isso, mesmo que a princípio ele astuciosamente se referisse à compensação pelas duas vítimas, são absolutamente ridículas. O cardeal está desavergonhado e reina para que o seu chanceler, monsenhor Antonicelli, também se deite.

O cardeal Wuerl também mentiu claramente noutra ocasião. Após um evento moralmente inaceitável, autorizado pelas autoridades académicas da Universidade de Georgetown, chamei a atenção do seu presidente, Dr. John DeGioia, enviando-lhe duas cartas subsequentes. Antes de encaminhá-las ao destinatário, para tratar adequadamente as coisas, entreguei pessoalmente uma cópia ao cardeal com uma carta que eu havia escrito. O cardeal disse-me que não sabia nada sobre isso. No entanto, ele não acusou o recebimento das minhas duas cartas, ao contrário do que ele costumava fazer. Mais tarde soube que o evento em Georgetown ocorrera há sete anos. Mas o cardeal não sabia nada disso!

O cardeal Wuerl, bem ciente dos contínuos abusos cometidos pelo cardeal McCarrick e das sanções impostas pelo Papa Bento XVI, transgredindo a ordem do Papa, também permitiu que ele residisse num Seminário em Washington DC. Ao fazê-lo, colocou outros seminaristas em risco.

O bispo Paul Bootkoski, emérito de Metuchen, e o arcebispo John Myers, emérito de Newark, encobriram os abusos cometidos por McCarrick nas suas respectivas dioceses e compensaram duas das suas vítimas. Eles não podem negar e devem ser interrogados para revelar todas as circunstâncias e toda a responsabilidade em relação a este assunto.

O cardeal Kevin Farrell, que foi recentemente entrevistado pelos media, também disse que não tinha a menor ideia sobre os abusos cometidos por McCarrick. Dado o seu mandato em Washington, Dallas e agora em Roma, acho que ninguém pode honestamente acreditar nele. Não sei se alguma vez ele perguntou se sabia sobre os crimes de Maciel. Se ele negasse isso, alguém acreditaria nele, já que ele ocupava posições de responsabilidade como membro dos Legionários de Cristo?

Em relação ao cardeal Sean O'Malley , eu simplesmente diria que as suas últimas declarações sobre o caso McCarrick são desconcertantes e obscureceram totalmente a sua transparência e credibilidade.

* * * * *

A minha consciência exige que eu também revele factos que experimentei pessoalmente, em relação ao Papa Francisco, que têm um significado dramático, que como bispo, compartilhando a responsabilidade colegiada de todos os bispos pela Igreja universal, não me permitem permanecer em silêncio, e que eu declaro aqui, pronto para reafirmá-los sob juramento, invocando a Deus como minha testemunha.

Nos últimos meses do seu pontificado, o Papa Bento XVI convocou uma reunião de todos os núncios apostólicos em Roma, como Paulo VI e São João Paulo II haviam feito em várias ocasiões. A data marcada para a audiência com o Papa foi sexta-feira, 21 de Junho de 2013. O Papa Francisco manteve esse compromisso feito por o seu antecessor. É claro que também vim para Roma de Washington. Foi o meu primeiro encontro com o novo Papa eleito apenas três meses antes, após a renúncia do papa Bento XVI.

Na manhã de quinta-feira, 20 de Junho de 2013, fui ao Domus Sanctae Marthae, para juntar-me aos meus colegas que estavam hospedados lá. Assim que entrei no salão, encontrei o cardeal McCarrick, que usava a batina vermelha. Cumprimentei-o respeitosamente como sempre fiz. Ele imediatamente disse-me, num tom entre ambíguo e triunfante: «O Papa recebeu-me ontem, amanhã vou para a China».

Na época, eu não sabia nada da sua longa amizade com o cardeal Bergoglio e da parte importante que ele desempenhou na sua recente eleição, como o próprio McCarrick revelaria mais tarde numa palestra na Universidade de Villanova e numa entrevista ao National Catholic Reporter. Também nunca pensei no facto de ele ter participado nas reuniões preliminares do recente conclave e do papel que ele pôde desempenhar como cardeal eleitor no conclave de 2005. Portanto, não percebi imediatamente o significado da mensagem criptografada que McCarrick me havia comunicado, mas isso ficaria claro para mim imediatamente nos dias seguintes.

No dia seguinte, a audiência com o Papa Francisco ocorreu. Depois do seu discurso, que foi parcialmente lido e parcialmente entregue, o Papa quis saudar todos os núncios um a um. Em arquivo único, lembro que estava entre os últimos. Quando chegou a minha vez, tive tempo de dizer-lhe: «Eu sou o núncio dos Estados Unidos». Ele imediatamente atacou-me com um tom de reprovação, usando estas palavras: «Os bispos nos Estados Unidos não devem ser ideologizados! Eles devem ser pastores!» É claro que não estava em posição de pedir explicações sobre o significado das suas palavras e a maneira agressiva como me censurou. Tinha na mão um livro em português que o cardeal O'Malley me havia enviado para o Papa alguns dias antes, dizendo-me «Então ele poderia falar com o seu português antes de ir ao Rio para a Jornada Mundial da Juventude.» Entreguei-o imediatamente, e assim me libertei daquela situação extremamente desconcertante e embaraçosa.

No final da audiência, o Papa anunciou: «Aqueles que ainda estão em Roma no próximo domingo estão convidados a concelebrar comigo na Domus Sanctae arthae Pensei naturalmente em continuar a esclarecer o mais rapidamente possível o que o Papa pretendia dizer-me.

No domingo, 23 de Junho, antes da concelebração com o Papa, perguntei a monsenhor Ricca, que como encarregado da casa nos ajudou a colocar as vestes, se pudesse perguntar ao Papa se poderia receber-me em algum momento da semana seguinte. Como eu poderia ter retornado a Washington sem ter esclarecido o que o Papa queria de mim? No final da missa, enquanto o Papa cumprimentava os poucos leigos, monsenhor Fabian Pedacchio, o seu secretário argentino, aproximou-se e disse: «O Papa disse-me para perguntar se você está livre agora!» Naturalmente, respondi que eu estava à disposição do Papa e agradeci-lhe por me ter recebido imediatamente. O Papa levou-me ao primeiro andar do seu apartamento e disse: «Temos 40 minutos antes do Angelus».

Comecei a conversa, perguntando ao Papa o que me pretendia dizer com as palavras que me dirigira quando o cumprimentei na sexta-feira anterior. E o Papa, num, amigável tom muito diferente, quase carinhoso, disse-me: «Sim, os bispos dos Estados Unidos não devem ser ideologizados, não devem ser de direita como o arcebispo de Filadélfia, (o Papa concluiu não me dê o nome do arcebispo) eles devem ser pastores; e eles não devem ser de esquerda – e acrescentou, levantando ambos os braços – e quando eu digo de esquerda quero dizer homossexual.» Claro, a lógica da correlação entre ser de esquerda e ser homossexual escapou-me, mas eu não acrescentei mais nada.

Imediatamente depois, o Papa perguntou-me de maneira enganosa: «Como é o cardeal McCarrick?»  Respondi-lhe com total franqueza e, se quisesse, com grande ingenuidade: «Santo Padre, não sei se conhece o cardeal McCarrick. mas, se perguntar à Congregação para os Bispos, há um dossiê tão espantoso sobre ele. Ele corrompeu gerações de seminaristas e sacerdotes e o Papa Bento ordenou que se retirasse para uma vida de oração e penitência O Papa não fez o menor comentário sobre aquelas palavras muito graves e não demonstrou nenhuma expressão de surpresa no seu rosto como se já soubesse do assunto há algum tempo, e imediatamente mudou de assunto. Mas então, qual era o propósito do Papa em me fazer essa pergunta: «Como é o cardeal McCarrick?» Ele claramente queria descobrir se eu era um aliado de McCarrick ou não.

De volta a Washington tudo ficou muito claro para mim, graças também a um novo evento que ocorreu apenas alguns dias depois do meu encontro com o Papa Francisco. Quando o novo bispo Mark Seitz tomou posse da Diocese de El Paso em 9 de Julho de 2013, enviei o primeiro conselheiro, monsenhor Jean-François Lantheaume, enquanto fui a Dallas nesse mesmo dia para uma reunião internacional sobre Bioética. Quando voltou, monsenhor Lantheaume disse-me que em El Paso conhecera o cardeal McCarrick, que, ao afastá-lo, lhe disse quase as mesmas palavras que o Papa me dissera em Roma: «os bispos nos Estados Unidos não devem ser ideologizados, não devem ser de direita, devem ser pastores ... «Eu fiquei surpreso! Ficou claro, portanto, que as palavras de censura que o Papa Francisco me dirigira em 21 de Junho de 2013 foram postas na sua boca no dia anterior pelo cardeal McCarrick. Também a menção do Papa «não como o arcebispo de Filadélfia» pode ser atribuída a McCarrick, porque houve um forte desacordo entre os dois sobre a admissão à comunhão de políticos pró-aborto. Na sua comunicação aos bispos, McCarrick manipulou uma carta do então cardeal Ratzinger que proibia dar-lhes comunhão. Na verdade, eu também sabia como certos cardeais, como Mahony, Levada e Wuerl, estavam intimamente ligados a McCarrick; eles opuseram-se às nomeações mais recentes feitas pelo Papa Bento XVI para cargos importantes como Filadélfia, Baltimore, Denver e San Francisco.

Infeliz com a armadilha que me havia criado em 23 de Junho de 2013, quando me perguntou sobre McCarrick, apenas alguns meses depois, na plateia que me concedeu em 10 de Outubro de 2013, o Papa Francisco definiu um segundo para mim, desta vez a respeito de um segundo dos seus protegidos, o cardeal Donald Wuerl. Ele perguntou-me: «Como é o cardeal Wuerl, é bom ou ruim?» Respondi: «Santo Padre, não vou dizer-lhe se é bom ou ruim, mas vou dizer-lhe dois factos.» Eles são os únicos que eu já mencionei acima, que dizem respeito ao descuido pastoral de Wuerl em relação aos desvios aberrantes na Universidade George Towne o convite da Arquidiocese de Washington aos jovens aspirantes ao sacerdócio para uma reunião com McCarrick! Mais uma vez o Papa não mostrou qualquer reacção.

Também ficou claro que, desde a época da eleição do Papa Francisco, McCarrick, agora livre de todas as restrições, sentia-se livre para viajar continuamente, para dar palestras e entrevistas. Num esforço de equipa com o cardeal Rodriguez Maradiaga, tornou-se o organizador de remarcações para as nomeações na Cúria e nos Estados Unidos, e o mais consultado no Vaticano para as relações com o governo Obama. É assim que se explica que, como membros da Congregação para os Bispos, o Papa substituiu o cardeal Burke por Wuerl e imediatamente nomeou Cupich, que prontamente se tornou cardeal. Com essas nomeações, a Nunciatura em Washington estava agora fora de cena na nomeação dos bispos. Além disso, nomeou o brasileiro Ilson de Jesus Montanari – o grande amigo do seu secretário particular argentino Fabian Pedacchio – como secretário da mesma Congregação para os Bispos e secretário do Colégio dos Cardeais, promovendo-o num único salto, de um simples funcionário daquele departamento para o arcebispo secretário. Algo sem precedentes para uma posição tão importante!

As nomeações de Blase Cupich para Chicago e Joseph W. Tobin para Newark foram orquestradas por McCarrick, Maradiaga e Wuerl, unidos por um pacto perverso de abusos pelo primeiro e pelo menos de encobrimento de abusos pelos outros dois. Os seus nomes não estavam entre os apresentados pela Nunciatura para Chicago e Newark.

Quanto a Cupich, não se pode deixar de notar a sua arrogância ostensiva e a insolência com que nega as evidências que agora são óbvias para todos: que 80% dos abusos encontrados foram cometidos contra jovens adultos por homossexuais que estavam numa relação de autoridade sobre as suas vítimas.

Durante o discurso que deu quando tomou posse da Chicago See, na qual estive presente como representante do Papa, Cupich brincou que certamente não se deve esperar que o novo arcebispo ande sobre a água. Talvez fosse o suficiente para ele poder permanecer com os pés no chão e não tentar transformar a realidade de cabeça para baixo, cegado pela sua ideologia pró-gay, como afirmou numa recente entrevista à America Magazine. Exaltando a sua especialização na matéria, tendo sido Presidente do Comité de Protecção de Crianças e Jovens do USCCB, afirmou que o principal problema na crise do abuso sexual pelo clero não é a homossexualidade, e que afirmar isso é apenas uma maneira de desviar a atenção do problema real que é o clericalismo. Em apoio a essa tese, Cupich «estranhamente» fez referência aos resultados de pesquisas realizadas no auge da crise do abuso sexual de menores no início dos anos 2000, enquanto ele «abertamente» ignorou que os resultados dessa investigação foram totalmente negados pelos subsequentes Relatórios Independentes da Faculdade John Jay de Justiça Criminal em 2004 e 2011, que concluíram que, em casos de abuso sexual, 81% das vítimas eram do sexo masculino. De facto, o padre Hans Zollner, SJ, vice-reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana, presidente do Centro de Protecção à Criança e membro da Pontifícia Comissão para a Protecção de Menores, recentemente disse ao jornal La Stampa que «na maioria dos casos é uma questão de abuso homossexual».

A nomeação de McElroy em San Diego também foi orquestrada de cima, com uma ordem peremptória criptografada para mim como núncio, do cardeal Parolin: «Reserve a Sé de San Diego para McElroy». McElroy também estava ciente dos abusos de McCarrick, como pode ser visto numa carta enviada a ele por Richard Sipe em 28 de Julho de 2016.

Esses personagens estão intimamente associados a indivíduos pertencentes em particular à ala desviada da Companhia de Jesus, hoje infelizmente uma maioria, que já havia sido motivo de séria preocupação para Paulo VI e posteriores pontífices. Precisamos apenas considerar o padre Robert Drinan, SJ, que foi eleito quatro vezes para a Câmara dos Representantes, e foi um firme defensor do aborto; ou o padre Vincent O' Keefe, SJ, um dos principais promotores da Declaração The Land O'Lakes de 1967, o que comprometeu seriamente a identidade católica de universidades e faculdades nos Estados Unidos. Deve-se notar que McCarrick, então presidente da Universidade Católica de Porto Rico, também participou dessa tarefa inauspiciosa que era tão prejudicial à formação das consciências da juventude americana, intimamente associada como era com a ala desviada dos jesuítas.

Padre James Martin, SJ, aclamado pelas pessoas mencionadas acima, em particular Cupich, Tobin, Farrell e McElroy, nomeado consultor da secretaria de Comunicações, conhecido activista que promove a agenda LGBT, escolhido para corromper os jovens que em breve reunir-se-ão em Dublin para o Encontro Mundial das Famílias, nada mais é que um triste exemplo recente daquela ala desviada da Companhia de Jesus.

O Papa Francisco pediu repetidamente a total transparência na Igreja e para os bispos e fiéis actuarem com parrhesia. Os fiéis em todo o mundo também exigem isso dele de maneira exemplar. Ele deve declarar honestamente quando soube dos crimes cometidos por McCarrick, que abusou da sua autoridade com seminaristas e padres.

Em todo caso, o Papa soube de mim em 23 de Junho de 2013 e continuou a encobri-lo. Não levou em conta as sanções que o Papa Bento XVI tinha imposto a ele (McCarrick) e fez dele o seu conselheiro de confiança junto com Maradiaga.

Este último [Maradiaga] está tão confiante na protecção do Papa que pode descartar como «fofoca» os apelos sinceros de dezenas de seminaristas, que encontraram coragem para escrever-lhe depois que um deles tentou cometer suicídio por abuso homossexual no país seminário.

Até agora os fiéis entenderam bem a estratégia de Maradiaga: insultar as vítimas para se salvar a si próprio, mentir até o amargo fim de encobrir um abismo de abusos de poder, má administração na propriedade da Igreja e desastres financeiros mesmo contra amigos, como no caso do embaixador das Honduras Alejandro Valladares, ex-decano do Corpo Diplomático da Santa Sé.

No caso do ex-bispo auxiliar Juan José Pineda, depois do artigo publicado no semanário L'Espresso em Fevereiro passado, Maradiaga afirmou no jornal Avvenire«Foi o meu bispo auxiliar Pineda quem pediu a visitação, para «limpar» o seu nome depois de ter sido submetido a muita calúnia. Agora, em relação a Pineda, a única coisa que foi tornada pública é que a sua renúncia foi simplesmente aceite, fazendo com que qualquer responsabilidade possível de sua e Maradiaga desaparecessem em lugar algum.

Em nome da transparência tão aclamada pelo Papa, o relatório que o Visitador, o bispo argentino Alcides Casaretto, entregou apenas há mais de um ano e directamente ao Papa, deve ser tornado público.

Finalmente, a recente nomeação como substituto do arcebispo Edgar Peña Parra também está relacionada com Honduras, isto é, com Maradiaga. De 2003 a 2007, Peña Parra trabalhou como conselheiro na Nunciatura de Tegucigalpa. Como delegado para as Representações Pontifícias, recebi informações preocupantes sobre ele.

Nas Honduras, um escândalo tão grande quanto o do Chile está prestes a se repetir. O Papa defende o seu homem, o cardeal Rodríguez Maradiaga, até o amargo fim, como fizera no Chile com o bispo Juan de la Cruz Barros, a quem ele próprio nomeara bispo de Osorno contra o conselho dos bispos chilenos. Primeiro insultou as vítimas de abuso. Então, somente quando foi forçado pelos média, e uma revolta das vítimas e fiéis chilenos, reconheceu o seu erro e pediu desculpas, ao declarar que tinha sido mal informado, causando uma situação desastrosa para a Igreja no Chile, mas continuando a proteger os dois cardeais chilenos Errazuriz e Ezzati.

Mesmo no trágico caso de McCarrick, o comportamento do Papa Francisco não foi diferente. Sabia pelo menos em 23 de Junho de 2013 que McCarrick era um predador em série. Embora soubesse que era um homem corrupto, encobriu-o até o amargo fim; de facto, fez o conselho de McCarrick, que certamente não foi inspirado por boas intenções e por amor à Igreja. Foi somente quando foi forçado pelo relatório do abuso de um menor, novamente com base na atenção dos media, que ele agiu [em relação a McCarrick] para salvar a sua imagem nos media.

Agora nos Estados Unidos um coro de vozes está a aumentar especialmente dos fiéis leigos, e recentemente juntaram-se vários bispos e padres, pedindo que todos aqueles que, por o seu silêncio, encobrem o comportamento criminoso de McCarrick, ou que o usaram para avançar a sua carreira ou promover as suas intenções, ambições e poder na Igreja, deve renunciar.

Mas isso não será suficiente para curar a situação de comportamento imoral extremamente grave do clero: bispos e padres. Um tempo de conversão e penitência deve ser proclamado. A virtude da castidade deve ser recuperada no clero e nos seminários. A corrupção no mau uso dos recursos da Igreja e das ofertas dos fiéis deve ser combatida. A seriedade do comportamento homossexual deve ser denunciada. As redes homossexuais presentes na Igreja devem ser erradicadas, como escreveu recentemente Janet Smith, professora de Teologia Moral no Seminário Maior do Sagrado Coração, em Detroit. «O problema do abuso do clero», escreveu, «não pode ser resolvido simplesmente pela renúncia de alguns bispos, e menos ainda por directrizes burocráticas. O problema mais profundo está nas redes homossexuais dentro do clero que devem ser erradicadas. «Essas redes homossexuais, hoje difundidas em muitas dioceses, seminários, ordens religiosas etc., actuam ocultas no sigilo e encontram-se no poder dos tentáculos do polvo, estrangulam vítimas inocentes e vocações sacerdotais e estrangulam toda a Igreja.

Imploro a todos, especialmente aos bispos, que se manifestem a fim de derrotar essa conspiração de silêncio tão difundida e que denunciem os casos de abuso que conhecem aos media e às autoridades civis.

Atentemos para a mensagem mais poderosa que São João Paulo II nos deixou como herança: não tenhais medo! Não tenhais medo!

Na sua homilia de 2008 na festa da Epifania, o Papa Bento XVI lembrou-nos que o plano de salvação do Pai havia sido plenamente revelado e realizado no mistério da morte e ressurreição de Cristo, mas precisa ser bem-vindo na história humana, que é sempre uma história de fidelidade da parte de Deus e infelizmente também de infidelidade por parte de nós homens. A Igreja, depositária da bênção da Nova Aliança, assinada no sangue do Cordeiro, é santa, mas composta de pecadores, como Santo Ambrósio escreveu: a Igreja é «imaculada ex maculatis», é santa e imaculada, embora na sua jornada terrena, ela é composta de homens manchados de pecado.

Quero relembrar essa indefectível verdade da santidade da Igreja para as muitas pessoas que foram tão profundamente escandalizadas pelo comportamento abominável e sacrílego do ex-arcebispo de Washington, Theodore McCarrick; pela grave e desconcertante e pecaminosa conduta do Papa Francisco e pela conspiração do silêncio de tantos pastores, e que são tentados a abandonar a Igreja, desfigurados por tantas ignomínias. No Angelus de domingo, 12 de Agosto de 2018, o Papa Francisco disse estas palavras: «Todo o mundo é culpado pelo bem que poderia ter feito e não fez ... Se não nos opomos ao mal, nós o alimentamos tacitamente. Precisamos intervir onde o mal se está a espalhar; porque o mal se espalha, onde faltam cristãos ousados ​​que se opõem ao mal com o bem». Se isto é justo para ser considerado uma responsabilidade moral séria para todo crente, quanto mais grave é para o pastor supremo da Igreja, que no caso de McCarrick não só não se opôs ao mal mas se associou em fazer o mal com alguém que ele sabia ser profundamente corrupto. Seguiu o conselho de alguém que conhecia bem como pervertido, multiplicando exponencialmente com a sua autoridade suprema o mal feito por McCarrick. E quantos outros pastores malvados é Francisco que continua a sustentar-se na destruição activa da Igreja!

Francisco está abdicando do mandato que Cristo deu a Pedro para confirmar os irmãos. De facto, por sua acção, os dividiu, levou-os ao erro e encorajou os lobos a continuarem separando as ovelhas do rebanho de Cristo.

Neste momento extremamente dramático para a Igreja universal, ele deve reconhecer os seus erros e, seguindo o princípio proclamado de tolerância zero, o Papa Francisco deve ser o primeiro a dar um bom exemplo para os cardeais e bispos que encobrem os abusos de McCarrick e se demitem com todos eles.

Mesmo com desânimo e tristeza pela enormidade do que está a acontecer, não percamos a esperança! Sabemos bem que a grande maioria dos nossos pastores vive a sua vocação sacerdotal com fidelidade e dedicação.

É em momentos de grande provação que a graça do Senhor é revelada em abundância e torna Sua clemência ilimitada disponível a todos; mas é concedido somente àqueles que estão verdadeiramente arrependidos e sinceramente propõem emendar as suas vidas. Este é um momento favorável para a Igreja confessar os seus pecados, converter-se e fazer penitência.

Rezemos todos pela Igreja e pelo Papa, lembremo-nos de quantas vezes nos pediu para rezar por ele!

Vamos todos renovar a fé na Igreja, nossa Mãe: «Eu acredito numa Igreja santa, católica e apostólica!»

Cristo nunca abandonará a Sua Igreja! Ele a gerou no Seu Sangue e continuamente a revive com o Seu Espírito!

Maria, Mãe da Igreja, rogai por nós!

Maria, Virgem e Rainha, Mãe do Rei da Glória, rogai por nós!

Roma, 22 de Agosto de 2018

– Rainha da Bem-Aventurada Virgem Maria


Tradução oficial de Diane Montagna

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[1] Todos os memorandos, cartas e outras documentações aqui mencionadas estão disponíveis na secretaria de Estado da Santa Sé ou na Nunciatura Apostólica em Washington, DC.

Nota do Editor: A versão original da tradução acima indicada Cardeal Cupich tinha sido feito cardeal antes de ser nomeado para a Congregação para os Bispos, enquanto que foi de facto nomeado para a Congregação primeiro. Foi um pequeno erro de tradução, não um erro no original italiano, que agora está corrigido.